Confiança, coesão e sucesso.
"Numa altura em que ainda se digere a derrota nas meias-finais frente à França, vale a pena mesmo assim reflectir sobre o que faz uma equipa de futebol, tal como uma empresa, ter sucesso ou falhar. E a equipa que Scolari construiu, mesmo sem ter chegado à final, dá-nos espaço para algumas analogias interessantes com o mundo empresarial. O mais curioso é que essas analogias dão mesmo vida aos aspectos centrais da nossa vida empresarial que o sociólogo Richard Sennett identifica no seu último livro (’The Culture of the New Capitalism’, que traduzido à letra será qualquer coisa como “cultura do novo capitalismo”, editado este ano pela Yale University Press e ainda sem publicação entre nós).
O primeiro aspecto é a importância da confiança, a confiança informal que se estabelece entre as pessoas ao longo do tempo e que nos permite saber com quem contar em cada momento. Nas antigas organizações, estáveis e burocráticas, a confiança tinha tempo para se desenvolver sem ser perturbada por reengenharias e reestruturações constantes. Nas organizações de hoje, sobretudo quando há uma fusão, uma aquisição, ou, mais frequentemente, uma mudança radical de administração, a tentação dos gestores é mudar tudo, contratando muitas vezes para a organização novos gestores, como os jogadores “galácticos” do Real Madrid. Curiosamente, não foi esse o caminho que Luiz Filipe Scolari escolheu para formar a nossa selecção. Em vez disso, optou por um grupo coeso, estável, mantendo mesmo jogadores que se tornaram suplentes nas suas equipas em detrimento de novas estrelas em ascensão. Com essa opção, manteve a coesão, os laços dentro do grupo e, sobretudo, deixou bem claro pelos seus actos (e não apenas por palavras) que contava com aquelas pessoas apesar das dificuldades e que não deixava cair com facilidade quem lhe tinha sido útil no passado.
Numa empresa, o problema das mudanças radicais das estruturas é que raramente se considera o preço dos laços e dos conhecimentos que se perdem e da confiança que se dilui. Sennett defende que os gestores não pensam duas vezes ao decidirem devastar a estrutura de uma organização por estarem habituados, desde o tempo de Taylor e da sua análise supostamente científica do trabalho, a focar a sua atenção numa porção diminuta do tempo para determinarem o que pode ser feito no menor tempo possível. Considerando apenas esse presente fugaz, é fácil ignorar os impactos de cada decisão nos meses e anos que se podem seguir e o impacto mais forte é o enfraquecimento do conhecimento institucional. Com o reposicionamento ou a saída de pessoas que sabiam como se movimentar e o que fazer, há um capital que se perde e que se sente quando a empresa precisar de ultrapassar dificuldades ou enfrentar desafios.
Como no futebol, é mais fácil cair nesta armadilha quando se é ‘treinador de bancada’, ou seja, quando se tem uma responsabilidade muito limitada pelos resultados das opções que se defendem. Da mesma forma, numa empresa, é fácil a um gestor recém chegado ou a uma equipa de consultores, cuja responsabilidade face à organização acaba no dia em que o projecto termina, ignorar o impacto de decisões sobre a estrutura em factores tão subjectivos como a confiança, o conhecimento ou a coesão do grupo. Mas a verdade é que esses factores, mesmo que não os quantifiquemos, se fazem sentir nos resultados, sobretudo quando a equipa está sujeita à pressão de jogos sucessivos. Nas empresas cotadas em bolsa, os jogos sucessivos são os dias em que está a ser transaccionada, sujeita a decisões de investidores que não estão preocupados com o longo prazo da organização mas apenas com os indicadores financeiros que lhes podem proporcionar uma mais valia no imediato. E essa é uma força poderosa para uma administração mudar sucessivamente, mais para gerir expectativas do que para gerir resultados num prazo mais longo.
