quinta-feira, janeiro 26, 2006

Amadora a ferro e fogo

"Cova da Moura, Santa Filomena, 6 de Maio. Estes são nomes de bairros que aterrorizam quem vive ou trabalha na zona da Amadora. A criminalidade no concelho da Amadora está a tomar proporções alarmantes. Bairros como os da Cova da Moura, 6 de Maio e Santa Filomena albergam criminosos às centenas que aterrorizam a população com assaltos, por vezes praticados com violência e até com o assassinato das vítimas.
As zonas circundantes aos bairros estão a saque. São assaltos à mão armada em estabelecimentos comerciais, são telemóveis e outros artigos pessoais levados por jovens que desaparecem nas ruas afuniladas dos bairros, são carros roubados para a realização de outros crimes ou apenas por diversão e são pessoas assassinadas por meia dúzia de tostões. As vítimas são indiferenciadas – comerciantes, transeuntes e automobilistas, ninguém está a salvo.

É de salientar que dos quatro agentes da PSP assassinados em 2005, três foram na Amadora. A escalada da criminalidade no concelho tem sido de tal forma grande que o presidente da autarquia, Joaquim Raposo, reclama a tomada de medidas para se combater este flagelo.

O Bairro da Cova da Moura é o que mais títulos tem proporcionado à Imprensa. No entanto, o Bairro de Santa Filomena está a tornar-se num rival à altura ao nível da criminalidade. José Freire, de 46 anos, teve há cerca de seis meses uma visita inesperada de cinco filhos do bairro. Este pedreiro de raça africana conta que estava a dormir quando cinco homens encapuzados, armados com pistolas e caçadeiras, entraram em sua casa. “Acordaram-me e ameaçaram-me com as armas. Depois roubaram-me o dinheiro, o telemóvel e a aparelhagem. Não lhes vi as caras mas acho que fui assaltado por putos que criei aqui.”

Uma senhora de raça negra, que preferiu manter o anonimato, disse que a sua casa nunca foi assaltada, mas que tem havido muitos assaltos no bairro. “Eles tiram as telhas e entram nas casas pelo telhado. Temos medo porque não é só um grupo, são muitos grupos, são muitos e à noite aparecem com carros roubados a fazer ‘rali’ nas ruas do bairro. Fazem muito barulho e vão contra as paredes das casas”, diz aquela moradora de 54 anos.

No Bairro de Santa Filomena e zona circundante respira-se um ambiente de medo por parte dos moradores e comerciantes. Medo de se ser assaltado e medo de falar, pois as represálias são frequentes.

A Avenida General Humberto Delgado é um dos locais privilegiados para a prática de delitos dos jovens daquele bairro. Por sorte os comerciantes daquela via têm sido poupados, já que os meliantes preferem roubar as pessoas que passam na rua, em geral por esticão. O mesmo não acontece junto ao bairro da Cova da Moura, onde praticamente todos os estabelecimentos comerciais foram assaltados.

No Bairro do Alto da Damaia, José Cunha, de 52 anos, assiste diariamente a assaltos praticados junto à sua oficina. “Roubam as pessoas na rua, mas também furtam muitos carros”.

SETE LADRÕES ROUBARAM CRIANÇA

A Papelaria Catiel, situada em frente ao Bairro da Cova da Moura, foi alvo de um assalto caricato. Na última sexta-feira de 2005, pelas 18h45, sete indivíduos encapuzados tentaram roubar o estabelecimento. “Três entraram cá dentro e quatro ficaram à porta. Um deles apontou uma arma à minha mulher e disse: ‘Isto é um assalto’. A minha mulher reagiu e deu-lhe com insecticida nos olhos”, conta o proprietário, Joaquim Antunes.

Desorientados, os meliantes fugiram arrancando uma nota de 20 euros da mão de uma criança que queria comprar gomas. Joaquim Antunes diz que na altura devia ter no local entre sete a oito mil euros só do Euromilhões.

