terça-feira, agosto 15, 2006

10 de Agosto de 2006

"Há claramente, desde o início, um forte elemento ocidental no recrutamento dos militantes terroristas. Nesta data, conseguiu-se uma grande vitória contra o terrorismo global. Ou, como alguém disse, celebrou-se o que não aconteceu. Já sabemos muita coisa sobre os planos e os envolvidos e já tivemos tempo para imaginar quais teriam sido as consequências se os ataques se tivessem realizado. O que merece ser discutido é o que as nossas reacções nos dizem sobre o estado das sociedades ocidentais. Aparentemente, há muita gente surpreendida com o facto dos terroristas do 10 de Agosto, tal como já tinha sido com o 7 de Julho de 2005, serem britânicos de nascimento e de educação. Fez-se mesmo uma comparação com o perfil dos terroristas do 11 de Setembro, e chegou-se a uma conclusão, manifestamente prematura: de ataques com”terroristas externos” passou-se a ataques com”terroristas internos”. A conclusão precipitada resulta de três erros. Em primeiro lugar, os executantes dos ataques do 11 de Setembro não eram tão ”externos” como muitos julgam. Embora a maioria fosse natural de países árabes, muitos deles foram educados em instituições europeias e norte-americanas, trabalharam e viviam em países europeus e nos Estados Unidos. Ou seja, há claramente, desde o início, um forte elemento ocidental no recrutamento dos militantes terroristas. Esta constatação leva-nos ao segundo erro.

A surpresa com a ”nacionalidade britânica” dos terroristas do 10 de Agosto demonstra a persistência num erro antigo: o radicalismo islâmico e o terrorismo por si inspirado são fenómenos, ideologicamente, medievais (embora com métodos modernos) e com origem em movimentos e sociedades atrasadas e teocráticas. Engano completo. Nas doutrinas, na organização, na estratégia, na militância, estes movimentos são inteiramente modernos e, a par da linguagem e das referências históricas religiosas, alimentam-se de discursos ideológicos e conceptuais com origem no Ocidente. O terrorismo tem uma longa tradição no mundo ocidental e, desde a Revolução Francesa até às revoluções comunistas e nazi, passando pelas lutas nacionalistas do séculoXIX, tem tido muito sucesso. Os grupos radicais islâmicos limitaram-se a adoptar um método de sucesso. Implicitamente, na surpresa com a origem britânica dos terroristas, há também uma espécie de racismo escondido: quem estuda em Madrassas no Paquistão ou é desempregado nas monarquias do Golfo pode ser, naturalmente, terrorista; quem frequenta escolas e universidades britânicas ou vive nos, aparentemente, sossegados bairros ingleses, sem arranjar trabalho, não é natural que seja terrorista. Não consigo deixar de ficar surpreendido com o espanto que ainda muitos sentem quando descobrem que os terroristas são ”educados” e da ”classe média”.Na Europa, pelo menos desde o século XIX, sempre foram. Eu ficarei admirado é quando os terroristas forem pobres e iletrados.

Referiu-se também, e com alguma insistência, ao falhanço do modelo de integração multicultural e à alienação de que sofrem os jovens terroristas. Apesar de explicar alguma coisa, esta tese não é inteiramente satisfatória. Por exemplo, nos países da América Latina e do Extremo Oriente não faltarão os desintegrados sociais e os alienados. No entanto, não têm por hábito recorrer ao terrorismo. Para os jovens desintegrados das sociedades europeias se tornarem terroristas, é necessário que haja um contexto político que facilite e até estimule essa transformação. Se é verdade que o ressentimento histórico das sociedades de origem dos terroristas, provocado pelo domínio colonial e pela fraqueza política e estratégica após as independências, ocupa um lugar importante no processo de militância terrorista, parece-me que o outro factor decisivo é o discurso anti-ocidental, cada vez mais frequente e radical, que se ouve na Europa nos dias que correm. Para estas correntes radicais, o Ocidente é o principal culpado de todos os males do mundo, desde pelo menos o início da expansão europeia, ou da chamada ”primeira globalização”. A uma cultura de vitimização, muito sentida hoje pelos muçulmanos, junta-se uma cultura de diabolização do Ocidente. Quando se assiste frequentemente à comparação entre Blair e Hitler e a ataques violentos ao capitalismo, ao neo-liberalismo, à América, e à Europa, o recurso ao terrorismo, por quem já está alienado e ressentido, torna-se mais legítimo.

