Futebol e economia

"Luís Filipe Scolari foi ao estádio nacional depois de perder a única medalha que podia trazer para Portugal – a do terceiro lugar. Ouvia-se: fica! fica! fica! A razão deste paradoxo percebe-se com economia: o seleccionador nacional lançou os incentivos correctos sobre o país, explicando que só tinha equipa para chegar aos oitavos de final. Tudo o resto, portanto, foi emocionante.

Ontem, no Parlamento, o primeiro-ministro usou a mesma perspicácia táctica. Fez bem. José Sócrates sabe, como sabia Scolari, que tem equipa para mais, mas preferiu manter o aviso à navegação, dizendo: apesar de já sabermos jogar em equipa, não vamos começar amanhã a marcar tantos golos quanto gostaríamos. E assim, conseguiu o essencial – todas as conquistas que este Governo apresentar serão, daqui para a frente, igualmente emocionantes.

Por outras palavras, José Sócrates baixou ontem as expectativas de um país que ainda não percebeu que os tempos são difíceis. E a ideia é simples. Ele quer usar em seu benefício o paradoxo de Scolari: ganhar mesmo quando perde. O primeiro-ministro sabe que servir Portugal, neste momento, pede um jogo à defesa, não uma partida com todos os jogadores na pequena área, junto ao prazer do golo, como se não fosse importante ganhar terreno primeiro.

Repare-se, nenhum dos problemas da economia e sociedade portuguesa se alteraram nos últimos tempos. Nenhum: as famílias continuam excessivamente endividadas, o Estado insiste em absorver quase metade de toda a riqueza gerada no país, as exportações não conseguem superar as importações e a poupança permanece envergonhada – o que por sua vez obriga o sistema financeiro a pedir dinheiro ao estrangeiro, tornando o país perigosamente dependente do que se passa lá fora. Ao mesmo tempo, o petróleo não pára de subir (diminuindo o valor do dinheiro que cada um traz no bolso) e a Europa insiste em não discutir o seu futuro económico. Ou seja, a economia portuguesa não vai crescer. Qual é o Estado da Nação, então?

É mau, mas uma melhoria depende tanto do Governo como depende do comportamento de cada português. Cavaco Silva tem razão: há um papel para cada um. Não faz sentido, por exemplo, que a utilização de hotéis pelos residentes em Portugal tenha subido 3% nos primeiros cinco meses do ano. O momento é de poupança, não de lazer. Soluções? Jogar à defesa, pediu Sócrates.

Em português, consiste em olhar para a subida de juros, e para a difícil conjuntura internacional, como um momento de alteração táctica, começando por driblar a universalidade dos direitos, seguindo para uma pressão alta sobre o consumo das famílias e, finalmente, orientando todos os esforços públicos para a aposta em sectores de actividade competitivos e, claro, para as “canteras” – a educação!

Talvez assim este Governo, no final, encha um estádio e oiça, também ele, um insistente fica! fica! fica! "

Martim Avillez Figueiredo