ESTAÇÃO É 'MINA' PARA ASSALTANTES

A estação de comboios de Santa Cruz da Damaia está cercada por alguns dos piores bairros do concelho, como a Cova da Moura, 6 de Maio, Estrela de África e a Estrada Militar do Alto da Damaia. A zona é uma verdadeira ‘mina’ para os ladrões. À saída dos comboios, nas paragens dos autocarros e um pouco por todas as ruas circundantes, roubam telemóveis, fios de ouro, malas de senhora, geralmente por esticão.

NOTAS

AGENTE IRENEU

A 17 de Fevereiro de 2005 o agente da PSP Ireneu Diniz foi morto a tiro na Cova da Moura. Luís Carlos Santos, suspeito do homicídio, foi detido a 1 de Abril

ASSASSINADOS

Os agentes da PSP Paulo Alves e António Abrantes foram assassinados na Avenida General Humberto Delgado a 20 de Março. Perto situa-se o Bairro de Santa Filomena

JUNTO ÀS NETAS

Dário Correia, de 70 anos, foi morto no dia 3 de Setembro de 2005, com três tiros, quando se encontrava com as suas duas netas. Roubaram-lhe um fio de ouro

MORTO À FACADA

A 4 de Outubro do ano passado, Carlos Pina, de 39 anos, foi morto à facada por dois assaltantes à porta do café onde trabalhava, na Cova da Moura

PRESIDENTE DA CÂMARA DEFENDE VIDEOVIGILÂNCIA

O reforço do policiamento e o recurso à videovigilância, principalmente junto às estações de comboios, são algumas das medidas que o presidente da Câmara Municipal da Amadora, Joaquim Raposo, reclama para a redução da criminalidade no concelho.

“A utilização da videovigilância é controversa porque implica a violação da privacidade como alguns defendem, mas acredito que a maioria da população é a favor, pois as pessoas querem é apanhar o comboio e não serem assaltadas”, salienta Joaquim Raposo.

Por outro lado, a Câmara Municipal tem criado programas destinados aos jovens com o objectivo de combater o insucesso e o abandono escolar. “As crianças dos 12 aos 15 anos são facilmente arrastadas para a criminalidade. Alguns abandonam a escola e queremos trazê-los de volta”, diz o presidente da edilidade.

Entretanto continua a operação de realojamento dos bairros degradados do concelho, no âmbito do Programa especial de Realojamento (PER). Há 6557 agregados familiares a necessitar de realojamento, espalhados por um total de 35 bairros. Até à data já foram resolvidas 4302 situações e 12 bairros foram completamente demolidos. Além disso, outros oito possuem apenas dez por cento ou menos da população inicial e serão em breve desactivados.

PAGOU DOCUMENTOS FURTADOS

António Aparício, de 56 anos, é há 22 anos proprietário do café O Aparício, estabelecimento situado junto ao Bairro da Cova da Moura e que já foi assaltado três vezes.

Recorda uma vez em que lhe levaram todos os documentos: “Na manhã seguinte ao assalto vieram ao café duas moças de cor e perguntei-lhes se tinham visto alguma coisa no bairro com a minha foto. Isto era umas dez e tal da manhã. Disse-lhes que só queria os documentos que não queria saber quem os tinha levado. Por volta das três da tarde apareceu um tipo de cor à frente do café, um pintas do gamanço que eu conheço pelo nome de ‘Lulu’, e trazia um miúdo branco com ele. Disse-me que o Marquito – o pequeno que trazia com ele – tinha encontrado o meu bilhete de identidade. Não perguntei nada e paguei para reaver o BI. Uns dias mais tarde apareceram com o cartão de contribuinte, depois com a carta de condução e assim fui comprando os meus documentos às prestações. Isto foi há seis anos e acabei por pagar 16 contos por tudo.


CM

Divulgue o seu blog!