11 de Novembro de 1942
Guadalcanal, o Verdun do Pacífico - Parte I
O desembarque na ilha maldita, uma das mais terríveis operações efetuadas pelo corpo de fuzileiros navais americanos em 1942.
A 7 de agosto de 1942, às 6h 47min, os transportes de tropas americanas chegaram diante das praias de Guadalcanal e às 6h 50min houve ordem de desembarque. As lanchas foram lançadas num mar de calmaria. O tempo estava ideal. Às 8 horas, os fuzileiros desembarcaram em duas praias de Guadalcanal sem encontrar resistência. Protegidos pelos capacetes e transportando cargas pesadas, depois de terem corrido pelas praias, internaram-se na selva e dirigiram-se ao aeródromo.Os soldados avançaram em fila indiana, a trinta passos uns dos outros, vigilantes e com a arma pronta a fazer fogo. Ouvia-se apenas o canto dos pássaros. Na penumbra reinava uma umidade densa e o chão era macio como um tapete. Não se via ninguém. Por cima das copas das árvores, o céu azul. Os fuzileiros caminhavam em frente, mantendo absoluto silêncio e sem deixar para trás o mínimo espaço que não fosse explorado. Os olhos habituavam-se à penumbra, mas este lento avanço na selva, úmida, com todos os sentidos despertos, era uma dura prova para nervos ocidentais. Qualquer estalido fazia apoiar o dedo no gatilho. Em determinado momento, o pelotão da frente deteve-se: ouvia-se qualquer coisa semelhante ao sussurro de um rio. Efetivamente, a selva tornou-se menos cerrada e, pouco depois, apareceu o rio, bastante largo, claro, pouco profundo. O sol penetrava por entre as árvores e iluminava a água que deslizava enquadrada numa decoração magnífica, algo teatral. Os homens olhavam este espetáculo com desconfiança. Os primeiros entraram na água, enquanto os outros tomavam posições para os cobrir com o seu fogo em caso de necessidade. Depois, voltaram a pôr-se em fila indiana e o avanço prosseguiu.
Um pouco mais tarde, a selva tornou a clarear. Viam-se árvores destroçadas pelo recente bombardeio norte-americano. As colunas suspenderam a marcha. No meio do arvoredo distinguiam-se, a menos de 100 metros, cabanas feitas com tábuas. Algumas estavam caídas por terra e as intactas tinham aspecto de muita pobreza. A sua pobreza destoava no centro daquela luxuriante vegetação. Os fuzileiros avançaram como serpentes. Não havia vivalma nas barracas nem nos arredores. Era um acampamento japonês. A maior parte das construções estava mobiliada com mesas muito compridas, cheias de restos de comida precipitadamente abandonada em travessas e pratos de ferro em desordem, arroz, peixe seco, pequenas garrafas. Um perfume estranho flutuava ali. Ficou um destacamento americano para ocupar o acampamento. Ao meio-dia, os homens que avançavam na selva ouviram aviões; pelo ruído perceberam que eram aparelhos japoneses voando a grande altura. Uns segundos mais tarde apareceram pequenas nuvens negras à volta dos aviões e os fuzileiros ouviram a bateria antiaérea dos navios americanos. O troar dos canhões chegava muito fraco e os fuzileiros tinham a impressão de que os navios estavam muito longe, separados deles por uma espessura de selva intransponível. Tudo acontecia fora do seu campo visual; nada sabiam, nada compreendiam.
Descobriram outro acampamento muito maior do que o primeiro, mas seriamente destruído pelo bombardeio. Grupos inteiros de árvores estavam despedaçados e as barracas derrubadas. Ao centro, numa construção que fora respeitada pelas bombas, os marines encontraram uniformes brancos de oficiais, gorros e sabres. Era a sede do quartel-general japonês. Mais longe, aquartelamentos, cozinhas, um armazém cheio de arroz, outro de manutenção com todos os gêneros de artigos, incluindo cerveja japonesa saquê, cigarros e açúcar cristalizado. Nem mortos, nem vivos em lado algum. A exploração daqueles acampamentos desertos, de onde toda a vida parecia haver-se retirado bruscamente, não era menos impressionante do que o avanço na selva. Os fuzileiros experimentaram certo alívio quando uma patrulha assinalou a presença provável do inimigo, não muito distante deste segundo acampamento. Mas no local previsto, os americanos encontraram, sob as árvores uns cinqüenta homens, quase nus, sem armas, encolhidos e tremendo de medo. Aqueles "inimigos", não opuseram qualquer resistência e explicaram o melhor que lhes foi possível, serem trabalhadores coreanos requisitados pelos japoneses e tratados como escravos. Acrescentaram que os japoneses tinham se retirado nessa manhã, na direção das colinas. Os fuzileiros, com efeito, progrediram na selva de Guadalcanal até à noite sem encontrar um só japonês. As munições e as provisões desembarcadas pelos transportes amontoavam-se enquanto isto nas praias.
