A cólera dos integrados.
"À segunda parece que já não pegou. Há uns meses, ainda se conseguiu recrutar o furacão Katrina para as hostes do anti-capitalismo. Com as centenas de rapazes que, em muitas cidades francesas, se divertiram umas semanas a incendiar automóveis e escolas, foi mais difícil. Ao princípio, falou-se sem pudor do levantamento de uma “população” inteira de “imigrantes”, “desempregados” e “excluídos”, reclamando mais “integração”, isto é, mais Estado Social. Quem se deu ao trabalho de ler os jornais, já percebeu o lôgro desta sociologia manhosa. Os desordeiros não são a “população”, mas única e exclusivamente rapazes. Não são desempregados, mas menores em idade escolar, entre os 12 e os 18 anos. Também não são imigrantes, mas sobretudo filhos ou netos de antigos imigrantes. O problema deles não é a exclusão, mas a inclusão. O Estado Social (em França como noutros países) integrou-os, meteu-os na escola, deu-lhes casas e subsídios, mas não lhes incutiu a disciplina que as famílias tradicionais lhes davam, nem o sentido de pertença do antigo patriotismo, nem a vida com objectivos proporcionada pelos empregos numa economia dinâmica. À noite, andam na rua, sem nada para fazer. Em todos os países e em todos os tempos, bandos de rapazes nessas circunstâncias arranjaram sempre problemas.
De resto, o que aconteceu este mês parece que já é normal todos os fins de semana desde há muitos anos. Porquê, neste caso, tanta comoção? Estamos em França. E em França, como disse Raymond Aron a propósito do Maio de 1968, a história repete-se. Nestas últimas semanas, muita gente acreditou nisso, invocando as correrias de estudantes em frente da polícia em 1968. Ora, como Aron explicou no seu livro La Révolution Introuvable, o Maio de 1968, apesar das impressões românticas de alguns, consistiu, politicamente, na luta da sucessão entre De Gaulle e Pompidou. Os estudantes serviram para as cliques governamentais criarem uma situação de crise em que se pudessem comprometer umas às outras. Escreva-se Chirac em vez de De Gaulle, e Sarkozy em vez de Pompidou, e talvez se pudesse reimpriir a análise de Aron como actual. Esta é a revolta de Sarkozy, o filho de imigrantes que Chirac quer deserdar a favor de Villepin. Esta é a revolta que ele quis usar, e a revolta que quiseram usar contra ele. Desde o século XIX que a política francesa funciona assim, através de conspirações de gabinete apimentadas com barricadas.
Que lições tirar do que é, no fundo, mais uma crise dinástica do velho gaullismo? Em França, as elites políticas, apesar dos défices, do desemprego e do fracasso do projecto europeu, continuam suficientemente seguras de si para se permitirem cenas de rua. Tal como Tony Blair, parecem tentadas a arranjar autoridade explorando a questão da ordem pública. Como não têm um Iraque e a decorrente ameaça islâmica, invocam os “banlieues”. Curiosamente, estão a ter mais sucesso do que o primeiro-ministro inglês: enquanto os 50 mortos de Londres não serviram a Blair para alargar o prazo de prisão preventiva até 90 dias, umas centenas de carros incendiados chegaram para impôr à França um estado de sítio colonial. É que se os “fundamentalistas” matam mais gente, jovens “imigrantes” pirómanos metem mais medo às classes médias. Se tudo correr bem, dentro de uns anos, o herdeiro do Presidente Sarkozy há-de voltar a contar com a mocidade dos “banlieues” para fazer valer os seus direitos à sucessão. Porque até nos jogos políticos do topo, esses pobres rapazes foram, sem o saber, plenamente integrados. "
Rui Ramos
De resto, o que aconteceu este mês parece que já é normal todos os fins de semana desde há muitos anos. Porquê, neste caso, tanta comoção? Estamos em França. E em França, como disse Raymond Aron a propósito do Maio de 1968, a história repete-se. Nestas últimas semanas, muita gente acreditou nisso, invocando as correrias de estudantes em frente da polícia em 1968. Ora, como Aron explicou no seu livro La Révolution Introuvable, o Maio de 1968, apesar das impressões românticas de alguns, consistiu, politicamente, na luta da sucessão entre De Gaulle e Pompidou. Os estudantes serviram para as cliques governamentais criarem uma situação de crise em que se pudessem comprometer umas às outras. Escreva-se Chirac em vez de De Gaulle, e Sarkozy em vez de Pompidou, e talvez se pudesse reimpriir a análise de Aron como actual. Esta é a revolta de Sarkozy, o filho de imigrantes que Chirac quer deserdar a favor de Villepin. Esta é a revolta que ele quis usar, e a revolta que quiseram usar contra ele. Desde o século XIX que a política francesa funciona assim, através de conspirações de gabinete apimentadas com barricadas.
Que lições tirar do que é, no fundo, mais uma crise dinástica do velho gaullismo? Em França, as elites políticas, apesar dos défices, do desemprego e do fracasso do projecto europeu, continuam suficientemente seguras de si para se permitirem cenas de rua. Tal como Tony Blair, parecem tentadas a arranjar autoridade explorando a questão da ordem pública. Como não têm um Iraque e a decorrente ameaça islâmica, invocam os “banlieues”. Curiosamente, estão a ter mais sucesso do que o primeiro-ministro inglês: enquanto os 50 mortos de Londres não serviram a Blair para alargar o prazo de prisão preventiva até 90 dias, umas centenas de carros incendiados chegaram para impôr à França um estado de sítio colonial. É que se os “fundamentalistas” matam mais gente, jovens “imigrantes” pirómanos metem mais medo às classes médias. Se tudo correr bem, dentro de uns anos, o herdeiro do Presidente Sarkozy há-de voltar a contar com a mocidade dos “banlieues” para fazer valer os seus direitos à sucessão. Porque até nos jogos políticos do topo, esses pobres rapazes foram, sem o saber, plenamente integrados. "
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