Ilusões e convicções
"Já não há dúvida, a crise económica está no ar. Só falta medir a força com que se instalará nos Estados Unidos e os estragos que vai causar. Aos portugueses a notícia soa estranha: outra vez a crise?! Mas se ainda não se foi embora? É verdade: enquanto o mundo atravessava um ciclo de prosperidade sem paralelo, Portugal viveu um longo período afogado pelo défice e pela carestia de investimento público e privado.
Os números são claros: desde 2004, a economia mundial registou crescimentos superiores a 5%. Apenas na década de 60 se assistiu a um tão longo período de bem estar. Nessa altura, contudo, só uma parte dos povos beneficiou desta criação de riqueza: dois terços encontravam-se excluídos dela. Em 2007 já não foi assim. Apesar do final de ano perturbado pelas hipotecas lixo americanas, 120 países registaram crescimentos superiores a 4%. Até Portugal começou a mostrar os dentes, a acreditar que ia virar a página.
Não vai. Não para já. A derrocada nas bolsas mundiais não foi um súbito ataque de histeria provocado pelos especuladores gananciosos. Foi o sinal de que a recessão mordeu os Estados Unidos e provocará vítimas. Isso mesmo: as notícias da independência da economia mundial face ao motor americano eram, afinal, exageradas. Uma constipação nos EUA ainda tem força para provocar uma pneumonia global. O famoso ‘decoupling’ não existe. A UE e a América vivem de braço dado: contabilizando serviços e bens, este bloco é responsável pela maior fatia das trocas comerciais planetárias. China e Índia juntaram-se aos tenores, mas o ritmo continua a ser marcado pelo eixo Atlântico.
O governador do Banco de Portugal já tinha sublinhado os riscos. Ontem, Constâncio deixou-o ainda mais claro: a previsão de crescimento para 2008 pode ser revista em baixa nalgumas décimas. A notícia não podia ser pior: num país pobre, as migalhas – as décimas – contam. É verdade: não será uma crise aguda, a economia não vai parar, além disso a folga orçamental – 2007 talvez seja o ano com o défice público mais baixo desde 1981 – abre espaço para o investimento público compensar o recuo dos privados. Mas não será fácil.
Com o acesso ao crédito dificultado pelos bancos – que se protegem da crise –, as pequenas e médias empresas (97% do total) estão sem margem para crescer. Sobram as grandes empresas e o Estado. Ou seja, o optimismo não é um teimosia de Sócrates: é uma obrigação para segurar as expectativas. Mas é preciso mais para criar emprego. As reformas têm de continuar. É tempo de convicções, não de ilusões. O momento é grave. E difícil. "
André Macedo
Os números são claros: desde 2004, a economia mundial registou crescimentos superiores a 5%. Apenas na década de 60 se assistiu a um tão longo período de bem estar. Nessa altura, contudo, só uma parte dos povos beneficiou desta criação de riqueza: dois terços encontravam-se excluídos dela. Em 2007 já não foi assim. Apesar do final de ano perturbado pelas hipotecas lixo americanas, 120 países registaram crescimentos superiores a 4%. Até Portugal começou a mostrar os dentes, a acreditar que ia virar a página.
Não vai. Não para já. A derrocada nas bolsas mundiais não foi um súbito ataque de histeria provocado pelos especuladores gananciosos. Foi o sinal de que a recessão mordeu os Estados Unidos e provocará vítimas. Isso mesmo: as notícias da independência da economia mundial face ao motor americano eram, afinal, exageradas. Uma constipação nos EUA ainda tem força para provocar uma pneumonia global. O famoso ‘decoupling’ não existe. A UE e a América vivem de braço dado: contabilizando serviços e bens, este bloco é responsável pela maior fatia das trocas comerciais planetárias. China e Índia juntaram-se aos tenores, mas o ritmo continua a ser marcado pelo eixo Atlântico.
O governador do Banco de Portugal já tinha sublinhado os riscos. Ontem, Constâncio deixou-o ainda mais claro: a previsão de crescimento para 2008 pode ser revista em baixa nalgumas décimas. A notícia não podia ser pior: num país pobre, as migalhas – as décimas – contam. É verdade: não será uma crise aguda, a economia não vai parar, além disso a folga orçamental – 2007 talvez seja o ano com o défice público mais baixo desde 1981 – abre espaço para o investimento público compensar o recuo dos privados. Mas não será fácil.
Com o acesso ao crédito dificultado pelos bancos – que se protegem da crise –, as pequenas e médias empresas (97% do total) estão sem margem para crescer. Sobram as grandes empresas e o Estado. Ou seja, o optimismo não é um teimosia de Sócrates: é uma obrigação para segurar as expectativas. Mas é preciso mais para criar emprego. As reformas têm de continuar. É tempo de convicções, não de ilusões. O momento é grave. E difícil. "
André Macedo
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