Quererá isto dizer que é sempre mau mexer numa estrutura organizacional? Penso que não porque, tal como numa equipa de futebol, muitas vezes é preciso mudar para inverter os resultados. Para o conseguir, uma empresa não pode perder a coesão e a confiança. Por isso o problema não é mudar, mas sim os efeitos que se ignoram quando se decide o que mudar."
Rui Grilo
O primeiro aspecto é a importância da confiança, a confiança informal que se estabelece entre as pessoas ao longo do tempo e que nos permite saber com quem contar em cada momento. Nas antigas organizações, estáveis e burocráticas, a confiança tinha tempo para se desenvolver sem ser perturbada por reengenharias e reestruturações constantes. Nas organizações de hoje, sobretudo quando há uma fusão, uma aquisição, ou, mais frequentemente, uma mudança radical de administração, a tentação dos gestores é mudar tudo, contratando muitas vezes para a organização novos gestores, como os jogadores “galácticos” do Real Madrid. Curiosamente, não foi esse o caminho que Luiz Filipe Scolari escolheu para formar a nossa selecção. Em vez disso, optou por um grupo coeso, estável, mantendo mesmo jogadores que se tornaram suplentes nas suas equipas em detrimento de novas estrelas em ascensão. Com essa opção, manteve a coesão, os laços dentro do grupo e, sobretudo, deixou bem claro pelos seus actos (e não apenas por palavras) que contava com aquelas pessoas apesar das dificuldades e que não deixava cair com facilidade quem lhe tinha sido útil no passado.
Numa empresa, o problema das mudanças radicais das estruturas é que raramente se considera o preço dos laços e dos conhecimentos que se perdem e da confiança que se dilui. Sennett defende que os gestores não pensam duas vezes ao decidirem devastar a estrutura de uma organização por estarem habituados, desde o tempo de Taylor e da sua análise supostamente científica do trabalho, a focar a sua atenção numa porção diminuta do tempo para determinarem o que pode ser feito no menor tempo possível. Considerando apenas esse presente fugaz, é fácil ignorar os impactos de cada decisão nos meses e anos que se podem seguir e o impacto mais forte é o enfraquecimento do conhecimento institucional. Com o reposicionamento ou a saída de pessoas que sabiam como se movimentar e o que fazer, há um capital que se perde e que se sente quando a empresa precisar de ultrapassar dificuldades ou enfrentar desafios.
Como no futebol, é mais fácil cair nesta armadilha quando se é ‘treinador de bancada’, ou seja, quando se tem uma responsabilidade muito limitada pelos resultados das opções que se defendem. Da mesma forma, numa empresa, é fácil a um gestor recém chegado ou a uma equipa de consultores, cuja responsabilidade face à organização acaba no dia em que o projecto termina, ignorar o impacto de decisões sobre a estrutura em factores tão subjectivos como a confiança, o conhecimento ou a coesão do grupo. Mas a verdade é que esses factores, mesmo que não os quantifiquemos, se fazem sentir nos resultados, sobretudo quando a equipa está sujeita à pressão de jogos sucessivos. Nas empresas cotadas em bolsa, os jogos sucessivos são os dias em que está a ser transaccionada, sujeita a decisões de investidores que não estão preocupados com o longo prazo da organização mas apenas com os indicadores financeiros que lhes podem proporcionar uma mais valia no imediato. E essa é uma força poderosa para uma administração mudar sucessivamente, mais para gerir expectativas do que para gerir resultados num prazo mais longo.
Quererá isto dizer que é sempre mau mexer numa estrutura organizacional? Penso que não porque, tal como numa equipa de futebol, muitas vezes é preciso mudar para inverter os resultados. Para o conseguir, uma empresa não pode perder a coesão e a confiança. Por isso o problema não é mudar, mas sim os efeitos que se ignoram quando se decide o que mudar."
Rui Grilo
1 Comments:
Uma reflexão oportuna.
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