A LUA
ANGOLA, está completamente enredada numa onda de capitalismo selvagem, sob capa de "socialismo" inexistente. A grande burguesia angolana, instaurou um sistema a que os angolanos, que são dotados de uma enorme capacidade de fazer humôr consigo próprios, chamam de "socialismo esquemático" , ou , "esquemangol".
Reproduz-se hoje, neste espaço, um texto de José Eduardo Agualusa, muito curioso, que chama a Luanda, de Lua:
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Chamam-lhe Lua
"Luanda corre. ´Ninguém sabe para onde . Não se sabe se foge, ou pelo contrário, se persegue algo - talvez o futuro? Às vezes parece correr atrás do passado. Os novos capitalistas, na sua maioria ainda muito dependentes do aparelho de saque, a que só por troça de pode chamar Estado, procuram reconstruir a única normalidade que conheceram a da sociedade colonial. Nelson Ned (...) continua a ser recebido em Luanda por um público fiel. Para ouvir Roberto Carlos ou Júlio Iglesias paga-se até 500 dolares por bilhete. Os bilhetes esgotam sempre. Os concursos de misses ocupam as primeiras páginas dos jornais. Já se organizaram concursos de misses em todos os espaços possíveis e inclusivé nalguns impossíveis, como por exemplo nas prisões. Os concursos de misses, aliás, são uma das raras actividades, vamos dizer culturais, na cidade, para além dos concertos nostalgicos com velhos cantores da década de 70, nos quais é possível encontrar o presidente josé eduardo dos santos. Júlio
Iglesias beijou lhe a mão.
Luanda corre. Nos restaurantes mais caros da capital angolana ou nos bares da Ilha, debruçados sobre um mar que, em contraste com o areal, parece assombrosamente límpido, debate-se aos gritos, às gargalhadas, o futuro do
país. Toda a gente condena o governo. Muitos dos que condenam o governo são membros do governo. Ou já foram. A oposição também não é poupada. Se houver eleições - diz-se - o MPLA volta a ganhar; e se isso não fosse algo
absolutamente certo seria melhor nem pensar em eleições.
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Luanda corre. O Jornal de Angola revela que o governo pretende avançar com a construção de 2 ilhas artificiais, em frente a Luanda, onde se situarão um conjunto de amplas áreas verdes e condomínios privados. O projecto está
avaliado em 600 milhões de dolares. Algumas vozes críticas objectaram que seria preferível aplicar esse dinheiro na construção de escola primárias e de hospitais. Ao invés de erguer 2 ilhas artificiais num país que dispõe de tanta terra, tão mal aproveitada, seria mais sensato reconstruir os nobres casarões coloniais e recuperar os velhos monumentos, como a Fortaleza de S.Miguel, o Palácio de Ferro ou a casa do escritor novecentista Alfredo Troni, todos em péssimo estado de conservação. Pouca gente escuta estas críticas. Muitos angolanos ricos estão entusiasmados com a possibilidade de construírem as suas vivendas num espaço onde se possam sentir ao mesmo
tempo protegidos e invejados, isto é, longe das mãos cobiçosas dos pobres, mas não do seu olhar.
E não existe o risco de uma revolta?
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Quem me pergunta isto é um diplomata estrangeiro. Receio que não. Muitos pobres mostram mesmo um inusitado orgulho pela opulência da burguesia predadora. "Somos ricos!", asseguram, mostrando a riqueza que lhes foi
roubada, e riem.
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O riso não faz esquecer a miséria, mas serve de sustento a quem não tem outro. (...) Luanda nunca se ajoelhou. Luanda resiste. Luanda corre. Não sei para onde. Ninguém sabe. Não sei se avança em direcção à luz, não sei
se foge.
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Os luandenses tratam a sua cidade por um diminutivo carinhoso - Lua: "E aí kota, voltaste à Lua?". Voltei. A poeira confirma-o. Nem é preciso muito para descobrir a bandeira que Armstrong aqui deixou , com as riscas e as
estrelas. Estou pois de regresso à Lua. A Lua em quarto crescente. "
1 Comments:
Muitos pobres mostram mesmo um inusitado orgulho pela opulência da burguesia predadora. "Somos ricos!", asseguram, mostrando a riqueza que lhes foi roubada, e riem.
Porque será que me faz lembrar a politica em Portugal!...
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