sábado, abril 30, 2005

Seis = Medidas = Seis

"Segue um postal, de mangadalpaca, alusivo a uma faena:

O engenheiro José Sócrates veio anunciar na Assembleia da República seis - medidas – seis, destinadas a «desbloquear o sistema judicial» por haver situações de «bagatelas processuais» que não teriam dignidade para que os Tribunais delas se continuassem a ocupar.

1. Reduzir as férias judiciais de dois para um mês.
Muito já foi dito. Acredita-se que, sendo uma medida emblemática de uma certa «teimosia política», apanágio do engenheiro Sócrates, poderia até ter algumas virtualidades, desde que enquadrada num pacote mais vasto de medidas: vamos ver se não terá resultados contra-producentes. A lógica de produtividade dos tribunais não tem a ver só com o(s) tempo(s) de trabalho. Poderia pensar-se em consignar algum tempo das férias judiciais para a necessária formação dos magistrados. Mas, isso nem sequer esteve nas argutas cogitações do governo (sabendo-se que a formação contínua dos magistrados é cada vez mais necessária). Por outro lado, se os trabalhadores judiciais não podem ser favorecidos, também não poderão ser prejudicados, face aos demais trabalhadores.

2. Aumentar o limite da não punibilidade dos cheques sem provisão para € 150,00.
Não parece mal, mas não pode ser verdade que esse tipo de processos ocupe o número de magistrados anunciado. O crime de cheque sem provisão perdeu expressão estatística (embora tivesse tendência para um recrudescimento). Por outro lado, aí apenas se constatará uma transferência de processos, do foro criminal para o foro cível, sem grande alcance para o sistema.

3. Suprimir a renovação automática das apólices de seguros.
Essa medida contrariará directivas internacionais em matéria de defesa de consumidores, e irá contrariar ainda mais os interesses das seguradoras. Vamos ver a sua viabilidade e eficácia.

4. Pulverizar por todas as comarcas, em função do domicílio do consumidor, o foro de apreciação das questões relacionadas com o (in)cumprimento de obrigações contratuais.
Esta medida não terá qualquer impacto, podendo até, nalgumas comarcas, perturbar o seu funcionamento, ao mesmo tempo que a sua redução nas comarcas «colonizadas» pelas empresas prestadoras de serviços (telemóveis, crédito ao consumo, etc.), que, de certa forma, se haviam «especializado», não será relevante.

5. Aumento do valor do procedimento de injunção para € 15.000,00.
O despacho dos processos transitará do juiz para as secretarias judiciais.

6. Conversão de transgressões em contra-ordenações.
As poucas que ainda existem, não são, de forma alguma, bloqueadoras do sistema. Se se está a pensar nas transgressões de passagem na Via Verde sem pagar, não vão faltar recursos e as subsequentes execuções das coimas, pois que essas dificilmente consentirão o pagamento no acto (para isso, teriam que posicionar vários carros-patrulha da BT em cada portagem).

Em suma- Não serão significativos os impactos destas seis-medidas-seis. Trata-se de um primeiro pacote, é certo. Mas o que não se pode é deixar de constatar uma clamorosa contradição de princípio: o engenheiro Sócrates queixou-se de que o sistema judicial prejudicava a eficácia (ou eficiência? Acho que ninguém sabe!) do tecido económico e empresarial. Mais uma providencial descoberta para justificar sucessivos erros de políticas económicas e fiscais, para não falar da falta de modernização dos empresários (continua a ser a única categoria profissional sem exigência de um mínimo de qualificações) e das empresas, mas enfim, o que é preciso são apoios do Estado e fundos da U.E., para não se entrar em colapso económico, tudo por culpa do sistema judicial…
Simplesmente, estas anunciadas medidas, se bem repararem, não são nada amistosas da instrumentalidade que o sistema judicial era suposto assegurar «ao serviço da economia». Pelo contrário. Vão ser altamente lesivas dos interesses de muitas empresas.

P.S.
Há tempos, escrevemos um post sobre o «Esplendor do Direito Penal do Inimigo», criticando a proposta de rusgas policiais acompanhadas por magistrados, anunciada pelo ministro A. Costa (o outro, o ministro de Estado).
Ao que parece, o dr. Costa veio fazer mea culpa, reconhecendo que, afinal, tinha «laborado em erro». Regista-se, com justiça, a assunção do erro, a ser sincera…

Daí que se diga: um pouco mais de coerência. Ou, pelo menos, de reflexão. "

mangadalpaca©

Da Grande Loja.

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