HISTÓRIA CONTA-NOS ELE
"Toda a gente já sabe o que pesou na rejeição do referendo ao Tratado Europeu, perdão, de Lisboa: o eng. Sócrates decidiu-se pela "ética da responsabilidade", a responsabilidade "perante os interesses do país, perante a Europa, perante a História". E perante, provavelmente, a própria essência da espécie humana, que estaria em risco se, daqui a meses, uns trinta por cento de portugueses fossem com fastio às urnas. Nesta perspectiva, é curioso que o eng. Sócrates apenas tenha tomado uma decisão à última hora, após cinco ou seis intensas reflexões, dois ou três telefonemas para a Europa que manda e uma consulta ao horóscopo chinês. De facto, saiu nalguns jornais que, dois dias antes da escolha definitiva, a "a mais forte inclinação do primeiro-ministro" tombava para o referendo. Ou seja, na quarta-feira o eng. Sócrates constitui-se porta-voz da responsabilidade ética, da ética responsável ou lá o que é; na segunda-feira, aparentemente ponderava seguir pela via da irresponsabilidade, do desleixo e da anarquia generalizada. Como ele reconhece, esta alternativa até era "mais conveniente para o Governo". Ai era? O eng. Sócrates admite que, ao Governo, "nada viria mais a calhar" do que "centrar o debate político" na campanha para o referendo, supõe-se que para evitar assuntos menos agradáveis. Mas quais assuntos? Diariamente, o Governo congratula-se com os seus fulgurantes sucessos em matéria de emprego, orçamento, crescimento económico, reforma da administração pública e modernização tecnológica. Se o Governo não mente ou não endoideceu, melhor é impossível. Só uma doentia modéstia explica que queira desviar atenções de tamanha série de conquistas. A fim de adensar o mistério, o eng. Sócrates também dispensou o referendo à conta do "consenso alargado na sociedade portuguesa quanto ao projecto europeu e ao Tratado de Lisboa". Dado que uma tese anterior sugeria que o Tratado era demasiado complexo para que o povo o percebesse, o eng. Sócrates presume que os portugueses apoiam sempre aquilo que não percebem. A avaliar pela popularidade do Governo nas sondagens, a presunção é razoável."
Alberto Gonçalves
Alberto Gonçalves
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