segunda-feira, outubro 01, 2007

UM PORTUGUÊS EM NOVA IORQUE

"A fim de legitimar a sua ecológica intervenção nas Nações Unidas, o eng. Sócrates lembrou à Assembleia Geral que "os cientistas já falaram" sobre as emissões de CO2 e as terríveis consequências das alterações climáticas. Os cientistas, de facto, são uns tagarelas. O problema é não dizerem coisa com coisa. Há os que juram a influência do Homem no aquecimento global, os que afirmam a irrelevância do Homem no aquecimento global, os que garantem a inexistência do aquecimento global, os que provam a trivialidade do aquecimento global, os que prevêem o fim do mundo para meados de Novembro, os que prevêem o arrefecimento da Terra, os que se riem das previsões e os que criticam as opções de Camacho para a ala direita do Benfica.

À semelhança do que faz o estadista contemporâneo médio, o eng. Sócrates liga somente às vozes catastrofistas. Compreende-se, já que as restantes não favorecem oratórias grandiloquentes, com exortações da vontade colectiva e genérica pose de senhor da Europa. Infelizmente para o primeiro-ministro, nem assim alguém prestou atenção aos importantíssimos lugares comuns que debitou na ONU: em Nova Iorque e no mundo, os espectadores limitaram-se a acompanhar com um sorriso a sua peculiar competência da língua inglesa.

Não é uma atitude bonita. É evidente que, por comparação, o eng. Sócrates faz Mourinho parecer a rainha Isabel II. Aliás, são públicas as dificuldades que o governante sentiu na disciplina em causa, concluída em horário pós-laboral e à distância. E depois? Principalmente em Portugal, há um orgulho provinciano na alegada vocação do indígena para o domínio do inglês, que nos leva a gozar com o sotaque dos espanhóis mas não nos leva a ler Swift ou Twain no original. No máximo, ajuda-nos a indicar direcções a turistas, tarefa que provavelmente não compete ao chefe do Governo.

Ignoradas as más-línguas, o eng. Sócrates mostrou enorme coragem, e uma saudável sobranceria, ao exibir na sede da ONU o seu abundante desprezo por linguajares estrangeiros. A atitude acabou por ser uma subtil afirmação patriótica, cuja única maçada foi, repito, o conteúdo do discurso não ter sido percebido ou, o que é pior, ter sido percebido ao contrário. Quando, por exemplo, o eng. Sócrates exigiu às autoridades da Birmânia que respeitassem os direitos humanos, as autoridades da Birmânia desataram imediatamente a matar manifestantes. E as emissões de CO2 ainda não baixaram, o que decerto sucederia abruptamente caso o eng. Sócrates usasse o português e confiasse na tradução. Mas mais CO2, menos birmanês, valeu a pena.
"

Alberto Gonçalves

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