terça-feira, agosto 28, 2007

Liberdade, sempre

"Uma coisa que não se pode perdoar ao Estado Novo é ter obrigado pessoas que queriam simplesmente ser livres a terem de aderir ao PC.

Estou a ler o impressionante livro de Zita Seabra, “Foi assim”, e não consigo deixar de pensar como ainda hoje estamos a pagar o preço de tantos erros cometidos durante o século XX na vida política portuguesa. Em Portugal, há a percepção de que somos um país demasiado normal. É a velha tese dos “brandos costumes, e da homogeneidade cultural, étnica e religiosa”. Raramente, uma percepção aceite por tantos terá sido tão falsa. Tanto quanto se pode falar de normalidade, Portugal foi um país normal até ao início do século XX. A partir da revolução republicana, foi uma sucessão de “anormalidades”. Um regime, a I República, que fez uma revolução em nome da liberdade, e acabou por se tornar mais ditatorial do que a monarquia liberal (aliás, será curioso assistir ao modo como o centenário da revolução republicana, daqui a três anos, vai ser politicamente celebrado). Depois, um regime autoritário, que nunca teve a “modernidade dos totalitarismos fascistas”, e que tudo fez para impedir que a história do século XX chegasse a Portugal. Agarrou-se a uma concepção de império completamente anacrónica e tratava os portugueses como se fossem crianças sem maturidade para se governarem. O relato de Zita Seabra mais uma vez me relembrou o que era Portugal nos anos de 1960 e de 1970. É patético como é que um país europeu podia ser tão atrasado culturalmente e socialmente. A desigualdade entre homens e mulheres era ultrajante. A proibição de ler livros e ouvir musica livremente era humilhante. É importante não esquecer isto no momento em que aqui e ali se nota uma certa tendência para “entender e desculpar Salazar”. Na minha opinião, é impossível desculpar um estadista que tudo fez para recusar a liberdade e a dignidade aos seus cidadãos. E há princípios cuja importância está sempre acima das dificuldades dos contextos históricos, por mais complicados que sejam.

Depois, após a instalação da democracia pluralista, temos o Partido Comunista mais ortodoxo de toda a Europa (ainda hoje se revê na defunta União Soviética, como mostra Zita Seabra). O partido onde a maioria do eleitorado de centro-direita vota é “social-democrata”, e a quase totalidade dos seus dirigentes recusa ser de direita, tal como nega ser de esquerda (talvez procurem aquela “perfeição” que não se encontra na política). Somos o único país da União Europeia, e estou a incluir todos os novos, onde não há um confronto claro entre um partido de centro-direita e outro de centro-esquerda. Por fim, quando o próprio PS está num processo acelerado de social-democratização, continuamos com uma Constituição que aponta o “caminho para o socialismo”. Se isto é um país “normal”, então o conceito de normalidade deixou de fazer sentido. “Normais” são a Holanda, a Dinamarca, a Suécia, a Grécia, e quase todos os outros dos “vinte e sete”. Corrigiria a apreciação de Vasco Pulido Valente, na contra-capa do livro de Zita Seabra: “Foi assim” não é apenas o “livro que faltava para perceber a grande tragédia do comunismo português”; é também o livro que faz recordar a tragédia que foi o século XX português.

A primeira tragédia foi a escolha a que estavam obrigadas as elites educadas das grandes cidades: Salazar ou Cunhal. O apelo ideológico do comunismo, e do marxismo-leninismo em geral, durante a segunda metade do século XX, em Portugal, foi uma das grandes tragédias impostas aos portugueses pelo Estado Novo. Simplificando, foi Salazar que fez a força de Cunhal, e ainda estamos a pagar um preço elevado por isso. A verdadeira tragédia de Zita Seabra, e dos milhares de portugueses que seguiram o seu caminho, foi terem ido, em nome da liberdade, para uma movimento político muito mais totalitário do que o Estado Novo. Deixando agora de lado os mistérios da condição humana (como é que se explica que pessoas sérias, decentes, e bem-intencionadas fossem à União Soviética ou à China e vissem a “liberdade”?), uma coisa que não se pode perdoar ao Estado Novo é ter obrigado pessoas que queriam simplesmente ser livres a terem que aderir ao Partido Comunista. No fundo, o que “Foi assim” mostra, tal como muitos outros livros sobre a política do século XX português, é o triunfo das tradições anti-liberais em Portugal. O grande desafio para a nossa geração, durante as próximas décadas, é reverter esta tendência. Ainda há muito para fazer pela liberdade em Portugal. É por isso que é essencial que as tradições liberais se tornem mais fortes, quer no centro-esquerda, como no centro-direita
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João Marques de Almeida

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Em minha opinião, julgar as atitudes pessoais do passado recorrendo aos critérios de hoje (sabendo-se o que se sabe hoje)dá fatalmente nestes erros de apreciação. Se se procura apenas racionalidade nos comportamentos dos povos ou das pessoas comete-se outro erro. Os factos históricos não se refazem, devem apenas ser interpretados não à luz do que se conhece hoje mas das circunstâncias do tempo. Não adianta querermos que a nossa história tivesse sido outra. Foi o que foi. Tiremos disso alguma lição, se for possível.

terça-feira, agosto 28, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Z. Seabra não passa de uma oportunista que a dada altura resolveu mudar de clube (e de que maneira) para poder orientar-se, como quase todos os políticos neste País. O seu livrinho é mais uma forma de facturar e ainda por cima vitimiza-se (???). Porque se manteve lá tanto tempo? Demorou a percer que não era a sua praia!!?? Coitadinha da senhora!! Mas há mais, muitos mais. E os que estão na sombra aproveitam-se do sistema de outras maneiras. O sr articulista JMA desta vez decepcionou-me!

terça-feira, agosto 28, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Uma prosa infeliz porque repete estereótipos com um nível muito próximo de "conversa de café".. Afinal, faz-se análise diferente bem mais simples de expôr.. 1) A ditadura cerceava as liberdades e quem fosse contra os dogmas do regime era reprimido.. 2) O Partido comunista combatia a ditadura e por isso era reprimido.. 3) O combate do Partido Comunista não visava apenas o derrube da ditadura mas também conquistar o poder em exclusivo impondo a sua (a designada ditadura do protelariado).. 4) Derrubada a ditadura o Partido Comunista ficou na História por ter participado no combate pelo derrube da ditadura, mas também por não ter conseguido apoderar-se do poder e impor a sua. Isso prova que havia um universo enorme de gente que era contra a ditadura sem necessariamente ser do PC... (e destrói-se o argumento do articulista de "ou pela ditadura ou pelo PC").. *nb.: a afirmação e expressão do PC na vida política e na sociedade portuguesa não eram muito dferentes de outros PC's da Europa do sul nomeadamente da Itália e da França em que tinham larguissima votação nas décadas de 60 / 70 e 80..

terça-feira, agosto 28, 2007  

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