Uma verdade inconveniente?
"Há quem seja pessimista e aponte uma via de “declínio do dólar” (ou, até, de um ‘disappearing dollar’), como Stephen S. Roach.
A “moeda única europeia” entrou em circulação a 1 de Janeiro de 2002, momento em que o euro cotou a 0.9038 por dólar. Cerca de seis anos e dez meses depois, o euro atingia o valor máximo histórico de 1.4299, após uma evolução anual quase sempre ascendente (só interrompida ao longo de 2005) e que se salda numa perda global do dólar estimada como superior a 50%. Um tema que, por razões óbvias ligadas ao estatuto de principal moeda internacional de reserva detido pelo dólar e à importância das economias assim intrinsecamente sob avaliação, não tem deixado de estar permanentemente na ordem do dia.
Quando terminava aquele único e paradoxal período de excepção, o prestigiado economista Paul de Grauwe (Universidade de Lovaina) escreveu: “A história honesta sobre o porquê de o dólar ter valorizado no último ano é que simplesmente não sabemos. Mas não gostamos de admitir que não sabemos. A nossa psique abomina a escuridão da ignorância. É por isso que os serviços de analistas continuam a ser procurados. Eles preenchem uma necessidade psicológica de compreender. Nestes dias, a economia das taxas de câmbio satisfaz esta necessidade contando uma nova história de cada vez que o dólar sobe ou desce.”
Será que “é isso aí”? Pelo menos, uma coisa é certa: existindo embora alguma pujança no que os especialistas designam por “fundamentais” – no caso, sobretudo, a fortíssima pressão sobre o dólar decorrente do carácter gigantesco e crescente do défice de transacções correntes e da dívida dos EUA –, ninguém tem sido capaz de continuadamente explicar/prever com rigor o desenlace pontual ou potencial do complexo jogo de factores que vai determinando o “quanto” e o “quando” dos sucessivos comportamentos relativos das duas ‘currencies’.
Ilustre-se com os dias que correm. Para uns, sublinhando serem as taxas de câmbio medidas dos preços relativos das economias, a tendência acima reportada parece resultar incompreensível ao não reflectir qualquer evidência conhecida de diferencial de desempenho entre as economias americana e europeia. Para outros, mais críticos em relação ao funcionamento e estado de desregulação dos actuais mercados financeiros, a culpa parece facilmente localizável do lado da especulação e do ‘trading’. Entre aquelas leituras intrigadas e estas certezas apressadas, muitos são os demais que se centram em questões determinantes que relevam da ordem internacional, do papel nela dominante do dólar e da política económica e monetária dos EUA.
Mas, entre todos estes, pouco fica também claro. Por um lado, há quem seja pessimista e aponte uma via de “declínio do dólar” (ou, até, de um ‘disappearing dollar’), como Stephen S. Roach: “Em relação ao resto do mundo, os EUA apresentam-se dolorosamente ‘subprime’. Tal como a sua moeda.”; nesta linha, certos pontos de vista focam-se numa responsabilização dos países que têm insistido em manter artificialmente os seus cursos cambiais face à moeda americana, com destaque para o mercantilismo do ‘dollar peg’ da China e o “novo-riquismo” dos grandes exportadores de petróleo, enquanto outros salientam os riscos (nomeadamente de recessão, mas também de inflação) e armadilhas (nomeadamente quanto às possíveis repercussões sobre o financiamento externo dos EUA das sanções comerciais que se querem impor politicamente à China como forma de a pressionar a uma revalorização do yuan) de qualquer correcção desordenada dos arranjos globais que têm vindo a sustentar a situação em presença. Por outro lado, há quem seja optimista, como Martin Feldstein quando saúda como ‘good for America’ o início de uma correcção “tão longamente esperada” no sentido de um dólar mais competitivo que poderá conduzir a um aumento das exportações e a um desvio do consumo para bens domésticos, assim contribuindo para uma recuperação do défice comercial, favorecendo o crescimento e o emprego e ajudando a um ajustamento gradual dos desequilíbrios que ameaçam a economia mundial.
