segunda-feira, novembro 01, 2004

Geração Doente.

"Grande Reportagem" de há duas semanas denunciava uma história de terror, dessas que se lêem e não se acredita. Ou melhor, não se quer acreditar. Um jovem - de nome Diogo - quartanista de Arquitectura fora praxado até à morte pelos colegas da Tuna Universitária a que pertencia. O caso a que João Cândido da Silva já se referiu, na sua última crónica, com o sugestivo subtítulo de "Javardos", passou-se em Portugal vai para três anos. Só agora, ultrapassado o doloroso luto, saltou para os jornais, denunciado pela família num justificado alerta contra essa coisa sinistra dos rituais praxistas que continuamos a fingir não ver. Rituais que já começam a invadir o próprio ensino secundário, onde exibem a mesma ou pior violência. Fica assim minada toda a formação da personalidade de gerações inteiras dos nossos miúdos.
A reportagem justificava o editorial de Joaquim Vieira "Cultura rasca". Contra ele escreve violentamente, na edição desta semana, uma jovem socióloga de 26 anos a frequentar o mestrado. Lemos e voltamos a não querer acreditar.

Em sua defesa, e dos da sua geração, a leitora começa por alertar para o seguinte: "os nossos valores são incutidos pela sociedade que foi por vós constituída". Embora o argumento seja lapalissiano só posso concordar e partilhar a culpa na parte que me toca. OK. Posso até concordar com o argumento seguinte: o que se passou não foi "praxe", foi sobretudo um "crime" que a Justiça com a inoperância habitual, exercida por várias gerações (e não por uma única geração como sustenta a jovem), foi incapaz de castigar. E isso é grave. Gravíssimo. Mas, logo a seguir, a mestranda tenta exibir a sua superioridade moral afirmando o seguinte: "Ao invés do Diogo, optei por me impor (sublinhado meu) e recusei participar nas praxes, sem nunca ser posta de parte. Limitei-me a aparecer nas aulas após o fecho das praxes, alegadamente por estar doente. No harm done diriam os ingleses". Chegámos ao ponto. Posso até admitir que não tinha outra solução senão fugir para não enfrentar o gang acéfalo e maioritário. Nem sempre a fuga é pura cobardia, mas a fuga travestida de colaboracionismo, para gozar dos privilégios inerentes, só pode ter esse nome.

Para esta jovem, que se faz porta-voz de uma geração, "impor-se" resume-se à adopção do comportamento desprezível mas corriqueiro de apresentar atestado médico falso. Estamos entendidos! Fica explicada a tendência compulsiva para a doença falsa e fica-se a perceber melhor por que raio a nova geração de professores, em busca de colocação, pode subitamente surgir tão achacada. Enfrentar o "sistema", mesmo o mais injusto, dá, no mínimo, muita chatice. Além disso, corre-se o risco de poder ficar à margem do rebanho, sem direito à festa, à borga, aos copos (lá se ia a companhia para as ponchas da Madeira que a jovem académica diz tanto apreciar). E claro, lá se iria também o traje.

Dizer "não", como a minha geração era useira e vezeira, pode sempre trazer problemas ao enfrentar a turba, recusar a humilhação, denunciar, não pactuar com o sistema de abuso abjecto dos mais fracos imposto por uma ordem absurda onde a "antiguidade" é um posto e a burrice assumida premiada na dupla categoria idiota dos "veteranos". Na minha geração os que "optavam" assim tinham um nome: cobardes, como diriam os portugueses. "Cowards" na versão anglo-saxónica...
"Jamais vu!"

Entre a esquerda libertária e a direita libertina só não digo venha o diabo e escolha porque, por princípio, não gosto de lhe conceder qualquer direito. Em comum, elas têm um pensamento intolerante e único em matérias morais (ou imorais) que, no mínimo, começa a tornar-se irritante. Pensar o contrário deixou de ser reprovável e improvável para passar a ser "impossível". Fora das duas correntes e com a agravante de não me identificar nem com a direita liberal, nem com a esquerda clássica, vejo-me entre os "opinion makers" da praça como uma espécie de raridade em vias de extinção. Teria a vantagem de me colocar ao abrigo do risco do "déjà vu", não fosse transformar as minhas humildes opiniões em sérias candidatas à classificação de "jamais vu". Não é que eu posso mesmo, e sem "corar", responder ao repto aqui lançado pelo professor Prado Coelho (a que sempre me habituei a respeitar a óbvia superioridade intelectual), informando-o que nem todos os católicos apostólicos romanos vivem a respectiva religião envergonhadamente e "à la carte". Ou seja, que faço parte daqueles milhões que tenta viver em consonância com o Vaticano, sem que tenhamos de suportar o insulto de ultraconservadores reaccionários. Que fique claro: em Itália nunca votaria no senhor Buttiglione, nem no seu partido, nem no seu Governo. Não partilho muitas das suas ideias sobre a família (que extravasam em muito as posições da Igreja) ou sobre a imigração. No Parlamento Europeu raramente votaria com ele e talvez até votasse frequentemente contra ele mas, porque ambos partilhamos a mesma noção de pecado, fico a saber que, como ele, jamais poderei ser comissária. Paciência, adeus regresso a Bruxelas.

