A PRETO E PRETO
"Sempre que leio uma referência elogiosa à "negritude" de Barack Obama (e leio 40 por dia), lembro-me de Caetano Veloso na Casa de Serralves, há uns meses, a descrever a primeira vez em que, garoto, foi a Salvador da Baía. Era Carnaval e ele nunca havia visto tanta gente junta. Caetano sublinhou "gente": à época, disse, Salvador era habitado por pessoas, indistintas e inclassificáveis. Não mais. Hoje, é lugar de tantos por cento de negros, tantos por cento de índios, tantos por cento de brancos, uma catalogação que o cantor lamenta e cuja origem atribui à assimilação brasileira dos "estudos raciais" norte-americanos consagrados no final da década de 1960. Não por acaso, o apogeu dos estudos sucedeu ao período em que Lyndon Johnson realizou brutais avanços em prol da igualdade racial. Garantida, por lei, a igualdade, o ócio académico voltou-se para a consciência da "diferença". Ou, se quisermos concordar com Caetano, para a perpetuação indirecta do racismo.
Para exemplificar o seu ponto, Caetano Veloso invocou Obama, que meio mundo afirma ser o primeiro preto com hipóteses de chegar a presidente dos EUA, e perguntou: preto porquê? De facto, porquê? Obama é descendente de quenianos e de irlandeses, e se há milhões de análises à sua penetração eleitoral nos "african-american", não li sequer uma equivalente acerca dos "irish-american". Para efeitos de consumo, as raízes europeias foram amputadas à identidade do homem. Homem, vírgula: meio, que é caminho andado para não ser nenhum. A culpa não será dele, mas a verdade é que, entre o senso comum, Obama está reduzido a um símbolo e a uma cor, a cor que o paternalismo vigente não hesita em considerar prioritária.
Sabem quem, antes do "politicamente correcto" tomava uma só gota de sangue africano pelo todo, na presunção de que o sangue "negro" contamina, "suja" e define? Exacto: os esclavagistas. Os quais continuam activos, com profissões novas, improvável aspecto e, acredito, as melhores das intenções. "
Alberto Gonçalves
Para exemplificar o seu ponto, Caetano Veloso invocou Obama, que meio mundo afirma ser o primeiro preto com hipóteses de chegar a presidente dos EUA, e perguntou: preto porquê? De facto, porquê? Obama é descendente de quenianos e de irlandeses, e se há milhões de análises à sua penetração eleitoral nos "african-american", não li sequer uma equivalente acerca dos "irish-american". Para efeitos de consumo, as raízes europeias foram amputadas à identidade do homem. Homem, vírgula: meio, que é caminho andado para não ser nenhum. A culpa não será dele, mas a verdade é que, entre o senso comum, Obama está reduzido a um símbolo e a uma cor, a cor que o paternalismo vigente não hesita em considerar prioritária.
Sabem quem, antes do "politicamente correcto" tomava uma só gota de sangue africano pelo todo, na presunção de que o sangue "negro" contamina, "suja" e define? Exacto: os esclavagistas. Os quais continuam activos, com profissões novas, improvável aspecto e, acredito, as melhores das intenções. "
Alberto Gonçalves
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