sábado, fevereiro 07, 2009

7 de Fevereiro de 1964

Os Beatles "invadem" a América.

Em fevereiro de 1964 visitaram o país, participando do Ed Sullivan Show e se apresentando em dois teatros, com ingressos disputados a tapa. A imprensa declarava na época, com frases de efeito, que havia uma "invasão britânica" e concluía que os Beatles "conquistavam a América." Entre aquela chegada em fevereiro e a seguinte, em agosto, os Beatles não descansaram um minuto. Gravaram um disco e filmaram o longa-metragem "A Hard Day’s Night"; excursionaram pela Europa e Austrália e ainda acharam tempo para compor e iniciar as gravações de algumas músicas que acabariam no álbum "Beatles For Sale". No dia 18 de agosto, chegaram na costa da Califórnia com o cansaço estampados nos rostos. Apesar de toda a confiança que o empresário Brian Epstein depositava na banda, havia nervosismo e incertezas em todos. Uma coisa é tocar em alguns poucos centros, como fizeram em Nova York e Washington D. C. em fevereiro, mas varrer o país como estavam por fazer, era outra história. Os Rolling Stones tentaram o feito em junho, em menor escala, e fracassaram terrivelmente. É bom lembrar que a esta altura dos acontecimentos, os Stones já eram dados como mais populares em Londres do que os Beatles.

Na pergunta feita por George Harrison ao repórter do "Liverpool Echo", "A América tem de tudo, porque eles iriam nos querer?", pode-se perceber a incerteza na mente do grupo. A proposta certamente era assustadora. Os quatro rapazes de Liverpool teriam que se apresentar em 26 casas, quase todas estádios ou arenas, fazendo 31 shows em 27 dias. Teriam direito a um total de sete dias de descanso, o que os obrigaria a tocar mais de uma vez por dia. Mas antes desta louca maratona musical iniciar, houve um show de negociações estrelado pelo grande artista invisível ao público, Brian Epstein. Foi o seu trabalho de conseguir que a Capitol passasse a dar uma maior atenção aos Beatles e divulgasse mais "I Want To Hold Your Hand", que detonou a onda que culminaria com a chegada dos Beatles no Ed Sullivan Show. Depois desta aventura americana realizada em fevereiro, os convites eram tantos que tomaram quase cinco meses de planejamento. Se em 1964 o maior artista americano era possivelmente Bob Hope, que cobrava cerca de US$15,000 por show, a excursão dos Beatles exigia o mínimo de US$20,000, ou entre 40 a 80% da bilheteria. Nos Estados Unidos, naquele ano, a faixa etária de maior população beirava os 17 anos e os organizadores dos espetáculos sabiam que fariam dinheiro, não importasse as exigências. Difícil para alguns foi convencer os bancos a financiar o adiantamento necessário.

Entre as ofertas, Epstein deu preferência às cidades onde haviam os maiores índices de vendagem de discos dos Beatles. Uma de suas exigências na época causou espanto e irritação para muita gente. O valor teto de um ingresso teria que ser de US$5.50, assinalado em contrato. Brian objetivava garantir a presença da garotada e ao mesmo tempo não queria que uma excessiva exploração danificasse a boa imagem que o grupo conquistara. Era certo que os Beatles poderiam cobrar o dobro ou triplo deste valor nos ingressos melhores, mas Epstein, com o consentimento da banda, não permitiu. Na prática, muitas casas venderam ingressos a US$6.50, e na mão de cambistas no próprio dia dos shows havia ingressos sendo vendidos a US$15, US$25 e até US$35.

Outras exigências sem precedentes tratavam das medidas mínimas do palco em que eles iriam se apresentar, detalhes dos equipamentos que teriam que ser fornecidos e a garantia de um engenheiro de som de primeira linha para cada espetáculo. Também sob contrato, a garantia de no mínimo cem policiais uniformizados dentro do estádio ou arena durante o evento, para garantir a segurança de todos. Além disso, camarins exclusivos para os Beatles e demais artistas que se apresentariam antes deles, completos com quatro camas portáteis, espelho, geladeira de isopor, uma televisão portátil e várias toalhas limpas. Como explicaria Norman Weiss, braço direito na organização da excursão, diretamente abaixo de Epstein, "Sabíamos que uma vez dentro do local do evento, eles não poderiam se locomover livremente, tendo que se contentar em ficar presos dentro do camarim por várias horas. Todas as exigências vinham das necessidades e não de vaidade." Exclusivamente para os Beatles, haveriam duas limousines, com ar condicionado e chauffeur.

