Quebrar o sigilo.
"Discutir o sigilo bancário tem um problema grave: a discussão normalmente assume que quem se bate pela reserva da vida privada contra a intervenção do Estado tem algo a esconder. Isto é, acusa os que estão contra o levantamento do sigilo bancário de o fazerem, apenas, porque também eles fogem ao fisco. Não é assim.
Mas diga-se já o óbvio: é fácil perceber as razões de uma máquina fiscal que se bate pelo levantamento do sigilo bancário. Para encontrar bondade na decisão pública, basta recordar a entrevista de Vitor Santos, o célebre Bibi, quando este afirmou que declarava apenas o salário mínimo. Não é aceitável que todos quantos apresentem sinais exteriores de riqueza possam, depois, surgir nas bases de dados do fisco como indigentes. É uma ofensa a todos quantos pagam a horas os seus impostos.
Mas se isto é verdade, não é menos certo que levantar o sigilo bancário de forma universal penaliza um grande número - para apanhar apenas uma pequena parte. Sim, é verdade: muitos dos que pagam estarão dispostos a abdicar de uma esfera importante da sua reserva de intimidade se isso lhes assegurar que os outros – que nada pagam – serão forçados a fazê-lo. Mas aqui começam os problemas.
Este raciocínio utilitário (em nome do benefício do maior número de pessoas podem impor-se prejuízos ao menor número) tem um grave problema: ele causa prejuízos aos que não os merecem. Isto é, são aqueles que cumprem as suas obrigações que vêem a sua intimidade devassada. Procurando uma imagem, não é excessivo afirmar que a quebra do sigilo bancário ou fiscal é equivalente a decretar que nenhum português possa sair à rua sem atestado público de que, no minuto anterior, não cometeu um assalto - apenas para com isso apanhar os assaltantes. Não faz sentido. Há uma esfera de individualidade que nenhum poder deve cruzar – uma é a presunção de inocência.
Vasculhar as contas bancárias de quem se queixa ao fisco – pelo simples facto de se queixar – rompe essa barreira da vida privada. Já se disse: defender esta ideia é normalmente confundido com ter algo a esconder. Melhor seria. Infelizmente, em nome da clara separação daquilo que é a vida de cada um e aquilo que é passível de ser discutido por todos, a quebra universal do sigilo bancário não é uma boa solução. Qual é, então? Difícil responder.
Uma é simples: começar por investigar apenas aqueles que, declarando-se miseráveis perante o fisco, se comportam como milionários no dia-a-dia. As outras são mais complexas, o que permite uma única conclusão: o Estado não deve invadir universalmente a vida privada – mesmo que isso signifique que alguns continuarão a preferir o crime à legalidade. "
Martim Avillez Figueiredo
Mas diga-se já o óbvio: é fácil perceber as razões de uma máquina fiscal que se bate pelo levantamento do sigilo bancário. Para encontrar bondade na decisão pública, basta recordar a entrevista de Vitor Santos, o célebre Bibi, quando este afirmou que declarava apenas o salário mínimo. Não é aceitável que todos quantos apresentem sinais exteriores de riqueza possam, depois, surgir nas bases de dados do fisco como indigentes. É uma ofensa a todos quantos pagam a horas os seus impostos.
Mas se isto é verdade, não é menos certo que levantar o sigilo bancário de forma universal penaliza um grande número - para apanhar apenas uma pequena parte. Sim, é verdade: muitos dos que pagam estarão dispostos a abdicar de uma esfera importante da sua reserva de intimidade se isso lhes assegurar que os outros – que nada pagam – serão forçados a fazê-lo. Mas aqui começam os problemas.
Este raciocínio utilitário (em nome do benefício do maior número de pessoas podem impor-se prejuízos ao menor número) tem um grave problema: ele causa prejuízos aos que não os merecem. Isto é, são aqueles que cumprem as suas obrigações que vêem a sua intimidade devassada. Procurando uma imagem, não é excessivo afirmar que a quebra do sigilo bancário ou fiscal é equivalente a decretar que nenhum português possa sair à rua sem atestado público de que, no minuto anterior, não cometeu um assalto - apenas para com isso apanhar os assaltantes. Não faz sentido. Há uma esfera de individualidade que nenhum poder deve cruzar – uma é a presunção de inocência.
