O papel.
"Diariamente milhares de empresas neste País continuam a ser fustigadas pelos mais delirantes atrasos e obstáculos burocráticos.
A história conta-se em poucas palavras e, por mais estranho que possa parecer, passa-se no mesmo País cujo Governo tem os olhos postos no modelo finlandês e em marcha um plano tecnológico para revitalizar a economia da nação.
Uma empresa que pretende alargar a sua actividade dirige-se à respectiva direcção-geral, a fim de proceder ao registo legalmente estipulado. Tratando-se de uma actividade em tudo similar àquela que já exerce, e dispondo das condições regulamentares, a empresa é informada que basta preencher o formulário próprio para que o registo seja efectivado. Até aqui tudo lógico. Rápido e simples, pensará o leitor. Pura ingenuidade. O processo ainda mal começara. Não porque fossem necessárias mais diligências para efectuar o registo, mas tão-somente por causa do papel. Do papel? Qual papel? Do formulário. Ah sim, do formulário, pois claro. Eu explico, mas por mais absurdo que pareça, leva mais tempo do que seria de esperar. Ora, o problema era que o formulário que existia já não servia e o que servia ainda não existia. Confusos? Como tinha entrado nova legislação em vigor em 1 de Janeiro de 2006, os formulários que existiam anteriormente já não podiam ser utilizados e os novos ainda nem sequer existiam. Mais esclarecidos? Resta dizer que a acção se passa em Fevereiro de 2006. Solução? Aguardar pelo novo formulário. Quanto tempo? Alguns dias. Escusado será dizer que, apesar da insistência e da paciência, os dias se transformaram em semanas sem notícias de tão augusto papel.
Asseguro que não se trata de plágio, nem de mais um ‘teaser’ de promoção do Gato Fedorento, sendo a história talvez mais indicada para um qualquer ‘show’ televisivo de quarta categoria com casos dramáticos da vida real. A coisa até poderia ter a sua piada se fosse um caso isolado. Mas não é. Diariamente milhares de empresas neste País continuam a ser fustigadas pelos mais delirantes atrasos e obstáculos burocráticos, que custam muito dinheiro, que impedem a fluidez dos negócios e que travam a recuperação económica.
Claro que, infelizmente, nada disto é novo. E mesmo a retórica do discurso político, ou sobretudo esta, de há muito que vocifera contra a burocracia e que promete ajudar as empresas e os empresários a colocarem em prática os seus projectos, acabando por lançar mais programas de incentivos e de combate à burocracia que, não raras as vezes, se traduzem em mais papéis e mais atrasos.
O Governo de José Sócrates, exímio no lançamento de planos e de programas, tem em curso um programa de desburocratização e modernização da Administração Pública, em que o objectivo de tornar possível a criação de empresas num só dia já foi superado pelo projecto “Empresa na Hora”. Não deixa de ser meritório. Mas quantas horas de tormentas continuarão a passar as “empresas criadas na hora” se, nas direcções-gerais, e demais organismos do Estado, subsistir o primado do papel?"
Nuno Sampaio
A história conta-se em poucas palavras e, por mais estranho que possa parecer, passa-se no mesmo País cujo Governo tem os olhos postos no modelo finlandês e em marcha um plano tecnológico para revitalizar a economia da nação.
Uma empresa que pretende alargar a sua actividade dirige-se à respectiva direcção-geral, a fim de proceder ao registo legalmente estipulado. Tratando-se de uma actividade em tudo similar àquela que já exerce, e dispondo das condições regulamentares, a empresa é informada que basta preencher o formulário próprio para que o registo seja efectivado. Até aqui tudo lógico. Rápido e simples, pensará o leitor. Pura ingenuidade. O processo ainda mal começara. Não porque fossem necessárias mais diligências para efectuar o registo, mas tão-somente por causa do papel. Do papel? Qual papel? Do formulário. Ah sim, do formulário, pois claro. Eu explico, mas por mais absurdo que pareça, leva mais tempo do que seria de esperar. Ora, o problema era que o formulário que existia já não servia e o que servia ainda não existia. Confusos? Como tinha entrado nova legislação em vigor em 1 de Janeiro de 2006, os formulários que existiam anteriormente já não podiam ser utilizados e os novos ainda nem sequer existiam. Mais esclarecidos? Resta dizer que a acção se passa em Fevereiro de 2006. Solução? Aguardar pelo novo formulário. Quanto tempo? Alguns dias. Escusado será dizer que, apesar da insistência e da paciência, os dias se transformaram em semanas sem notícias de tão augusto papel.
Asseguro que não se trata de plágio, nem de mais um ‘teaser’ de promoção do Gato Fedorento, sendo a história talvez mais indicada para um qualquer ‘show’ televisivo de quarta categoria com casos dramáticos da vida real. A coisa até poderia ter a sua piada se fosse um caso isolado. Mas não é. Diariamente milhares de empresas neste País continuam a ser fustigadas pelos mais delirantes atrasos e obstáculos burocráticos, que custam muito dinheiro, que impedem a fluidez dos negócios e que travam a recuperação económica.
Claro que, infelizmente, nada disto é novo. E mesmo a retórica do discurso político, ou sobretudo esta, de há muito que vocifera contra a burocracia e que promete ajudar as empresas e os empresários a colocarem em prática os seus projectos, acabando por lançar mais programas de incentivos e de combate à burocracia que, não raras as vezes, se traduzem em mais papéis e mais atrasos.
O Governo de José Sócrates, exímio no lançamento de planos e de programas, tem em curso um programa de desburocratização e modernização da Administração Pública, em que o objectivo de tornar possível a criação de empresas num só dia já foi superado pelo projecto “Empresa na Hora”. Não deixa de ser meritório. Mas quantas horas de tormentas continuarão a passar as “empresas criadas na hora” se, nas direcções-gerais, e demais organismos do Estado, subsistir o primado do papel?"
Nuno Sampaio
4 Comments:
acha que algum daqueles ministros que fazem promessas na televisão conhecem essas "minudencias" kafkianas?Eles têm visões,horizontes,paradigmas.Impressos?Baaa...
O que é dito corresponde à realidade da vida empresarial nesta República das Bananas,faltando acrescentar que o atendimento em algumas Repartições é do pior que se possa imaginar,elegendo-se como vencedores,negativamente,as Repartições de Finanças uma vez que tudo e todos estão concentrados em alvejar o inimigo ou seja o contribuinte.
O papel? Qual papel?
That's a great story. Waiting for more. » » »
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