A ilusão sociológica.
"Para muitos, a violência nos subúrbios franceses demonstra o fracasso do modelo francês de integração de imigrantes. Parece-me que existem vários problemas com este argumento. O primeiro é a tentação de se afirmar a superioridade de outros modelos europeus de integração. Esta conclusão seria falsa. Embora não se tenha verificado uma situação semelhante noutros países europeus, a verdade é que estes também enfrentam problemas complicados. O imigrante de origem marroquina que assassinou o realizador de cinema, Van Gogh, tinha nacionalidade holandesa. Os autores dos atentados de 7 de Julho em Londres nasceram na Grã-Bretanha. Muitos dos participantes nos atentados de Madrid, em Março de 2004, gozavam de cidadania espanhola. Ou seja, por um lado, estamos perante um problema comum aos países europeus com comunidades imigrantes numerosas. Por outro lado, nenhum “modelo de integração” resolveu com sucesso os problemas existentes. Não se julgue que a França solucionará o problema adoptando medidas de outros países e abandonando o seu “modelo”. Este argumento é responsável por um segundo problema: a convicção de que existe um “modelo de integração” capaz de acabar com este tipo de problemas. Esta ideia já levou mesmo alguns a defenderem a criação de “uma política europeia de integração de imigrantes”.
Mais uma vez, encontramos a ilusão sociológica, tão forte nas sociedades europeias: a ilusão de que, no essencial, as questões sociais são idênticas às questões naturais e, por isso, tal como a biologia e a medicina resolvem os problemas de saúde a sociologia solucionaria os problemas sociais. Infelizmente, as coisas são um pouco mais complicadas. É um erro acreditar na possibilidade de se criar um “modelo de integração” que evite conflitos como os de França. Se mudarmos de perspectiva e aceitarmos a regra da inevitabilidade dos conflitos, percebemos que estamos perante um problema político, e é no plano político que terá que ser resolvido.
Antes de mais, é preciso entender igualmente a natureza política dos protestos e da violência. Os imigrantes de primeira geração estavam certamente muito menos integrados na sociedade francesa do que o seus filhos. No entanto, estes conflitos não aconteceram nas décadas de 1960 e de 1970; e não ocorreram precisamente porque aquela geração de imigrantes não estava integrada. Os comportamentos destas duas semanas correspondem, de certo modo, a padrões históricos franceses e europeus. O radicalismo ideológico, o niilismo moral, o ódio ao “Ocidente”, a violência nas ruas contra a autoridade, tudo isto teve origem na Europa durante os séculos XIX e XX. Além disso, nos últimos anos, estes jovens ouviram de intelectuais, da comunicação social e mesmo de responsáveis políticos franceses críticas duras ao “neo-liberalismo”, ao “capitalismo”, ao “poder” e assistiram a estratégias e discursos políticos de oposição a tudo: aos Estados Unidos, à Europa, à globalização.
Chegamos assim ao terceiro problema: a integração social e cultural não tem só efeitos positivos, também tem efeitos negativos. Ao contrário do que se diz, na sua contestação permanente à autoridade, estes jovens tornaram-se demasiado “franceses”. É por isso que, em grande medida, este problema exige uma redefinição do sistema político francês e uma transformação da cultura política do país. E é muito mais grave e sério do que dão a entender as “análises sociológicas”.
João Marques de Almeida
Mais uma vez, encontramos a ilusão sociológica, tão forte nas sociedades europeias: a ilusão de que, no essencial, as questões sociais são idênticas às questões naturais e, por isso, tal como a biologia e a medicina resolvem os problemas de saúde a sociologia solucionaria os problemas sociais. Infelizmente, as coisas são um pouco mais complicadas. É um erro acreditar na possibilidade de se criar um “modelo de integração” que evite conflitos como os de França. Se mudarmos de perspectiva e aceitarmos a regra da inevitabilidade dos conflitos, percebemos que estamos perante um problema político, e é no plano político que terá que ser resolvido.
Antes de mais, é preciso entender igualmente a natureza política dos protestos e da violência. Os imigrantes de primeira geração estavam certamente muito menos integrados na sociedade francesa do que o seus filhos. No entanto, estes conflitos não aconteceram nas décadas de 1960 e de 1970; e não ocorreram precisamente porque aquela geração de imigrantes não estava integrada. Os comportamentos destas duas semanas correspondem, de certo modo, a padrões históricos franceses e europeus. O radicalismo ideológico, o niilismo moral, o ódio ao “Ocidente”, a violência nas ruas contra a autoridade, tudo isto teve origem na Europa durante os séculos XIX e XX. Além disso, nos últimos anos, estes jovens ouviram de intelectuais, da comunicação social e mesmo de responsáveis políticos franceses críticas duras ao “neo-liberalismo”, ao “capitalismo”, ao “poder” e assistiram a estratégias e discursos políticos de oposição a tudo: aos Estados Unidos, à Europa, à globalização.