A selva acorda durante a noite: assim o exige a sua lei e os fuzileiros temiam passar a noite em claro. Na realidade a luta principiou de maneira inesperada, com toques de assobio. A um matraquear de metralhadora respondia outro. Disparava-se na direção de onde provinha a descarga. Um minuto mais tarde, as balas vinham de uma direção completamente diferente. E sempre com o concerto de assobios. Alguns dos que assobiavam deviam estar pendurados no alto das árvores. Às vezes, ouvia-se cair um ferido, fazendo estalar os ramos e produzindo um ruído surdo, ao chocar-se contra o solo. Outros daqueles tocaias não assobiavam: eram as suas balas que subitamente se cravavam no solo ou nas costas de alguém. O inimigo invisível estava em toda a parte. Mal decorrida uma hora, já alguns homens se encontravam totalmente desorientados e eram incapazes de dizer por que lado tinham entrado naquela ratoeira úmida.
Nas Ilhas Gavutu e Tulagi, onde na véspera os americanos haviam desembarcado, também os japoneses apareceram gritando, saindo das tocas onde estavam escondidos, armados com metralhadoras: granadas e punhais. Os raiders os esperavam e disparavam de muito perto. Os japoneses que não caíam logo, continuavam a avançar e combatiam até à morte, mesmo a dentada, se fosse possível. Lutava-se selvagemente, corpo a corpo. Nenhum ataque japonês terminou antes de todos os atacantes serem aniquilados. Aos ataques ululantes sucederam os ataques silenciosos. Tudo se calara: os americanos esforçavam-se por perscrutar a densa escuridão - e, principalmente, escutavam. O menor ruído causava-lhes uma tensão nervosa intolerável. De repente, a alguns metros apenas, jorravam luzes e saltavam sombras que se agarravam aos fuzileiros com raiva silenciosa, tão demoníaca como os seus gritos. Entre os tiros e os estouros das granadas ouviam-se respirações ofegantes e estalidos de ossos esmagados a coronhada.
A bordo das pequenas embarcações que patrulhavam perto de terra, os fuzileiros, receando matar os seus próprios companheiros, não se atreviam a disparar tiros de canhão sobre aquela refrega travada na escuridão da noite. Por fim, ao aproximar-se o dia, a selva emudeceu. Os japoneses tinham-se retirado para os seus esconderijos, sem se saber exatamente quando. Os seus mortos e os mortos americanos jaziam misturados. Depois de sepultar os cadáveres, os fuzileiros tornaram a formar as suas linhas, restabeleceram as comunicações cortadas e passaram de novo ao ataque. Um capitão chamado Torgerson descobriu um processo de destruir as tocas japonesas. Protegido por atiradores escolhidos, conseguiu lançar pelas aberturas, em vez de granadas, tábuas com cargas de TNT providas de mechas suficientemente curtas para que os japoneses não tivessem tempo de as devolver pelo mesmo caminho.
Como uma das mechas ficou pequena demais, a carga explodiu pertíssimo de Torgerson, que viu as roupas feitas em pedaços, escapando, porém, à morte. Graças à sua idéia, mais de cinqüenta tocas se desmoronaram sobre os seus ocupantes. As 10h da noite, Tulagi e Gavutu estavam completamente conquistadas pelos fuzileiros e apenas alguns japoneses isolados disparavam aqui e além.Em Guadalcanal, os americanos, depois de repelirem os ataques noturnos dos japoneses, retomaram o avanço na direção da planície, continuando um batalhão pela margem do rio e penetrando o outro no interior da selva. Este último chegou, ao meio-dia, à vista do aeródromo que já fora, em parte, utilizado pelo inimigo.Às 4h da tarde, as tropas americanas o ocuparam inteiramente. Este aeródromo passou a chamar-se Henderson Field, nome de um comandante de esquadrilha vitimado em Midway.Nas primeiras horas da tarde de 8 de agosto, quarenta bombardeiros bimotores japoneses, escoltados por caças, voaram sobre Guadalcanal, e atacaram a baixa altura, sofrendo graves perdas. Os navios de transporte tinham-se afastado da costa e manobravam sob o bombardeio. Um foi afundado, outro incendiado.