E o meu "pecado" incapacitante parece ser o de, como muitos outros, seguirmos a doutrina de João Paulo II, tanto na condenação firme da guerra preventiva (com a consequente oposição à actual política norte-americana), como na opção preferencial pelos pobres (com a defesa acérrima de uma maior justiça social) - dois pontos que regra geral agradam à esquerda e a direita gosta de omitir -, como nas questões morais que vivemos com maior ou menor dificuldade dada a condição de simples pecadores. Mas, enfim, vivemos, pregamos e publicamente defendemos. Coisas tão fora de moda como o apelo à vida casta dos solteiros, ou dos homossexuais e divorciados com anterior casamento católico (porque para os católicos o matrimónio é indissolúvel). Isso não significa perseguir ninguém, nem desrespeitar a sua escolha, ainda que decidam viver pública e assumidamente em situações que a Igreja identifica claramente como situações "de pecado". Não se trata de perseguir os homossexuais, pactuar com a sua discriminação, atentar contra a sua dignidade, privá-los dos seus direitos, como não significa marginalizar os recasados ou criminalizar o adultério. Dá para entender? Pelo contrário, o próprio Cristo impediu a lapidação (era a pena de então, numa sociedade que ironicamente autorizava o divórcio) da mulher adúltera, mandando-a em paz com esta simples advertência: "vai e não voltes a pecar". Bem podia ter-lhe dito: "vai que isso não é mais pecado", segundo a minha nova lei. Não disse. Como não o disse à Samaritana, casada pela quinta vez e a viver em união de facto com um homem casado com outra. Há dois mil anos a vida sentimental não era muito mais tranquila do que a actual. É esse Cristo que Paulo pregou, com escândalo, a uma sociedade onde a homossexualidade era tão ou mais comum do que na actual, que continua a escandalizar-nos com as suas propostas radicais. Um Cristo a exigir loucuras de fé.

Intriga-me apenas que quem tem as maiores dúvidas sobre a própria existência de Deus, como Eduardo Prado Coelho, possa ter tão profundas certezas sobre quais os comportamentos que O ofendem ou não (é isso que significa pecado, ofensa a Deus). Eu não tive nenhuma revelação divina. À falta de fonte mais segura, para tentar evitar ofendê-Lo, sigo as instruções do magistério. Todos os meus amigos homossexuais sabem como penso e há mesmo alguns que pensam como eu. Os meus amigos que vivem em adultério (e são muitos mais!), também. Somos todos pecadores de variadíssimos pecados, mas isso não nos deve impedir a todos de ambicionar a santidade. E ela é possível. Hoje celebra-se a sua vitória no Céu e na terra. É porque os Santos existem que hoje é feriado. Sabiam? Não costumo fazer destas crónicas palco de apostolado (deixo a minha catequese para outros "fora"). Aqui não acho próprio. Mas o meu silêncio perante o repto do professor soava a cobardia. E não gosto de cobardes.

GRAÇA FRANCO

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Nova / velha geração. Tudo o mesmo.

A continua crise de reféns no Iraque, para além de por a nú a insegurança que ainda grassa por aquelas bandas, veio, como se fosse preciso, realçar mais uma faceta do terrorismo islâmico.

A maioria dos reféns tem sido executada por decapitação. Ora, para a teologia do Islão, a decapitação é uma das formas de condenar a alma ao Inferno. Sem cabeça, para o Islão, não há salvação. Se recorrer-mos aos relatos das cruzadas, verificamos que ambos os lados tinham uma grande obcessão pela decapitação.

Então, ambas as religiões acreditavam na condenação da alma, ao separar a cabeça do corpo. O efeito sobre o adversário era terrível, ver os seus camaradas de combate impedidos de se salvarem. O cristianismo, através dos séculos, eliminou tal ideia da sua teologia. O Islão não.

Como se verifica, é o radicalismo religioso que move os mulçumanos, ainda que mascarado de luta libertadora.

segunda-feira, novembro 01, 2004  
Anonymous Anónimo said...

