quinta-feira, fevereiro 22, 2007

A Madeira é o Jardim

"A Madeira não precisa de esperar por homens providenciais: há quase trinta anos encontrou o seu. Existe um Alberto João Jardim altruísta que confessa não estar “agarrado ao poder” e se demite a meio de um mandato vastamente maioritário. E existe Alberto João Jardim, o próprio, que anuncia a recandidatura logo a seguir. Para efeitos práticos, a rábula de segunda-feira foi apenas isso: a proverbial birra pública que, pelo inédito modelo escolhido, valeu uns minutos nos noticiários. A prazo, não suscitará alterações eleitorais, não ‘pressiona’ Sócrates a coisa nenhuma (pelo contrário) e, que se saiba, a ‘Europa’ não reforça o financiamento a pretexto de cada tomada de posse. Excepto para satisfazer uma íntima inclinação para o bombástico, a rábula do dr. Jardim foi assim inútil, e inútil também é repetir banalidades em volta dela.

Como costuma acontecer, o relevante no discurso do dr. Jardim ficou nas entrelinhas. Isto é, na habitual identificação absoluta entre ele mesmo, o Estado regional e a Madeira. Uma identificação que, aliás, já ninguém estranha e apenas por desfastio alguns teimam em questionar. Não admira. Depois da demissão, os canais televisivos interrogaram populares, no Funchal e na Madeira ‘profunda’. Não notei uma dissidência, um reparo, sequer uma dúvida face à atitude do chefe. Nas ruas, a opinião dominante, perdão, consensual, garantia que o dr. Jardim fez o que está correcto e conseguirá o que pretende. Não por causa, note-se, do que ele ‘fez’ ou do que ‘pretende’, mas por se tratar do dr. Jardim, cuja vontade e cujos métodos miraculosamente coincidem com o que o povo deseja e com o que melhor facilita tais desejos. Acusá-lo, como se acusou, de ignorar os “interesses superiores” da Madeira é não perceber o óbvio. A acreditar nos eleitores locais, até ver o único critério válido, os interesses da Madeira são os interesses do dr. Jardim, um facto que não se explica pelo terrível e eventual “défice democrático”. Se não fosse dúbio, “excesso democrático” seria um termo mais adequado a essa avassaladora unanimidade.

Afinal, e apesar do ódio que lhe dedicam, o dr. Jardim representa, em carne e retórica, a personificação do redentor pelo qual os portugueses, os do Continente, sempre ansiaram. Em vão. Nós, deste lado do mar, experimentámos salvadores sem conta e desiludimo-nos vezes sem conta. Hoje, continuamos à espera. A Madeira não precisa de esperar por homens providenciais: há quase trinta anos encontrou o seu. O desmesurado, e retribuído, paternalismo do dr. Jardim é a essencial virtude que a atávica miséria dos portugueses, de todos os portugueses, procura num guia. E só a fatal necessidade de se definir contra um inimigo (o “centralismo”, os “cubanos”, etc.) impediu o dr. Jardim de ser o nosso guia. Com frequência, o ódio mascara a inveja.

Durante o PREC, os anarquistas rabiscavam as paredes de Lisboa: “Não há eleições. D. Sebastião volta pr’à semana!” Na Madeira, há eleições: o ‘encoberto’ local tem morada certa, regressa já e para ganhar. Mas ganhar o quê?
"

Alberto Gonçalves

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