Ser sério em política
"A proibição da quebra de promessas eleitorais assenta numa ética da convicção que não tem em conta a ética da responsabilidade.
A moção de censura ao Governo apresentada pelo Bloco de Esquerda na semana passada não teve qualquer repercussão porque era politicamente inócua. No entanto, o debate que ela lançou é interessante e, mais do que isso, extremamente relevante para a nossa avaliação da acção dos agentes políticos.
O BE censurava a José Sócrates o facto de não ter cumprido o compromisso pré e pós -eleitoral de referendar o novo Tratado europeu. Como, de acordo com o argumento apresentado pelo BE, o conteúdo do Tratado Constitucional é sensivelmente idêntico ao do Tratado de Lisboa, o primeiro-ministro deveria aceitar o referendo em vez da ratificação parlamentar agora proposta. Mas, como salientou Francisco Louçã na Assembleia da República, a censura ao Governo era mais alargada e tinha a ver com a quebra de outros compromissos eleitorais. A questão central era a do “valor da palavra dada”, ou seja, a da seriedade em política.
Mas o que significa, afinal de contas, ser sério em política? De acordo com o discurso de Louçã, a seriedade política consiste no respeito estrito pelos compromissos eleitorais. Os agentes políticos estabelecem um pacto com os eleitores e é numa base de confiança nesse pacto que estes votam. O valor da verdade é aqui primacial. Quando e sempre que os eleitos não cumprem os seus compromissos não estão a ser sérios.
Note-se que esta posição contrasta com aquela que tem sido defendida ultimamente por muitos, incluindo no Bloco de Esquerda, a propósito de um outro tema. Estou a pensar no recuo do Governo em relação à localização do novo aeroporto. Também aqui havia um compromisso com os eleitores e esse compromisso foi quebrado. Mas, como salientou esta semana o Presidente da República, a nova solução encontrada para a localização do aeroporto tornou-se agora consensual entre os técnicos. Portanto, mais vale mudar de opinião e não cumprir um compromisso anteriormente assumido do que cumpri-lo persistindo no erro.
A vida política, tal como a vida em geral, tem muitos elementos de imprevisibilidade. Se, por exemplo, a crise em curso nos mercados financeiros precipitar uma recessão mundial, deverá o Governo atar as suas próprias mãos em relação ao que pode fazer para minorar os seus efeitos, apenas em nome de compromissos passados? Parece-me que não. Trata-se de uma questão de bom senso, mas também de uma visão correcta sobre a relação entre princípios éticos e acção política.
A ideia de que nunca se pode deixar de cumprir os compromissos para com os eleitores, ou de que isso revela sempre falta de seriedade política, releva de uma perspectiva ética de carácter absoluto, baseada numa regra – “o valor da palavra dada” – que não conhece excepções e que não atende às consequências da decisão política em cada momento considerado. Trata-se de uma perspectiva que os filósofos designam por “estritamente deontológica” ou “anti-consequencialista”.
Por outras palavras: a proibição da quebra de promessas eleitorais assenta numa ética da convicção (baseada em princípios absolutos) que não tem em conta a ética da responsabilidade (o cálculo das consequências). Ora, como já salientava Max Weber, se a política sem convicção perde a alma, a política da convicção pura só pode conduzir ao desastre. Quem vive apenas em função das convicções não deve dedicar-se à política.
Assim, discordo de Francisco Louçã quando ele afirma que a mudança de opinião em relação ao Tratado de Lisboa – como em relação ao aeroporto – seja um sintoma de falta de seriedade política. Pelo contrário, é necessário que os agentes políticos sejam capazes de mudar de opinião quando as circunstâncias o impõem. No entanto, é imprescindível que essas mudanças de opinião sejam claramente justificadas em função do interesse colectivo, com razões suficientemente fortes para se sobreporem à promessa anterior. Foi isso que faltou nos casos em apreço. Ou seja, a capacidade e a coragem para dizer que houve uma mudança de opinião, mas que essa mudança se deu pelas melhores razões – como julgo ter sido o caso – e não por mero oportunismo político. Quando um agente político muda de opinião deve dizê-lo publicamente e deve estar disposto a pagar o preço dessa mudança."
