segunda-feira, novembro 12, 2007

O FEITIÇO DO TEMPO

"A propósito do debate do Orçamento na AR, a pequenina parte do País que liga a semelhantes coisas entregou-se a três dos seus passatempos predilectos: criar expectativas em volta das intervenções de Santana, contemplar as intervenções de Santana, demolir as intervenções de Santana. A demolição percebe-se, dado que Santana é exímio na retórica "apaixonada" e vazia. Não se percebem as expectativas, já que o homem sempre foi assim. Por mais que cada aparição sua evoque a profundidade reflexiva de um anúncio a Corn Flakes, nunca falta quem aguarde da aparição seguinte o equivalente contemporâneo do Discurso de Gettysburg. Esta capacidade de fazer uma inexplicável pompa preceder o vazio garantido será, possivelmente, o único talento de Santana. Para cúmulo, é um talento inútil: na prática, permite-lhe ser enxovalhado pelo eng. Sócrates, que não está distante dos Corn Flakes mas pelo menos decora o que lhe ensinam. Além de um sintoma ligeiramente aflitivo do estado do regime, o muito antecipado confronto do primeiro-ministro com Santana resultou no despique entre dois entertainers fraquinhos, um ensaiadíssimo, o outro em roda livre rumo ao típico desastre. No primeiro dia, Santana ignorou o seu próprio relógio e gastou os cinco minutos disponíveis sem proferir uma frase digna de integrar a acta. No segundo dia, ignorou o relógio da AR e, em plena discussão, já saltitava no gabinete (alegadamente a atender telefonemas de felicitações) e nos corredores (comprovadamente a falar às televisões e a felicitar-se a si mesmo por ter discursado sem cábula). À custa das fatais trapalhadas, Santana conseguiu eclipsar o verdadeiro apogeu cómico do debate e da cobertura do debate, protagonizado por Teixeira dos Santos, quando prometeu não descer os impostos até 2010, pelos comentadores que logo lhe elogiaram a recusa de eleitoralismos fáceis, e novamente por Teixeira dos Santos, quando esclareceu que, afinal, os impostos talvez desçam para o ano. Consta que, pelo meio, Santana chamara "aldrabão" ao titular das Finanças. Por azar, foi a pretexto de outro assunto qualquer. Descontados os excessos de linguagem, Santana, para usar o seu lema, continua a ter razão antes do tempo. Depois vem o tempo, a razão perde-se e Santana também. "

Alberto Gonçalves

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