Em que ficamos, perguntar-se-á? Talvez a resposta seja mesmo a não-resposta inicial: não sabemos. O que não significa que só sabemos que não sabemos, porque o resto que sabemos pode ser de grande utilidade na construção de uma Europa mais autónoma e afirmativa no contexto internacional. Se o senhor Trichet deixar e/ou se a política quiser, claro…"
Fernando Freire de Sousa
A “moeda única europeia” entrou em circulação a 1 de Janeiro de 2002, momento em que o euro cotou a 0.9038 por dólar. Cerca de seis anos e dez meses depois, o euro atingia o valor máximo histórico de 1.4299, após uma evolução anual quase sempre ascendente (só interrompida ao longo de 2005) e que se salda numa perda global do dólar estimada como superior a 50%. Um tema que, por razões óbvias ligadas ao estatuto de principal moeda internacional de reserva detido pelo dólar e à importância das economias assim intrinsecamente sob avaliação, não tem deixado de estar permanentemente na ordem do dia.
Quando terminava aquele único e paradoxal período de excepção, o prestigiado economista Paul de Grauwe (Universidade de Lovaina) escreveu: “A história honesta sobre o porquê de o dólar ter valorizado no último ano é que simplesmente não sabemos. Mas não gostamos de admitir que não sabemos. A nossa psique abomina a escuridão da ignorância. É por isso que os serviços de analistas continuam a ser procurados. Eles preenchem uma necessidade psicológica de compreender. Nestes dias, a economia das taxas de câmbio satisfaz esta necessidade contando uma nova história de cada vez que o dólar sobe ou desce.”
Será que “é isso aí”? Pelo menos, uma coisa é certa: existindo embora alguma pujança no que os especialistas designam por “fundamentais” – no caso, sobretudo, a fortíssima pressão sobre o dólar decorrente do carácter gigantesco e crescente do défice de transacções correntes e da dívida dos EUA –, ninguém tem sido capaz de continuadamente explicar/prever com rigor o desenlace pontual ou potencial do complexo jogo de factores que vai determinando o “quanto” e o “quando” dos sucessivos comportamentos relativos das duas ‘currencies’.
Ilustre-se com os dias que correm. Para uns, sublinhando serem as taxas de câmbio medidas dos preços relativos das economias, a tendência acima reportada parece resultar incompreensível ao não reflectir qualquer evidência conhecida de diferencial de desempenho entre as economias americana e europeia. Para outros, mais críticos em relação ao funcionamento e estado de desregulação dos actuais mercados financeiros, a culpa parece facilmente localizável do lado da especulação e do ‘trading’. Entre aquelas leituras intrigadas e estas certezas apressadas, muitos são os demais que se centram em questões determinantes que relevam da ordem internacional, do papel nela dominante do dólar e da política económica e monetária dos EUA.
Mas, entre todos estes, pouco fica também claro. Por um lado, há quem seja pessimista e aponte uma via de “declínio do dólar” (ou, até, de um ‘disappearing dollar’), como Stephen S. Roach: “Em relação ao resto do mundo, os EUA apresentam-se dolorosamente ‘subprime’. Tal como a sua moeda.”; nesta linha, certos pontos de vista focam-se numa responsabilização dos países que têm insistido em manter artificialmente os seus cursos cambiais face à moeda americana, com destaque para o mercantilismo do ‘dollar peg’ da China e o “novo-riquismo” dos grandes exportadores de petróleo, enquanto outros salientam os riscos (nomeadamente de recessão, mas também de inflação) e armadilhas (nomeadamente quanto às possíveis repercussões sobre o financiamento externo dos EUA das sanções comerciais que se querem impor politicamente à China como forma de a pressionar a uma revalorização do yuan) de qualquer correcção desordenada dos arranjos globais que têm vindo a sustentar a situação em presença. Por outro lado, há quem seja optimista, como Martin Feldstein quando saúda como ‘good for America’ o início de uma correcção “tão longamente esperada” no sentido de um dólar mais competitivo que poderá conduzir a um aumento das exportações e a um desvio do consumo para bens domésticos, assim contribuindo para uma recuperação do défice comercial, favorecendo o crescimento e o emprego e ajudando a um ajustamento gradual dos desequilíbrios que ameaçam a economia mundial.
Em que ficamos, perguntar-se-á? Talvez a resposta seja mesmo a não-resposta inicial: não sabemos. O que não significa que só sabemos que não sabemos, porque o resto que sabemos pode ser de grande utilidade na construção de uma Europa mais autónoma e afirmativa no contexto internacional. Se o senhor Trichet deixar e/ou se a política quiser, claro…"
Fernando Freire de Sousa
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