João Cardoso Rosas
A moção de censura ao Governo apresentada pelo Bloco de Esquerda na semana passada não teve qualquer repercussão porque era politicamente inócua. No entanto, o debate que ela lançou é interessante e, mais do que isso, extremamente relevante para a nossa avaliação da acção dos agentes políticos.
O BE censurava a José Sócrates o facto de não ter cumprido o compromisso pré e pós -eleitoral de referendar o novo Tratado europeu. Como, de acordo com o argumento apresentado pelo BE, o conteúdo do Tratado Constitucional é sensivelmente idêntico ao do Tratado de Lisboa, o primeiro-ministro deveria aceitar o referendo em vez da ratificação parlamentar agora proposta. Mas, como salientou Francisco Louçã na Assembleia da República, a censura ao Governo era mais alargada e tinha a ver com a quebra de outros compromissos eleitorais. A questão central era a do “valor da palavra dada”, ou seja, a da seriedade em política.
Mas o que significa, afinal de contas, ser sério em política? De acordo com o discurso de Louçã, a seriedade política consiste no respeito estrito pelos compromissos eleitorais. Os agentes políticos estabelecem um pacto com os eleitores e é numa base de confiança nesse pacto que estes votam. O valor da verdade é aqui primacial. Quando e sempre que os eleitos não cumprem os seus compromissos não estão a ser sérios.
Note-se que esta posição contrasta com aquela que tem sido defendida ultimamente por muitos, incluindo no Bloco de Esquerda, a propósito de um outro tema. Estou a pensar no recuo do Governo em relação à localização do novo aeroporto. Também aqui havia um compromisso com os eleitores e esse compromisso foi quebrado. Mas, como salientou esta semana o Presidente da República, a nova solução encontrada para a localização do aeroporto tornou-se agora consensual entre os técnicos. Portanto, mais vale mudar de opinião e não cumprir um compromisso anteriormente assumido do que cumpri-lo persistindo no erro.
A vida política, tal como a vida em geral, tem muitos elementos de imprevisibilidade. Se, por exemplo, a crise em curso nos mercados financeiros precipitar uma recessão mundial, deverá o Governo atar as suas próprias mãos em relação ao que pode fazer para minorar os seus efeitos, apenas em nome de compromissos passados? Parece-me que não. Trata-se de uma questão de bom senso, mas também de uma visão correcta sobre a relação entre princípios éticos e acção política.
A ideia de que nunca se pode deixar de cumprir os compromissos para com os eleitores, ou de que isso revela sempre falta de seriedade política, releva de uma perspectiva ética de carácter absoluto, baseada numa regra – “o valor da palavra dada” – que não conhece excepções e que não atende às consequências da decisão política em cada momento considerado. Trata-se de uma perspectiva que os filósofos designam por “estritamente deontológica” ou “anti-consequencialista”.
Por outras palavras: a proibição da quebra de promessas eleitorais assenta numa ética da convicção (baseada em princípios absolutos) que não tem em conta a ética da responsabilidade (o cálculo das consequências). Ora, como já salientava Max Weber, se a política sem convicção perde a alma, a política da convicção pura só pode conduzir ao desastre. Quem vive apenas em função das convicções não deve dedicar-se à política.
Assim, discordo de Francisco Louçã quando ele afirma que a mudança de opinião em relação ao Tratado de Lisboa – como em relação ao aeroporto – seja um sintoma de falta de seriedade política. Pelo contrário, é necessário que os agentes políticos sejam capazes de mudar de opinião quando as circunstâncias o impõem. No entanto, é imprescindível que essas mudanças de opinião sejam claramente justificadas em função do interesse colectivo, com razões suficientemente fortes para se sobreporem à promessa anterior. Foi isso que faltou nos casos em apreço. Ou seja, a capacidade e a coragem para dizer que houve uma mudança de opinião, mas que essa mudança se deu pelas melhores razões – como julgo ter sido o caso – e não por mero oportunismo político. Quando um agente político muda de opinião deve dizê-lo publicamente e deve estar disposto a pagar o preço dessa mudança."
João Cardoso Rosas
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