Vasculhar as contas bancárias de quem se queixa ao fisco – pelo simples facto de se queixar – rompe essa barreira da vida privada. Já se disse: defender esta ideia é normalmente confundido com ter algo a esconder. Melhor seria. Infelizmente, em nome da clara separação daquilo que é a vida de cada um e aquilo que é passível de ser discutido por todos, a quebra universal do sigilo bancário não é uma boa solução. Qual é, então? Difícil responder.
Uma é simples: começar por investigar apenas aqueles que, declarando-se miseráveis perante o fisco, se comportam como milionários no dia-a-dia. As outras são mais complexas, o que permite uma única conclusão: o Estado não deve invadir universalmente a vida privada – mesmo que isso signifique que alguns continuarão a preferir o crime à legalidade. "
Martim Avillez Figueiredo
6 Comments:
Isto e uma questao absurda. Na dinamarca onde vivi muitos anos nao ha sigilo nem meio sigilo bancario. O fisco sabe exactamente o que eu tenho. Mas as coisas la sao um bocadinho diferentes. Depois de me ter ausentado dois anos tinha a minha espera um cheque com juros por impostos cobrados em excesso dois anos antes, o que eu nem sequer fazia ideia. Diz-se e e bem verdade: quem nao deve nao teme. O resto sao desculpas de mau pagador.
Isto e uma questao absurda. Na dinamarca onde vivi muitos anos nao ha sigilo nem meio sigilo bancario. O fisco sabe exactamente o que eu tenho. Mas as coisas la sao um bocadinho diferentes. Depois de me ter ausentado dois anos tinha a minha espera um cheque com juros por impostos cobrados em excesso dois anos antes, o que eu nem sequer fazia ideia. Diz-se e e bem verdade: quem nao deve nao teme. O resto sao desculpas de mau pagador.
O sigilo bancário existe pela mesma razão que existe o sigilo médico - de forma a criar uma relação de confiança essencial ao funcionamento de qualquer uma das actividades. No primeiro caso porque eu deposito o meu dinheiro nos bancos em quem confio (apesar de em Portugal termos um nível de supervisão aceitável para garatir a estabilidade do sistema financeiro português). No entanto, se o Estado vem obrigar o meu banco a fornecer-lhe informação sobre a minha vida privada (onde jantei, a quem efectuei pagamentos, etc) a confiança reduz-se e, muito provavelmente, elevados montantes de capitais serão retirados do sistema financeiro português (mesmo daqueles que cumprem a tempo e horas as suas obrigações fiscais)- é este o risco que Estado está disposto a correr para, conforme enuncia o editorial, permitir que o Estado apenas disfarce a ineficiência da sua máquina fiscal (infelizmente, não nossa) que continua preocupada com os tostões e não com os milhões (apesar das muitas melhorias introduzidas nos últimos anos).
O anúncio da medida refere que o acesso às contas bancárias será apenas para verificar rapidamente os fundamentos da reclamação que o contribuinte está a fazer ao fisco: se eu reclamo que tive rendimentos de trabalho de 10.000 e não de 20.000, não vejo mal maior em que o fisco verifique isso na minha conta. Convem é que a lei assegure isso mesmo, impedindo investigações fiscais com base em elementos recolhidos que não tenham a ver com o assunto da minha reclamação e punindo severamente qualquer divulgação pública de dados mais "sensíveis" encontrados na minha conta.
A abertura do sigilo bancário é só para cidadãos que possuam contas bancárias bem recheadas em território nacional,porque os que as têm fora do país ninguém lhe toca.Continuamos a ter cidadãos de 1ª categoria e escravos.
Visão completamente retrógrada e ultrapassada, dos tempos do pós 25 de Abril, em que ainda havia o medo da PIDE vasculhar a vida pessoal dos cidadãos. Se realmente pensa que os funcionários do Fisco vão andar a ver os detalhes dos meus extractos de conta para saber se eu fiz levantamentos às 3h da manhã ao lado de uma casa de alterne ou outra qualquer actividade pessoal que pretendo esconder, então mais vale que o fisco tenha acesso directo (e sem necessidade de haver litígio com o contribuinte) aos saldos mensais do património depositado, sem acesso aos movimentos da conta - em Espanha funciona assim. Desta forma, se o meu património aumentar p.ex. EUR 100.000 no final do ano, deverei pagar imposto sobre a diferença a menos que exista alguma justificação para não o fazer (por exemplo uma herança).
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