Chegamos assim ao terceiro problema: a integração social e cultural não tem só efeitos positivos, também tem efeitos negativos. Ao contrário do que se diz, na sua contestação permanente à autoridade, estes jovens tornaram-se demasiado “franceses”. É por isso que, em grande medida, este problema exige uma redefinição do sistema político francês e uma transformação da cultura política do país. E é muito mais grave e sério do que dão a entender as “análises sociológicas”.
João Marques de Almeida
6 Comments:
Bom artigo. A tese parece correcta. O que se passa nos vários países europeus importadores, ou aliciadores, de gentes estranhas, principalmente depois das descolonizações, é que as segundas gerações estão perfeitamente integradas e portam-se conforme as sociedades onde vivem. Por isso, vai-se assistir, e já se está assistir,ao comportamento dos imigrantes de acordo com o sentido identitário e cultural dessas sociedades. A França foi sempre uma contestatária de rua, violenta. Outras serão mais brandas. Não custa admitir que a todas chegará, conforme o tipo, quantidade e qualidade da imigração.
A essência de rua é totalmente desconhecida para os teóricos do sistema. A radicalização dos confrontos começou nos US e com o episódio rodney king estendeu-se a 9 cidades tendo sido chamada a guarda nacional. O primeiro problema que vai gerar um movimento neo nazi e anarquista é o da luta contra o trabalho infantil e totalmente idiota porque os jogadores de futebol, ou atistas de tv ou cinema por ex não têm trabalho infantil; o trabalho infantil é só para os filhos dos operários e estes raramente completam o 5º ano de escolaridade, no cenário português, no françês ainda deve ser pior. Os jovens que ali estiveram vão falar 2 línguas, estudar matemática, física, geografia, história, tocar pífaro ??? Devem estar com ilusões porque eles vão controlar as ruas onde pintam graffitis, onde se drogam, onde roubam, onde lançam cocktails. Muitos já nas cadeias e estes estabelecimentos estão cheios de miúdos com menos de 25 anos, tiram então a formação profissional que lhes foi negada entre os 10 e os 16 anos de idade. Depois ainda é preciso que alguém lhes dê emprego e muitos não dão emprego a pretos e árabes ou têm dúvidas. As considerações teóricas de que estes indivíduos fazem o maio 1968 actual são no mínimo ignorantes.
Continuo a achar que ao limitarmos este problema aos imigrantes ou aos seus descendentes estamos claramente a querer tapar o sol com a peneira. Vejam a vossa juventude e percebam que neste momento a anarquia é branca, preta, cigana, brasileira, portuguesa...O problema é que sem justiça adequada a esta faixa etária termos as escolas a servirem, inutilmente, de tampão a este processo de "vale tudo". A culpa, como sempre, é da sociedade(nós todos). Em Portugal toda a gente questiona e diz mal de tudo, os jovens, porque são jovens, põe em causa os limites.
Bom artigo!??? Não me lixem, isto faz-me é lembrar aquele paternalismo socialista, ao estilo Ana Drago do BE "coitadinhos dos pretinhos do arrastão em Carcavelos que estavam a fugir da polícia, não estavam nada a roubar"...Francamente, comparar estes movimentos aos nacionalistas do sec. XIX ou ao Maio de 68 é ridículo. Porventura têm algum programa político? Um manifesto? Alguma reivindicação? Além, claro, de acharem que têm direitos sem necessariamente estarem dispostos a cumprir os correspondentes deveres. Defendi muitos destes exemplares aquando das "oficiosas" no estágio de advocacia e sei do que estou a falar.
É um facto que a pobreza no mundo, já provocou males consideráveis no mundo mais desenvolvido, e ainda vai continuar a provocá-los se não fôr atacada a causa!Porque até agora têm sido colmatadas e maquilhadas as consequências!As causas são a extrema desigualdade que existe nos países menos desenvolvidos e a consequente fuga, num acto de desespero e sobrevivência,dessas populações para países que lhes garantam um mínimo de bem-estar mesmo em condições que nós consideramos de quase sub-humanos!A solução passa por uma ajuda em força e coordenada pelas Nações Unidas,aos países mais pobres, incutindo se necessário pela imposição de sanções,que os seus governantes adoptem uma política de boa gestão dos seus recursos!Irradicar a pobreza é o caminho a seguir!
Está EXCELENTE este artigo!!
Enviar um comentário
<< Home