quinta-feira, fevereiro 22, 2007

O aborto mínimo garantido.

"Na lei alemã, o aborto sendo livre não é gratuito. Na Alemanha, o preço do aborto varia com os rendimentos da pessoa. No seu discurso de vitória no referendo, José Sócrates declarou que a nova lei da IVG deveria incorporar “as boas práticas das leis europeias que já existem”. Nos dias seguintes, o PS revelou algumas divisões sobre o que seriam as tais “boas práticas”, mas também admiração pela lei alemã. E em que consiste a lei alemã? Em primeiro lugar, a lei alemã impõe “consulta médica obrigatória”. Até aqui nada de empolgante. Parece óbvio a qualquer cabeça, que sendo a IVG um acto médico complexo, seja necessário ser antecedido por consultas médicas. Pacífico, portanto.

Em segundo lugar, a lei alemã prevê a obrigatoriedade de “aconselhamento”. Alguém terá de ter a responsabilidade de “explicar” à mulher o que ela vai fazer, e dizer-lhe quais são as consequências e as alternativas. É claro que este ponto não é cem por cento pacífico. É neste “aconselhamento” que podem ser feitas “pressões sobre a mulher”. É óbvio que existe algum fundo de verdade nisto, mas se a lei for suave, e não se encher de burocracias e de “opiniões relevantes”, e mais um sem número de trapalhadas, então pode ser uma “boa prática”. Se existir apenas uma pessoa, no máximo duas, que fazem o aconselhamento, e se estiverem bem definidos os seus limites, é possível.

O terceiro requisito é que exista “um período de reflexão”, de 3 dias, que pode ser encurtado para apenas um caso a mulher já esteja na 10ª semana de gravidez. Parece-me pacífico. Feitas as consultas e recebido o “aconselhamento”, não é difícil esperar três dias para pensar. A decisão é complexa, e por vezes sentida como muito urgente pela mulher, mas 3 dias são apenas 3 dias. Terça, quarta, quinta, e a interrupção fica marcada para sexta. Parece-me pacífico.

A dado momento, surgiu a notícia de que o PS estava também a considerar a hipótese de introduzir uma regra de “confidencialidade”, obrigando hospitais e clínicas a protegerem a identidade da mulher. Pelo que li, a ideia é pensar nos meios mais rurais ou desfavorecidos, onde há uma punição social ao acto de abortar, e também nos meios mais religiosos, onde poderá existir uma tendência para a punição moral que seja dolorosa à mulher. Embora isso nunca tenha sido dito, é também óbvio que a exigência de confidencialidade é feita a pensar no “marido”. Em muitos casos, os maridos podem tornar-se violentos sobre as mulheres se as souberem grávidas, e a “confidencialidade” visa protegê-las da fúria masculina. Embora eu seja um defensor que o manto de vergonha que ainda cobre o aborto desapareça progressivamente, compreendo que a regra de confidencialidade pode ser necessária em Portugal.

Chegados aqui, mais ninguém no PS invocou mais argumentos. Aparentemente, a lei alemã era apenas isto. Erro crasso. Além de todas estas “boas práticas” que já referi, há na lei alemã mais uma “boa prática”, que até agora o PS oportunamente se esqueceu de referir. É que, na lei alemã, o aborto sendo livre não é gratuito. Na Alemanha, o preço do aborto varia com os rendimentos da pessoa, excepto nos casos de violação, malformação, risco de vida da mãe ou do feto. Não sendo uma “doença”, mas sim um acto médico voluntário, não há razão para ser gratuito, e o SNS não o tem de considerar como apenas um custo. Consoante os rendimentos, as mulheres podem pagá-lo. Chame-se a esse preço “taxa moderadora” ou outra coisa qualquer, a verdade é que faz sentido que exista. Mas, e então os mais desfavorecidos, os muito pobres? Bem, para esses pode ser criada uma excepção, e o aborto teria apenas um preço simbólico. Seria o tal aborto mínimo garantido de que fala o título desta crónica.

