Mário Soares está desfasado da realidade

"CM – Quando esteve no Governo falava-se muito no novo homem português. O que mudou nos portugueses para terem voltado ao que eram antes?

Cavaco Silva – Durante o meu tempo de primeiro-ministro ganhei a forte convicção de que Portugal tinha encontrado um caminho de aproximação em relação aos níveis de desenvolvimento da Espanha. E quando, ao fim de dez anos, saí do Governo, convenci-me de que a alternância ocorreu com toda a normalidade e de que Portugal ia continuar Depois, tive algumas desilusões e, como hoje se sabe e está publicado, o que aconteceu foi um falhanço na interpretação de uma nova realidade com que Portugal se confrontou na segunda década dos anos 90, que foi a adesão à moeda única, que impõe determinadas regras. Há uma publicação muito conhecida, que se chama ‘Portugal depois do boom’, feita pela União Europeia, que explica tudo isso: Portugal não entendeu que estar dentro da moeda única impunha determinadas regras. A Espanha percebeu e, como percebeu, resolveu todo o problema orçamental. Em 1995, as despesas correntes sem juros de Portugal eram iguais às da Espanha e da Irlanda em comparação com o PIB. E eram muito inferiores à média da União Europeia. Em 2001, Portugal estava quatro pontos acima da Espanha, oito pontos acima da Irlanda e estava igual à média da União Europeia. Há regras de disciplina orçamental que não foram cumpridas

– Rejeita então liminarmente a paternidade do ‘monstro’ [ndr: do défice]?

– As pessoas que dizem isso não sabem nada de finanças.

– Quem o disse foi o dr. Cadilhe, que o senhor teve em grande conta

– Ah! Mas isso são ressentimentos. E eu não gosto de comentar a acção dos que comigo colaboraram. O melhor é ir aos relatórios internacionais, que não estão influenciados por questões de política interna.

– Em relação ao novo homem português

– Começaram a apoderar-se dos portugueses o desânimo, a descrença, o pessimismo, a falta de auto-estima. E estamos um pouco nessa fase. Houve uma altura em que havia espírito vencedor. Lembra-se de quando o Carlos Queiroz e os seus jovens foram campeões do Mundo? Eu dizia-lhe: a gente agora vai lá para fora e vê que somos tão bons como os outros. Mas eu tenho uma grande esperança nos jovens portugueses. O que é preciso é recuperar, para transmitirmos o testemunho a estes jovens em melhor posição.

Não teme que, se não ganhar à primeira volta, possa perder com a Esquerda unida, como sucedeu a Freitas do Amaral em 1986?

– Não sou capaz de dizer. Mas alguns candidatos não perceberam que o mundo mudou muito nos últimos 15 anos. E Portugal também. O Portugal de hoje é muito diferente do que era há dez ou 15 anos. E mesmo quando tentam fazer essa dicotomia estéril entre direita e esquerda não estão a perceber as complexidades do mundo. O mundo moderno é muito complexo, a realidade não se enquadra nessa dicotomia. Depois, o povo português sabe que eu sou um social-democrata desde a primeira hora, que não sou um daqueles que diz hoje uma coisa e amanhã outra. E por isso é que tenho condições para criar confiança. Só criam confiança aqueles que são coerentes na palavra. Ontem [ndr: terça--feira] vimos: durante uma hora, o dr. Mário Soares não foi capaz de dizer uma única vez como é que ia ajudar a resolver os problemas nacionais. Por mais que lhe perguntasse por uma ideia, não foi capaz. O que demonstra que está totalmente desfasado da realidade nacional e internacional. Fiquei surpreendidíssimo. Como é possível que durante uma hora, repito, uma hora, não seja capaz de dizer uma única ideia de como exerceria a magistratura da presidência. Fiquei atónito. Não imaginava. "

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