Foram contratadas, para abrirem os shows, as bandas The Righteous Brothers, Jackie Del Shannon, The Exciters e o Bill Black Combo, que abriria o set e depois serviria de banda de apoio para as demais atrações. Para viajar de um lado para o outro, foi utilizado pela primeira vez o expediente de um avião exclusivo. Foi alugado através da American Flyers, firma que mantinha contratos com o exército americano, um Lockheed Electra II com capacidade para noventa e dois passageiros, pela quantia de $75.000 dólares. Foi também contratada uma firma exclusivamente para cuidar das acomodações de toda troupe nas diversas cidades que faziam parte da excursão. Se a segurança no local das apresentações estavam garantidas sob contrato, a segurança do aeroporto até o local do evento, e para os hotéis, era outro assunto a ser lidado com precaução e estudo. Foi então contratado Ed Leffler, homem que trabalhou para a inteligência do exército americano, para negociar e planejar a segurança com as diferentes polícias de cada cidade, em cada estado.

Até o detalhe de ter ternos feitos exclusivamente para essa excursão, meia dúzia para cada Beatle, não foi esquecido. As vendas de ingressos bateram todos os recordes na história do "music business". Para se ter uma idéia, depois de garantir que seria fisicamente impossível vender todos os ingressos do Hollywood Bowl em um dia, os ingressos se esgotaram em três horas. Nunca antes acontecera nada parecido com a Beatlemania. Quando a organização dentro do Hollywood Bowl tentara negociar um segundo show, já não havia mais datas e a oferta foi recusada.


Os Beatles, com seus cabelos compridos, se tornaram, mesmo sem prever, um fator representativo entre os jovens. O cabelo comprido não é ainda uma moda mas é encarado como uma forma de protesto. Uma maneira de demonstrar descontentamento com o sistema imposto. Se em fevereiro tudo era uma "adorável jogada publicitária" para os olhos americanos, os adultos já estavam paranóicos e insatisfeitos com a ressonância carismática que os Beatles causavam a suas crianças. A igreja culpava o demônio e os direitistas culpavam os comunistas. Em suma, a América pegava fogo. As rádios anunciavam desde o início da manhã, "Hoje é o Dia B", uma alusão ao Dia D e à invasão da Normandia, ponto da virada da Segunda Guerra Mundial. Aqui, o Dia B era de Beatles mesmo.

Todas as estações entoavam músicas dos Fab Four e o aeroporto de Los Angeles foi repentinamente invadido por uma horda de jovens estimada em mil crianças, que faziam um barulho ensurdecedor após uma estação soltar no ar o local e horário de sua chegada. Depois de uma viagem de quinze horas no Boeing 707 da Pan Am, o quarteto teve uma hora para esticar as pernas, passar pela alfândega, conversar com os repórteres e estar de volta no avião rumo a San Francisco, onde estreariam no dia seguinte. No San Francisco International Airport, uma aglomeração estimada em cinco mil pessoas fervia no calor e na histeria. Muitos chegaram com até vinte e oito horas de antecedência. A segurança do aeroporto, como também a polícia local, nunca vira nada parecido e todos estavam tensos com o medo de uma possível catástrofe. Haviam outras quatro mil pessoas aguardando em frente ao Hilton Hotel, onde eles iriam se hospedar.

Quando a polícia conseguiu levar os quatro Beatles para dentro do hotel e eles já se encontravam seguros dentro do seus quartos, todos relaxaram. Anunciaram então para o povo que cercava o hotel que eles poderiam ir para suas casas pois os Beatles já estavam em seus quartos e não fariam nenhuma aparição pública. Pronto, o pandemônio se instalou, com a criançada não aceitando o fato de ter perdido a chance de ver seus ídolos. Muitos invadiram o hotel em direção aos elevadores. Em Cow Palace, no dia seguinte, enquanto o Bill Black Combo e demais atrações tentavam se apresentar para um público em coro gritando "We want the Beatles" (Nós queremos os Beatles), os rapazes estavam backstage conversando com a imprensa. Foram apresentados a Joan Baez e, mais tarde, Shirley Temple e sua filha de sete anos, Lori. Bastou eles subirem ao palco para que tudo ficasse claro, tamanha a quantidade de flashes das câmeras fotográficas. Para cada rapaz presente, havia pelo menos dez meninas, em um público pagante total de 17.130 pessoas, a maioria jogando "jellybabys" - uma bala colorida equivalente à nossa jujuba, que certa vez na Inglaterra os Beatles caíram na asneira de dizer que gostavam. As balas batiam nos rapazes e doíam. Tocaram seu set e logo após eles descerem do palco, duas limousines pretas fugiam pela saída dos fundos. Muitas crianças seguiram atrás mas os Beatles estavam na verdade presos em seus camarins, só podendo sair uma hora depois, escondidos em uma ambulância.


Completo.

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