No desembarque de Guadalcanal, os americanos perderam também um navio transporte e vinte e dois aviões. O comando norte-americano entendeu que as perdas em vidas humanas foram menores do que se receava. "Apesar das grandes baixas sofridas pelo inimigo" - escreveu o Almirante King - "devemos esperar novas operações contra os nossos navios, quer com barcos de superfície quer com aviões procedentes da Ilha de Santa Isabel. Naquele ponto crítico, os nossos aviões retiraram-se para se reabastecerem de combustível. Vimo-nos obrigados a afastar os nossos porta-aviões ainda por duas outras razões: os japoneses darem provas de um grande poderio aéreo e suspeitarmos de presença de submarinos inimigos naquelas paragens". Foi o Almirante Fletcher quem deu ordem aos porta-aviões para se fazerem ao mar com as suas escoltas (6 cruzadores e 16 destróieres). À meia-noite, Turner, chefe da força-tarefa TARE (força anfíbia), realizou a bordo de um transporte uma conferência militar, a que assistiram o almirante inglês Crutchley e o General Vandegrift, comandante dos fuzileiros. Pelo pouco que transpirou desta conferência pode supor-se que Fletcher não foi, positivamente, cumulado de amabilidades. Sabia-se que uma força naval japonesa largara de Rabaul e se dirigia a Guadalcanal. Turner abriu a sessão dizendo que, com a retirada dos porta-aviões, a força anfíbia aliada se encontrava perigosamente exposta aos ataques aéreos, pelo que se via forçado a retirar também todos os outros barcos. Vandegrift protestou: as quantidades de material de guerra e provisões desembarcadas eram ainda insuficientes, pelo que considerava uma loucura fazer regressar os transportes assim, com metade das cargas, depois de as terem trazido de tão longe.
Enquanto se realizava a conferência, a anunciada esquadra japonesa chegou a Guadalcanal, com a antecipação sobre o horário previsto. O céu estava coberto de nuvens, a noite, escura. Uma só palavra caracteriza em relação aos dois lados, este encontro noturno nas costas da Ilha de Savo: surpresa. O lacônico relatório do Almirante King dá a entendê-lo honestamente: "Cerca de 45min da madrugada, um grupo de cruzadores e contratorpedeiros inimigos (seis cruzadores escoltados) penetrou na região sem ser descoberto e, ajudado por foguetes lançados dos aviões, atacou os nossos grupos de proteção com tiros de canhão e torpedos. Sob o efeito da surpresa em virtude da eficácia do fogo japonês - que em alguns minutos infligiu graves estragos aos nossos navios - só pudemos responder debilmente ao fogo inimigo".
Quatro cruzadores afundados, um cruzador e dois destróieres gravemente avariados. "É preciso reconhecer o fato" - declarou Crutchley - "de que, dispondo de uma força adequada para repelir um ataque de superfície, esta força foi destruída mal o ataque se produziu". Afortunadamente, os japoneses afastaram-se sem atacar os transportes. Haviam calculado, segundo disseram mais tarde, que na manhã seguinte se encontrariam sem proteção aérea, dentro do raio de ação dos aviões americanos. Ignoravam que os porta-aviões tinham partido...
Os porta-aviões de Fletcher largaram na noite do dia 8. A 9, a meio da tarde, os cruzadores sobreviventes da Batalha da Ilha de Savo e os transportes, só metade ou numa quarta parte descarregados, retiraram-se por sua vez. Não ficou um só navio americano em Guadalcanal. A marinha debandava depois de ter perdido quatro cruzadores, deixando os fuzileiros navais com um material insuficiente (uns quantos carros de combate, algumas peças antiaéreas, poucas munições e quase sem víveres, diante de uma selva insalubre e desconhecida, em que se escondia o inimigo). A "necessidade militar de afastar a frota de Guadalcanal nem sequer passou pela cabeça dos nossos fuzileiros", escreveu um historiador oficial. Os chefes, que, em vez de arriscarem os porta-aviões, acharam preferível arriscar a existência dos contingentes desembarcados (talvez cedo demais) em Guadalcanal, não puderam admirar-se ao tomar conhecimento de que este abandono repercutiu pessimamente entre seus homens. Nos primeiros dias, os soldados pensaram, de boa-fé, que lhes haviam deixado dez vezes mais alimento do que lhes era necessário: não comiam. A tensão nervosa provocada pela guerra na selva tirava-lhes o apetite. Os oficiais viram-se obrigados a suplicar-lhes que comessem.