Contudo, não tenho grande esperança que o PS adopte esta ideia. Provavelmente, com os dogmas da “igualdade” e da “gratuiticidade” que ainda infestam as suas cabecinhas, e com a aversão tonta que existe a qualquer tipo de “liberalismo”, os socialistas não consideram isto uma “boa prática”. É pena
."

Domingos Amaral

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

1.Penso que primeiro se deve aguardar a Lei. Só depois se deverá discutir a regulamentação. 2.As "boas práticas" europeias deviam ser divulgadas ( Com o tempo dum "Prós/Contras" podiam mostrar-se os pontos fortes e fracos dos sistemas da Alemanha,França,Suécia,Hungria,DinamarcaAustria,etc,). 3.A situação econ-soc na Alemanha e noutros Estados Europeus não pode INFELIZMENTE comparar-se com a de Portugal. Dadas as profundas assimetrias na distribuição de rendimentos em Portugal(das mais elevadas de toda a UE-27),certamente serão tidos em consideração os rendimentos pessoais/familiares.Talvêz taxas moderadoras ou mesmo Tabelas diferenciadas. 4.Se assim não fosse, as Mulheres que iam a Espanha, UK e Suiça passavam a ir a Hospitais Portugueses, e as "outras",as pobres, continuavam a ir aos tais "vãos de escada" que TODOS dizem condenar.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Finalmente um artigo com o qual concordo. E continuo a não compreender porque é que o aconselhamento não deverá ser obrigatório. Já alguma vez viram alguém a fazer um aborto (nos hospitais mesmo, como se vai fazer aqui, sim!). É algo que deixa marcas...

sexta-feira, fevereiro 23, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Parece-me óbvio que o aborto tem de ser parcialmente pago pelas utentes do SNS, desejávelmente com base nos rendimentos, ou querem pôr taxas moderadoras? Esta perspectiva é de quem votou inequívocamente "sim", é impensável que esta prática seja financiada a 100% pelo SNS.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Concordo inteiramente!! Não queremos que o "Não" argumente que há dinheiro para abortos e não para apoio a quem quer ter! Deve haver apoio, mas também devem pagar o aborto quem tenha rendimentos elevados (e o fazia no estrangeiro) e quem o fazia clandestinamente (e havia sempre dinheiro), além disso não sendo ilegal é fortemente dissuasor. Deve ser cobrado um valor próximo do que se paga quando se vai fazer ao estrangeiro, e quem tem parcos rendimentos, ok tem desconto.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Eu votei sim mas concordo que a IVG não tenha de ser comparticipada a 100% pelo estado. Se as pessoas tinham dinheiro para pagar a abortadeiras de vão de escada então também têm para pagar pelo menos uma parte (consoante os rendimentos) ao SNS.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007  
Anonymous Anónimo said...

desculpem k vos diga mas isto é uma vergonha.......ando eu a pagar para mulheres irresponsáveis andarem a abortar pelo simples facto k kerem abortar????ja nao falta levar com o barulho á noite das pessoas k nao fazem nada na vida, ainda por cima tenho k lhes pagar os abortos pk nessa noite borracheira algo correu mal???daki a pouco estou a pagar-lhes as cervejas...tenam juizo..nao sei onde isto vai parar.....mas nao vai parar bem abraço trabalhador

sexta-feira, fevereiro 23, 2007  
Anonymous Marina said...

Gostaria de saber se o aborto medicamentoso, com misoprostol (cytotec) é legal e se este medicamento pode ser obtido sem receita médica nas farmácias da Alemanhã. Obrigada.

terça-feira, maio 31, 2011  
Anonymous Marina said...

Gostaria de saber se o aborto medicamentoso, com misoprostol (cytotec) é legal e se este medicamento pode ser obtido sem receita médica nas farmácias da Alemanhã. Obrigada.

terça-feira, maio 31, 2011  

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