O estado da injustiça
"Depois das guerras institucionais em todos os segmentos de poder nacional, chegou agora a vez do admirável mundo da justiça.
Os juízes de julgamento, e de recurso, e de última instância, dos tribunais cíveis aos administrativos, dos criminais ao Constitucional, passaram a não poder proferir sentença, redigir acórdão ou fundamentar decisão sem que o processo não seguisse, primeiro, a via crucis da discussão mediática, da assembleia de rua, da tele-advocacia.
O Ministério Público, essa instituição híbrida e mal compreendida, desamparada pelo Estado quando as coisas correm mal, apropriada pelo mesmo nas aflições, passou também a viver o seu Vietname. É acusado ou de laxismo ou de excessivo rigor, de politização ou de abulia, de "progressismo" e de "reaccionarismo". Chegou-se ao nível zero, quando os seus magistrados precisam de descer à estrada para defender a honra, no meio da vozearia.
A Polícia Judiciária, presa por ter cão e presa por não ter, cumpre o calvário comum daqueles que, em última análise, são sempre apresentados como mágicos da prova. Se a PJ não deslinda um crime, o problema é sempre seu e não das circunstâncias exteriores. E não vale a pena esgrimir estatísticas internacionais com muito menos meios, muito menos apoios, e um ambiente sociocultural menos preparado, o FBI português é sempre obrigado a fazer muito mais do que o original.
Na advocacia, depois de diversas guerras civis de tipo relâmpago, chegou a hora da denúncia exemplar. Esta faz-se com disparos sobre todos os outros "operadores judiciais".
A PJ é acusada ora de manipular processos, ora de deixar que o MP os manipule. Os magistrados são apresentados como últimos garantes éticos, quando convém, ou como oligarquia a necessitar de substituição, noutros casos.
Esta agitação seria boa para o país se o bastonário, travestido de provedor popular, soubesse chamar os bois pelos nomes, o que nunca faz.
Seria boa se o alegante, corajoso nos pressupostos e na descrição minuciosa dos factos, fosse igualmente bravo na descrição exacta das pessoas e instituições, mostrando não temer processos por difamação e injúrias.
Seria boa, se, para além da repetição de casos conhecidos, apontasse esqueletos em armários fechados, fornecendo as chaves.
Seria boa, se o apontar de situações de injustiça, com todos os pormenores e perícia, não fosse anulado por afirmações de julgamento a olho, típicas da pior demagogia (essa perversão da "democracia").
Uma nota final é urgente desdramatizar a situação nos domínios da justiça, com mais ponderação e assunção de responsabilidades. Mas os demónios estão fora da caixa de Pandora, e não vale assim a pena fingir que aquela não foi aberta."
Nuno Rogeiro
Os juízes de julgamento, e de recurso, e de última instância, dos tribunais cíveis aos administrativos, dos criminais ao Constitucional, passaram a não poder proferir sentença, redigir acórdão ou fundamentar decisão sem que o processo não seguisse, primeiro, a via crucis da discussão mediática, da assembleia de rua, da tele-advocacia.
O Ministério Público, essa instituição híbrida e mal compreendida, desamparada pelo Estado quando as coisas correm mal, apropriada pelo mesmo nas aflições, passou também a viver o seu Vietname. É acusado ou de laxismo ou de excessivo rigor, de politização ou de abulia, de "progressismo" e de "reaccionarismo". Chegou-se ao nível zero, quando os seus magistrados precisam de descer à estrada para defender a honra, no meio da vozearia.
A Polícia Judiciária, presa por ter cão e presa por não ter, cumpre o calvário comum daqueles que, em última análise, são sempre apresentados como mágicos da prova. Se a PJ não deslinda um crime, o problema é sempre seu e não das circunstâncias exteriores. E não vale a pena esgrimir estatísticas internacionais com muito menos meios, muito menos apoios, e um ambiente sociocultural menos preparado, o FBI português é sempre obrigado a fazer muito mais do que o original.
Na advocacia, depois de diversas guerras civis de tipo relâmpago, chegou a hora da denúncia exemplar. Esta faz-se com disparos sobre todos os outros "operadores judiciais".
A PJ é acusada ora de manipular processos, ora de deixar que o MP os manipule. Os magistrados são apresentados como últimos garantes éticos, quando convém, ou como oligarquia a necessitar de substituição, noutros casos.
Esta agitação seria boa para o país se o bastonário, travestido de provedor popular, soubesse chamar os bois pelos nomes, o que nunca faz.
Seria boa se o alegante, corajoso nos pressupostos e na descrição minuciosa dos factos, fosse igualmente bravo na descrição exacta das pessoas e instituições, mostrando não temer processos por difamação e injúrias.
Seria boa, se, para além da repetição de casos conhecidos, apontasse esqueletos em armários fechados, fornecendo as chaves.
Seria boa, se o apontar de situações de injustiça, com todos os pormenores e perícia, não fosse anulado por afirmações de julgamento a olho, típicas da pior demagogia (essa perversão da "democracia").
Uma nota final é urgente desdramatizar a situação nos domínios da justiça, com mais ponderação e assunção de responsabilidades. Mas os demónios estão fora da caixa de Pandora, e não vale assim a pena fingir que aquela não foi aberta."
Nuno Rogeiro
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