O terceiro erro é o mais grave politicamente. No espanto com as origens britânicas dos militantes terroristas aparece a insinuação de que o recurso ao terrorismo é uma resposta à política externa britânica. A participação do Reino Unido nas guerras do Afeganistão e do Iraque teria radicalizado as minorias muçulmanas. É impossível dizer se as guerras foram o factor decisivo que levou aqueles jovens britânicos a participar numa tentativa de ataque terrorista. Os motivos individuais são um mistério que só o próprio pode desvendar, e nem sempre. O ponto central é a questão da legitimidade política. Não é aceitável que grupos terroristas influenciem e determinem as decisões políticas de governos que têm toda a legitimidade para o fazer. E os que discordam da guerra do Iraque ou criticam a política externa de Blair, e têm todo o direito de o fazer, deviam ser os primeiros a recusar a chantagem que ameaça seriamente as democracias ocidentais. Por vezes, tentar justificar o injustificável demonstra uma enorme fraqueza; e é dessa fraqueza que se alimenta o terrorismo.
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João Marques de Almeida

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Há nisto um delírio individual e de grupo.Penso que vários desses terroristas ingleses ,são pessoas que cresceram numa sociedade que é livre ,mas onde se sentem despeitados.Por isso ,há uns que se tornam "serial killers" de crime comum.Outros que agarram uma causa que para eles "vai mudar o mundo".Todos com grande desprezo pelos seus concidadaõs.Que é partilhado pelas figuras "respeitáveis" do islamismo inglês:eles "só" querem que o governo mude a politica externa.Ou seja conseguir pela desvergonha o que os "miudos" querem fazer à bomba.O islamismo está a tornar-se a peste do século XXI(pelo menos 2 horas para a bicha do avião...)

terça-feira, agosto 15, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Rebentamento de bombas em Beirute, Londres ou Madrid já fazem parte da paisagem urbana. Infelizmente! E com a saturação de imagens que as televisões nos impingem 24 horas por dia, intervaladas com os fogos da Galiza ou dos nossos "Parques !" chegamos a um ponto em que tudo isto nos é indiferente. Passamos à frente e...vamos à vida !

terça-feira, agosto 15, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Impressionante: o que faz o fundamentalismo, considerado em qualquer vertente(política,desportiva ou outra).Como bem refere NapoLeão tudo o que é mau/horrivel "já faz parte da paisagem urbana".Só que,enquanto uns passam à frente e vão à vida,outros,por motivos que têm a ver com sanidade mental/espiritual congregada com aliciamentos de ordem vária,tornam-se "balas humanas" destruindo-se a si e.....aos outros.Estamos numa sociedade absurda em que os interesses materiais se sobrepõem aos valores morais,em que se legisla em determinado sentido para protecção de certos grupos,em que criminosos se evadem ao poder judicial ou em que este,por deficientissima visão decisória,afasta da "punição" quem a opinião pública considera culpado.Trata-se,em suma,duma sociedade de manipuladores e de inversão de valores e em que os menos preparados,fisica e,sobretudo,psicológicamente,serão triturados.O pior de tudo é quando se constata algo de muitissimo grave:QUE UM ESTADO NÃO É PESSOA DE BEM E UTILIZA METODOLOGIAS REPROVÁVEIS POR CIDADÂOS MÉDIOS!!

terça-feira, agosto 15, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Eu sou daqueles que ficaria satisfeito de ver esta gente em Tribunal,a ser condenada a uma pena que fosse proporcional ao mal que causam ou podem causar.E deixemos de ter respeito por quem não o tem,por nada ou ninguém.Acabe-se com a canalha.Mas confesso que todo este alarmismo que tem origem periódicamente nos USA e na Inglaterra,me deixa perplexo.Pobre Povo,destes Países.Não basta o que passam nas mãos dos terroristas,ainda se veem em "palpos de aranha",com toda esta loucura colectiva.Há 3 anos que andam nisto e na Inglaterra ainda não foi julgado um terrorista.Penso que a Polícia Inglesa e dos USA devia ter um pouco mais de respeito pelos Direitos do Cidadão,e deixarem de o utilizar em meras operações de propaganda.

terça-feira, agosto 15, 2006  

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