Essa de os muçulmanos serem movidos apenas pelo radicalismo religioso nem merece comentários... Faz lembrar os comentários xenófobos à lidador...

Depois, também seria engraçado ver-te a condenar a coligação por conseguir a proeza de matar muitos mais civis que a resistência iraquiana. Mas isso já são coisas bastante inconvenientes, né?
Só para tua informação, as informações recolhidas pelo Ministério da Saúde Iraquiano mostram que dois terços dos civis mortos no Iraque são o resultado da acção "libertadora" da coligação.

Isto, claro, para além do facto de não considerares a facilidade com que se podem falsificar esses vídeos de execução de reféns. Há tempos houve um americano que fez um vídeo do género, meteu-o num site qualquer e as agências de informação viram-no e começaram a espalhar a notícia de que mais um refém tinha sido executado... O "truque" só foi descoberto quando a família do tal americano avisou a comunicação social...

Never think that war, no matter how necessary, nor how justified, is not a crime. Hemingway

Pinto

segunda-feira, novembro 01, 2004  
Anonymous Anónimo said...

Caro Pinto,
Se a motivação «radicalismo-religioso» não te merece comentários, que merece então??

Repara no seguinte, existem muitos bons iraquianos que se juntam à resistência no intuito de porem os EUA e aliados fora do Iraque. Não dúvido que as motivações desses homens sejam a verdadeira resistência à ocupação.

Contudo, esses homens são enquadrados por organizações cujo objectivo não se cinge ao assunto Iraque e é de cariz religioso. Provavelmente já o fizeste, mas se não, procura ler o Corão e a teologia islâmica e vê o que pensam eles dos infiéis e de como espalhar a palavra do Profeta. è algo tenebroso e elucidativo das reais motivações do Osama & friends!!!

Por outro lado, as decapitações, para além do efeito que produzem na moral das sociedades ocidentais, são uma prática islâmica de condenação ao inferno. Se fizeres uma pesquisa sobre as penas que sofreram todos os que, de alguma forma, ofenderam o Profeta e Meca, verás que, invariavelmente, foram decapitados. Esta forma de proceder só encontra eco numa fundamentação religiosa e numa perspectiva radical da sua aplicação.

Se a resistência iraquiana matasse mais civis que as forças de segurança, para além do background religioso-radical, estavamos também a discutir as reais motivações dos terroristas, não era???....

Tendo em conta o número avançado pelo site que indicaste, sabendo os efectivos em operação e os meios de que dispõem, principalmente o poder destrutivo desses meios, temos ambos que concluir que está a haver um esforço na contenção, não temos???

Por fim, a falsificação de execuções é facilmente detectada, não é?? Da dezena de execuções, ninguém veio dizer que eram falsas, pois não??
geoblast

segunda-feira, novembro 01, 2004  
Anonymous Anónimo said...

Essa de os muçulmanos serem movidos apenas pelo radicalismo religioso nem merece comentários.

Merece , meu caro. Merece que se diga que é verdade, aliás como está escrito e repetido nos textos, declarações, fatwas e outras porras que os próprios terroristas dão a conhecer.

Mas presumo que você conheça outras motivações, de tal modo secretas que nem os próprios terroristas as conhecam.
Somos todos ouvidos.


Só para tua informação, as informações recolhidas pelo Ministério da Saúde Iraquiano mostram que dois terços dos civis mortos no Iraque são o resultado da acção "libertadora" da coligação.

Inclui nessa conta os centenas de milhar que Saddam mandou para o paraíso de Alá?
Fez a contablidade das valas comuns encontradas?

Isto, claro, para além do facto de não considerares a facilidade com que se podem falsificar esses vídeos de execução de reféns.


O pior cego é o que se recusa a ver.
Essa hemiplegia moral anda pior. Sobre os abusos cometidos por alguns indivíduos do Exército americano, você e as outras amibas esquerdóides fartaram-se de berrar escandalizadas.
Perante Beslan, e as imagens da pura barbárie, calam-se, assobiam para o ar, relativizam, justificam.

Endireite a coluna vertebral rapaz!

L

segunda-feira, novembro 01, 2004  
Anonymous Anónimo said...

Não merece nada porque dizer que os muçulmanos que se opõem à presença americana no Iraque o fazem unicamente tendo por base motivações religiosas é uma idiotice completa (e pareceu-me que foi isto que disseste no teu primeiro post, embora aqui já te demarques um pouco dessa posição). É como dizer que os que neste fórum se opõem à guerra no Iraque ou à ocupação israelita adoptaram tais posições por serem anti-americanos, anti-semitas, anti-capitalistas, "comunas", etc. Ou seja, faz lembrar aquelas calinadas à Lidador que não têm ponta por onde se lhes pegue.

