quarta-feira, abril 18, 2007

O desígnio nacional

"Sócrates foi à televisão defender-se como se estivesse em tribunal. Já não o tinha feito Valentim? A diferença: um é primeiro-ministro e o outro major. Será?

Pierre Corneille escreveu que ‘os mentirosos são sempre pródigos em juras’. O pensamento (do século XVII) está perfeitamente actualizado, a avaliar pelo que se ouve e vê por aí, nos mundos da política e do futebol, que, se formos a observar bem, constituem apenas um.

O mundo das trapalhadas. O mundo da ilusão. O mundo da manipulação. O mundo da ameaça. O mundo da chantagem. O mundo das represálias. Não me interessa se o primeiro-ministro de Portugal é ou não licenciado em Engenharia. Esse título não faz dele melhor ou pior primeiro-ministro. O que me interessa saber é se o primeiro-ministro de Portugal diz ser aquilo que porventura pode não ser – ou sê-lo, conseguindo-o de uma forma subtil ou grosseiramente congeminada.

Vivemos num país de engenheiros e doutores e esse é um status que por absurdo interessa não negligenciar exactamente porque este é um país de estigmas e preconceitos, em que o indivíduo não vale pelo que é, mas por aquilo que aparenta ser. Ninguém consegue chegar tão longe quanto o Luiz Pacheco, que diz não conhecer Sócrates. O caso da licenciatura do primeiro-ministro só tem importância na medida em que a credibilidade das pessoas se mede através daquilo que dizem e fazem. E se o que dizem não corresponde à realidade e se aquilo que proclamam não tem sustentação prática, então há lugar ao descrédito e, no caso da política, a sanção (no limite) à boca das urnas.

No futebol, também se levantou a dúvida em redor da (não) licenciatura de Pimenta Machado e muitas foram as estórias que correram em redor da patente de major de Valentim Loureiro. Alguém no V. Guimarães ou no Boavista ou ainda na Liga se preocupou com isso? Recordo-me que, em certo momento, Luís Filipe Vieira ficou muito irritado comigo porque escrevi num certo contexto – aquelas palavras exageradas que os dirigentes desportivos costumam utilizar... – que um dos seus problemas era de falta de classe. Ou que era um homem de quarta classe.

Hoje, ele convive melhor com a sua realidade académica, mas não é o facto de não ter passado da primária que faz dele – consoante as ópticas – um bom ou mau presidente do Benfica. A classe não se ensina. Ou se tem ou não se tem. O chico-espertismo é igual ao zé-espertismo. Ou ao filipe-vieirismo. Não tem diferença. E Luís Filipe Vieira só não é ‘doutor’, em Portugal, porque se tornou demasiado óbvio que não é.

Acreditem que não se trata de nenhuma campanha. José Sócrates foi à televisão pública defender-se como se estivesse em tribunal. Já não o tinha feito Valentim Loureiro? A diferença é que um é primeiro-ministro; o outro major. Será? Uma coisa é certa: se alguma vez tivesse sido expulso do exército, Valentim Loureiro nunca utilizaria a patente para se defender publicamente.

O presidente da Metro do Porto e da Assembleia Geral da Liga, que é quase a mesma coisa, só foi à televisão pública por manifesta incompetência dos tribunais em dizer a verdade. Sempre a verdade. Ou sempre a mentira. Ou o espaço compreendido entre os nossos mundos. O mesmo Corneille dizia que “é indispensável boa memória após se haver mentido”.

...Mas se o caso da licenciatura do aluno José Sócrates não servir para mais nada senão para empolar a dúvida, ele já serviu pelo menos para o ministro Mariano Gago vir em socorro do seu ‘chefe’ e dizer que ‘voltar à escola’ é um desígnio nacional. Como foi o Euro’2004. Percebo agora por que razão o País não evoluiu e, com ele, o caso particular dos dirigentes desportivos. Falta de escola é o que é! É essa falta de escola que deve fazer com que os assessores do primeiro-ministro se achem no papel de ‘controladeiros’ da imprensa.

Afinal, não são apenas alguns directores de jornais desportivos a baixar a jiga aos presidentes e empresários da bola. Pensava que os ‘pedidos’ feitos a certas ‘criadas de servir’ eram um escândalo. ‘Mea culpa’: estamos perante uma questão de Estado. Vivemos num País de cabalas, de invejosos e mendigos. E, de resto, enganar não é o mesmo que mentir. Há quem não diga sempre a verdade, mas supõe estar a dizê-la. Apenas pude confirmar, agora, entre gagos, que o 25 de Abril trouxe e levou a liberdade de expressão. Voltámos ao teatro e às entrelinhas. E é talvez por isso que, desgraçadamente, o Salazar anda para cá e para lá.

Não dava tanto jeito, agora, voltarmos a falar de futebol, depois do que fizeram à democracia?
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Rui Santos

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