segunda-feira, abril 17, 2006

V For Vendetta.


1/ "V For Vendetta assenta numa realização sóbria, não abusa dos efeitos especiais e alicerça-se num argumento actual e bem escrito. Como nos habituaram em filmes como a trilogia Matrix, os irmãos Wachowski não nos contam histórias simples e de consumo fácil: muitas vezes, o segredo está no pormenor. Enquanto via o filme lembrei-me de Matrix, principalmente nos diálogos, sempre coloquiais, expositivos, como se de uma aula de filosofia se tratasse. Ao ver V (representado por Hugo Weaving – papel ingrato para o actor, já que passa o filme todo por trás da máscara) lembrei-me do Agente Smith, e do mesmo tom de voz monocórdico mas poderoso e cativante. Isto para dizer que não é um filme que se possa ir ver acompanhado pela namorada e pelo balde de pipocas: qualquer distracção é inaceitável. Este filme vai-se descobrindo aos poucos, como um livro, porque a narrativa não é linear, avança e recua, e é fácil perdermo-nos.

Imaginem um mundo dominado pelo medo de uma doença epidémica e pela crença generalizada de que a contaminação se deveu a um ataque terrorista. Imaginem que alguém acena com a cura e promete a segurança e a erradicação do terrorismo. Imaginem que em troca pede o poder absoluto. Parece familiar? Depois aparece a resistência na forma de um mascarado que tem como missão vingar-se de todos os que o trouxeram ali e, durante um ano (remember, remember the fifth of November), prepara o ataque ao Parlamento, símbolo do Poder absolutista que mantém aquele povo adormecido.

Estes são tempos conturbados e não falo dos tempos do filme. O medo – todo o filme assenta no medo como factor legitimador do poder absoluto –, explorado pelo poder político, legitima a guerra contra as ameaças externas sempre com sacrifício das liberdades individuais. Se alguém nos desse o fim do terror e em troca nos pedisse a entrega de todos os direitos como pessoa durante um dia, aceitávamos? E durante uma semana? Um mês? Um ano? Sempre? Até onde estamos disposto a ceder a nossa liberdade para nos livramos do medo, do terror, do terrorismo?

Depois de nos mostrarem o fundamento do Poder absoluto, o medo, os irmãos Wachowski mostram-nos as consequências de deixarmos um Big Brother orwelliano tomar conta de nós e relatam o processo de nascimento de um Poder deste tipo, as medidas politicas que pouco a pouco vão consolidando o poder - não há coincidências e nada é feito em vão. E, quando nos damos conta…

O filme é um olhar crítico sobre o estado do mundo actual. Como noutras ocasiões, os manos Wachowski afastam-se deliberadamente do politicamente correcto para nos mostrarem o mundo – o terrorista visto como legitimo guerreiro em nome de uma causa, o poder político que mente para dominar, a igreja satirizada na forma de um bispo pedófilo – e fazem uma obra de arte cinematográfica. Não procurem grandes explosões – embora as haja -, não procurem grandes coreografias de luta marcial – embora as haja. Se procuram um filme que vos ponha a falar do mundo nas horas seguintes, procurem aqui.


2/ V for Vendettta é, de facto, um filme fantástico. Ao contrário do que dizem algumas vozes cépticas, exclusivamente pelo facto de vir produzido por Joel Silver (produtor de títulos tão inovadores e renovadores como 48 Hrs., Lethal Weapon, Predator, Die Hard e Matrix, bem como exercícios de estilo cinéfilo e literário como foi o belíssimo Kiss Kiss Bang Bang), o filme não é o festival de estardalhaço digital e pirotécnico que alguns velhos do Restelo apregoam, sem sequer terem visto o filme.

Levanta questões muito pertinentes e faz-nos pensar a todos sobre o que podemos fazer para mudar o “estado das coisas” (a meio do filme refere-se que para procurar os “culpados”, as pessoas devem olhar-se ao espelho). Basta pensar nas informações erróneas em relação aos dispositivos nucleares “existentes” no Iraque (que eram a justificação da guerra), na atribuição errada a um grupo terrorista (mas inocente no acto em que foi culpabilizado) nos atentados de Madrid, bem como a recente revelação (no “60 Minutos” deste Domingo passado) sobre o facto de o executivo Bush alterar informação credível e comprovada do ponto de vista científico em relação ao aquecimento do planeta, porque esta aponta culpas ao executivo americano. De novo o eterno paradoxo-paradigma entre realidade e ficção. Quem imita quem?

Por outro lado, é uma fantástica prova de talento (se é que ainda existiam dúvidas) sobre o talento de Natalie Portman. Se o seu talento foi completamente desperdiçado na saga Star Wars, aqui é impecavelmente aproveitado, conseguindo aguentar o filme “às costas”. Pena que a realização de James McTeigue seja algo convencional. Oliver Stone ou Paul Verhoeven (sempre críticos e cínicos face a diversos aspectos da sociedade – e não apenas a americana) fariam algo melhor. Mas é sem dúvida um excelente filme.

Nowhere Man

Retirado do Bitaites.

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