Os japoneses, agrupados na parte oeste de Guadalcanal, tinham-se reorganizado. Lançavam todas as noites ataques com fracos efetivos, mas tão encarniçados como os primeiros. Todas as noites vinham reabastecê-los cruzadores e destróieres; em seguida, estes navios bombardeavam o setor ocupado pelos fuzileiros. Os americanos enfiaram-se em buracos, com o rosto colado ao chão. Os ramos dos coqueiros voavam feitos em pedaços; a terra tremia e ressoava como um gongo; as granadas iluminavam o negro do céu. Japoneses encarapitados nas árvores, indiferentes ao perigo de serem mortos pela sua própria artilharia, trocavam entre si assobios e disparavam durante toda a noite. Decorreu uma semana de escaramuças e cada noite voltava a trazer o bombardeio e as acometidas daqueles inimigos a quem os americanos chamavam "os atiradores de assobio". Qualquer conjunto de miseráveis choças se transformava num objetivo tático. O ataque e a defesa eram identicamente ferozes. Os americanos de Guadalcanal chegaram ao ponto de detestar os japoneses muito além do que é possível imaginar. Os nipônicos, mesmo feridos, faziam explodir as suas granadas e iam pelos ares juntamente com os que vinham capturá-los.
Depois de um violento encontro aeronaval, em 24 de agosto, a sudeste de Guadalcanal, o Almirante King relata, em lacônico estilo militar: "Nenhuma ação de importância se desenrolou no Sudoeste do Pacifico durante cerca de seis semanas. Os submarinos e os aviões japoneses continuavam muito ativos naquela região e houve um certo número de encontros secundários, durante os quais perdemos o porta-aviões Wasp e cinco destróieres. Quase todas as noites, navios japoneses atacavam Guadalcanal. Os nossos homens acabaram por chamar aos navios que tomavam parte neste ataque regular, o 'Expresso de Tóquio'. Dia e noite, aviões inimigos bombardeavam as posições ocupadas pela infantaria da marinha".O "Expresso de Tóquio" trazia também tropas e material para os japoneses. De dia, estes navios escondiam-se da aviação americana permanecendo agarrados à costa, sob a folhagem da selva; de noite, iam desembarcar os seus carregamentos no Cabo Esperança, ao norte de Guadalcanal; avançavam até às proximidades do aeródromo, disparavam os seus canhões e logo voltavam a partir, a toda a velocidade.
Nas noites em que, por acaso, não vinha o "Expresso de Tóquio", um submarino isolado subia à superfície e bombardeava o setor americano, submergindo em seguida. Os soldados chamavam ao submarino "o Chato Oscar" e não o tomavam a sério; mas sofriam muito com as insônias que ele provocava. Quando o bombardeio era feito pelo "Expresso de Tóquio" (composto geralmente por alguns destróieres e um ou dois cruzadores ligeiros) contavam o número de detonações dos canhões, esperando depois as explosões correspondentes. As granadas explodiam vinte e cinco ou trinta segundos depois do tiro. Eram conhecidas pelo ruído do seu calibre e pela direção. Uma de grosso calibre era como o vento soprando entre os coqueiros; se este vento se transformava no barulho de um pneu esvaziando, então a morte andava próxima. Nada era mais temido pelos fuzileiros como estes bombardeios noturnos. "Ninguém pode habituar-se a eles, por mais que se repitam". Ao cabo de sete ou oito semanas, havia, entre os hospitalizados, tantos feridos como doentes dos nervos.
Apesar de tudo, os aviadores atacavam constantemente o "Expresso de Tóquio". Um navio japonês de 20.000 toneladas, cheio de tropas, foi incendiado e a formação, que naquele dia se dirigia para Guadalcanal, deu meia volta e mudou de rumo. Em 12 de dezembro, ao anoitecer, começou um bombardeio que durou toda a noite. Ao terminar, já de manhã, os soldados ergueram lentamente os rostos cobertos de lama e olharam uns para os outros; depois, endireitaram-se e principiaram a sair dos seus buracos. Novas explosões fizeram então voar a terra em seu redor. Os japoneses tinham lançado granadas de explosão retardada; estes projéteis só explodiam onze horas depois de ter tocado no solo. Durante todo o dia 13, os nervos dos americanos estiveram tensos graças àquele ardil. O bombardeio recomeçou ao anoitecer e, à meia-noite, as tropas japonesas atacaram. Repelidos nos dois flancos, os atacantes fizeram, porém, ceder o centro da linha dos norte-americanos, à volta da crista de Lunga. Um pequeno grupo de japoneses chegou até ao posto de comando do General Vandegrift e matou um sargento na sua tenda de campanha. Lutava-se nas trevas à arma branca e com granadas de mão. Se a frente não cedeu, isso se deveu à intervenção da artilharia de campanha, que deteve uma segunda vaga de japoneses, matando mais de 500.
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