Estás a partir do princípio que os grupos que formam a resistência iraquiana seguem todos sob a mesma liderança (a da Al-Qaeda). Ora, não me parece que haja sequer indícios de que isto possa corresponder à verdade porque a resistência é composta por várias facções cujos únicos pontos comuns se resumem, se calhar, ao desagrado de ver o seu país transformado numa base de uma potência estrangeira e à vontade de ver os EUA & amigos fora do Iraque.
Ao que parece tens várias facções (e, como tu próprio admites, os indivíduos que as compõem podem perfeitamente ter motivações não-religiosas e diferentes das da facção que os acolhe): uma que será, alegadamente, liderada por um dos principais generais do tempo do Saddam (creio que é um tal Al-Tilfah, que fazia parte do famoso "baralho" norte americano e que não chegou a ser capturado); outra seria a protagonizada pelos revoltosos xiitas, encabeçados pelo Moqtada Al-Sadr com o seu Exército de Mahdi; outra, por exemplo, seria a que é liderada pelo Al-Zarqawi.
Atenção a um "pormenor": é que o Al-Zarqawi não é propriamente o melhor amigo do bin Laden e só nestes últimos dias (pela altura do início do Ramadão é que o Zarqawi anunciou num site islâmico que se decidiu aliar ao bin Laden, esquecendo assim as diferenças que pudessem existir entre ambos. E acho que nem é preciso dizer que nem um xiita nem um saddamista verão o bin Laden ou a Al-Qaeda como grandes amigos, ainda que perante esta situação possam formar alianças de conveniência contra o inimigo comum.

Bom, decide-te: numa linha chamas-lhes «resistência», na outra chamas-lhes «terroristas». Em que ficamos?

Não, não temos...

Não sei... Tens a certeza que é? Sobre a primeira execução, a do Nick Berg, houve no fórum do Iraque bastantes discussões sobre o assunto e havia, ao que parece, coisas bastante estranhas no vídeo da sua alegada execução supostamente realizada pelo Al-Zarqawi...

Never think that war, no matter how necessary, nor how justified, is not a crime. Hemingway

Pinto

segunda-feira, novembro 01, 2004  
Anonymous Anónimo said...

Caro Pinto,

De momentos pareceu-me que esse lema era uma música da Britney Spears!!! Mas deve-se apenas à sonoridade....

Não merece nada porque dizer que os muçulmanos que se opõem à presença americana no Iraque o fazem unicamente tendo por base motivações religiosas é uma idiotice completa

Sabes bem que não foi isso que eu disse. O que eu disse foi que aqueles que são contra a presença dos americanos no Iraque estão a ser aglutinados pelos diversos grupos cuja motivação é do foro político-religioso.

É como dizer que os que neste fórum se opõem à guerra no Iraque ou à ocupação israelita adoptaram tais posições por serem anti-americanos, anti-semitas, anti-capitalistas, "comunas", etc.

Existem muitas motivações para ser contra a guerra. Inclusivé religiosas. Neste fórum em particular, parece-me que as motivações se devem a uma posição discordante da política externa americana, motivada, essencialmente, pela perfilhação de doutrinas de esquerda.

Estás a partir do princípio que os grupos que formam a resistência iraquiana seguem todos sob a mesma liderança (a da Al-Qaeda).

Não estou, porque bem antes da Al-Qaeda, já o Irão procurava exportar o fanatismo religioso, através do terrorismo. Actualmente é a Al-Qaeda quem congrega a maioria desses grupos, principalmente pelo suporte técnico-económico que proporciona. Acabas por ter duas realidade específicas: a dos grupos terroristas franchisados que perseguem um fim particular e a da Al-Qaeda que utiliza esse fim particular em prol da sua causa geral que é o Grande Califado. De uma forma diferente, o mesmo sucede com o terrorismo suportado pelo Irão.

Em ambos os casos, a punição dos infiéis é suportada por tratados teológicos que preconizam a perda da alma como a maior punição. Daí as decapitações....

Resistência, terrorismo.... É como te disse no post inicial, Há aqueles que pretendiam encetar um movimento de resistência, se bem que uma boa parte tenha caído no terrorismo.

Então não achas que são poucas vítimas atendendo ao arsenal bélico dos EUA e aliados???

Não me digas que foi uma discussão idêntica à que anda para aí do avião que bateu no Pentágono???
Geoblast

segunda-feira, novembro 01, 2004  

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