Sem apito
"Completam-se amanhã 35 dias desde que Vítor Constâncio falou com os accionistas do BCP e lhes recomendou que deixassem cair a lista de Filipe Pinhal.
Quem esteve na reunião ficou com a sensação de que uma parte dos accionistas já tinha cozinhado a alternativa Santos Ferreira, mas isso são águas passadas e o país até já se pacificou com o método – afinal, a eleição de uma administração é um problema dos accionistas e a solução até foi a mais prudente. O que não pode cair no esquecimento é a lentidão com que o Banco de Portugal está a resolver o assunto.
Já lá vai mais de um mês e nada. As conclusões da investigação continuam por chegar a bom porto. Nem sequer há data para que o inquérito seja tornado público. É verdade: Constâncio foi ao Parlamento e safou-se bem. Foi claro, enxuto, disse o que queria – nem uma palavra a mais – e aproveitou a incontinência verbal dos deputados, incapazes de fazer uma pergunta com princípio, meio e fim. Acontece que ultrapassar os deputados não chega. Se a 21 de Dezembro o governador já tinha informação para inibir informalmente Filipe Pinhal, então não se compreende que hoje ainda não tenha produzido uma única conclusão sobre o processo – aproveitando, também, para explicar o que fez (e quando) para apurar a verdade.
Este não é um detalhe qualquer. Uma das justificações mais ocas que Constâncio deu para explicar a incapacidade para apanhar os movimentos suspeitos foi a de que a administração do banco lhe teria mentido. Ou seja, o Banco de Portugal fez as perguntas certas e o BCP ocultou deliberadamente os factos. Ora bem, é insuficiente dizer que alguém no banco mentiu. Um supervisor não pode ser ingénuo: deve admitir que podem estar a mentir-lhe e que, por isso, é obrigatório virar o tapete ao contrário. Esta dúvida metódica era ainda mais obrigatória no caso do BCP. As suspeitas não eram novas, o BPI já tinha levantado dúvidas sobre os aumentos de capital. Enviar uma equipa para investigar era o mínimo a fazer. O mínimo.
Até prova em contrário, não foi o que aconteceu. O governador satisfez-se com as respostas e o assunto só renasceu quando começaram a sair as notícias nos jornais. O problema com esta passividade é simples: ficou a sensação de que o regulador não consegue garantir a transparência do mercado. Pior: que Constâncio é uma espécie de árbitro sem apito. Como é óbvio, este não é um quadro tranquilizante. No entanto, aceitar a ideia de que os bancos fazem o que querem é perigoso e injusto. Perigoso porque desacredita uma actividade fundamental que vive da confiança. Injusto porque os outros bancos – que sofreram a concorrência desleal do BCP – estão longe de ter hábitos obscuros. Infelizmente, a hesitação de Constâncio alimenta todas as dúvidas e contamina o mercado."
André Macedo
Quem esteve na reunião ficou com a sensação de que uma parte dos accionistas já tinha cozinhado a alternativa Santos Ferreira, mas isso são águas passadas e o país até já se pacificou com o método – afinal, a eleição de uma administração é um problema dos accionistas e a solução até foi a mais prudente. O que não pode cair no esquecimento é a lentidão com que o Banco de Portugal está a resolver o assunto.
Já lá vai mais de um mês e nada. As conclusões da investigação continuam por chegar a bom porto. Nem sequer há data para que o inquérito seja tornado público. É verdade: Constâncio foi ao Parlamento e safou-se bem. Foi claro, enxuto, disse o que queria – nem uma palavra a mais – e aproveitou a incontinência verbal dos deputados, incapazes de fazer uma pergunta com princípio, meio e fim. Acontece que ultrapassar os deputados não chega. Se a 21 de Dezembro o governador já tinha informação para inibir informalmente Filipe Pinhal, então não se compreende que hoje ainda não tenha produzido uma única conclusão sobre o processo – aproveitando, também, para explicar o que fez (e quando) para apurar a verdade.
Este não é um detalhe qualquer. Uma das justificações mais ocas que Constâncio deu para explicar a incapacidade para apanhar os movimentos suspeitos foi a de que a administração do banco lhe teria mentido. Ou seja, o Banco de Portugal fez as perguntas certas e o BCP ocultou deliberadamente os factos. Ora bem, é insuficiente dizer que alguém no banco mentiu. Um supervisor não pode ser ingénuo: deve admitir que podem estar a mentir-lhe e que, por isso, é obrigatório virar o tapete ao contrário. Esta dúvida metódica era ainda mais obrigatória no caso do BCP. As suspeitas não eram novas, o BPI já tinha levantado dúvidas sobre os aumentos de capital. Enviar uma equipa para investigar era o mínimo a fazer. O mínimo.
Até prova em contrário, não foi o que aconteceu. O governador satisfez-se com as respostas e o assunto só renasceu quando começaram a sair as notícias nos jornais. O problema com esta passividade é simples: ficou a sensação de que o regulador não consegue garantir a transparência do mercado. Pior: que Constâncio é uma espécie de árbitro sem apito. Como é óbvio, este não é um quadro tranquilizante. No entanto, aceitar a ideia de que os bancos fazem o que querem é perigoso e injusto. Perigoso porque desacredita uma actividade fundamental que vive da confiança. Injusto porque os outros bancos – que sofreram a concorrência desleal do BCP – estão longe de ter hábitos obscuros. Infelizmente, a hesitação de Constâncio alimenta todas as dúvidas e contamina o mercado."
André Macedo
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