sábado, dezembro 01, 2007

Cuidado com o bipartidarismo.

"O PS e o PSD são espelhos um do outro, com os mesmos vícios, os mesmos tiques e, quase sempre, as mesmas clientelas.

O acordo que PS e PSD alcançaram esta semana vai provocar uma pequena revolução na gestão municipal em todo o país e levanta questões muito perigosas. O acordo em si não é especialmente grave e até é provável que agilize a gestão das câmaras municipais. Mas convém que ninguém esqueça que há câmaras monopartidárias a funcionar mal e que são antros de corrupção e de empregos das “jotas”, e que há câmaras que funcionam bem em coligação e onde o ‘check and balance’ das várias forças impede abusos de poder e desvarios orçamentais. No deve e haver deste acordo admito, empiricamente, que haja mais a ganhar do que a perder. Não me choca que quem ganhe uma câmara tenha maioria de vereadores se, de facto, a Assembleia Municipal tiver poderes acrescidos de fiscalização e de contrapoder.

Mas, infelizmente, tenho a certeza de que em muitas câmaras municipais este acordo vai servir, unicamente, para dar maioria absoluta a quem não a conseguiu nem a mereceu nas urnas. E isso levanta uma questão de fundo, porque o “adn” do nosso sistema político assenta na proporcionalidade. E não foi por acaso que isso aconteceu quando se desenhou o nosso sistema político. Existe um problema de governabilidade em algumas câmaras do país. Mas os verdadeiros problemas do poder autárquico são outros. E são muito mais profundos: corrupção, eternização de cliques, gestão de eleitorado e clientelas locais, aposta em infra-estrutras sem qualquer viabilidade, mau uso de fundos comunitários, criação de emprego sem sustentabilidade, promoção de investimentos duvidosos e uma total dependência do “imobiliário”. E não acredito que nada disto mude com uma gestão “monocolor”.

Esta questão é um pouco como a da redução do número de deputados à Assembleia da República. Por vezes, há quem pense que todos os problemas da nossa democracia se resumem ao facto de termos 230 deputados. Esta ideia é tonta, errada e inútil. Nós já tivemos 250 deputados e não foi por reduzirmos duas dezenas que o Parlamento melhorou muito, que a nossa democracia ficou pujante ou que o Orçamento de Estado tenha sentido algum alívio. A redução de deputados teve apenas dois efeitos: ficámos com menos deputados inúteis e ajudamos o PS e o PSD a formarem maiorias absolutas. Nada mais. Cada vez que se reduz o número de deputados, a possibilidade de CDS, PCP ou Bloco de Esquerda elegerem parlamentares reduz-se. Há pessoas que não encontram nenhum mal nisso. Mas eu acho que o bipartidarismo é um enorme perigo para Portugal por uma razão simples: o PS e o PSD são espelhos um do outro, com os mesmos vícios, os mesmos tiques e, quase sempre, as mesmas clientelas.

O ‘labour’ e os conservadores ingleses têm mais diferenças num só dia que o PS e o PSD num mês inteiro. Se olharmos para França, onde o sistema eleitoral também favorece o bipartidarismo, as diferenças são ainda maiores. A questão que coloco, pode parecer presunçosa, mas é, para mim, preocupante: Portugal tem alguma vantagem em reduzir as possibilidades de partidos mais pequenos estarem representados em executivos municipais ou no Parlamento? Sinceramente, acho que não. O bipartidarismo é, por si só, redutor mas há muitos países (como o Reino Unido ou os EUA) que se governam bem assim e que são, desde a sua génese, democracias liberais no sentido total do termo. Mas o bipartidarismo em Portugal dificilmente será isso
."

Ricardo Costa

Etiquetas:

Divulgue o seu blog!