SOCIALISMO OU PIOR QUE A MORTE
"É engraçado que, meio século após o derrube de Batista, tenham sido as guerras no Afeganistão e no Iraque a alertar a opinião pública para a situação das cadeias em Cuba. É engraçadíssimo que a opinião pública concentre os seus esforços libertadores numa só cadeia, curiosamente a única da ilha a cargo dos EUA.
Hoje, toda a gente já ouviu falar em Guantánamo. No que respeita a Portugal, a dra. Ana Gomes grita tanto que seria impossível não ouvirmos. E lermos: em Guantánamo encontram-se suspeitos de terrorismo, transportados e guardados através de processos que causam, sobretudo na Europa, condenação diária e vigílias sazonais. Não tenciono discordar.
Tenciono apenas sugerir que os detidos em Guantánamo são, apesar de tudo, os mais afortunados entre a população prisional de Cuba, proporcionalmente uma das maiores do mundo. Não se trata de invejar a rotina dos trezentos "taliban" vestidos de laranja. Mas, sem mencionar as condições miseráveis dos 100 mil ou 200 mil presos indígenas e "comuns", era razoável alargar a consternação aos trezentos sujeitos encarcerados pelo crime de não idolatrarem Fidel.
Trezentos, agora. Durante décadas, o regime cubano raptou, espancou e/ou matou dezenas de milhares de pessoas sem que a sensibilidade ocidental produzisse um centésimo do barulho suscitado por Guantánamo. Muitos dos que se comovem com terroristas não se afligem demasiado com os azares de quem rejeita o socialismo. No fundo, acham que tamanha blasfémia merece uns anos de detenção, uns meses na "solitária", a ocasional tortura, o ocasional fuzilamento. Mais uma vez, não vou discordar.
Recordo apenas que devia haver um limite para o sofrimento. E que esse limite foi definitivamente ultrapassado quando, nas últimas semanas, Fidel (ou a respectiva múmia) enviou um bando de músicos em digressão por dez penitenciárias do país, repletas de presos políticos e de vítimas directas ou indirectas da Revolução. O bando de músicos é liderado por Sílvio Rodriguez, velho funcionário da ditadura, divulgador do sucesso "Comandante Che Guevara" e autor daquela cantilena que começa assim: "Vivo en um país libre". E que acaba assado: "Que me perdonen por este dia los muertos de mi felicidad".
Os mortos, valha-lhes isso, não têm de aturar o sr. Rodriguez. Já os cubanos que vegetam nas cadeias eram capazes de lhe fazer duas ou três coisas divertidas. Infelizmente, não o apanham sem protecção militar: apanham com a sua sanfona de três acordes, um exercício cínico e cruel até para os padrões locais. E apanham com a indiferença da famosa "comunidade internacional", cujo repertório se limita a Guantánamo. Terrível que seja, Guantánamo não tem sanfonas, talvez por respeito aos "taliban" que, enquanto mandaram no Afeganistão, proibiram a música de todo. No mínimo, conviria pressionar Cuba a imitá-los."
Alberto Gonçalves
Hoje, toda a gente já ouviu falar em Guantánamo. No que respeita a Portugal, a dra. Ana Gomes grita tanto que seria impossível não ouvirmos. E lermos: em Guantánamo encontram-se suspeitos de terrorismo, transportados e guardados através de processos que causam, sobretudo na Europa, condenação diária e vigílias sazonais. Não tenciono discordar.
Tenciono apenas sugerir que os detidos em Guantánamo são, apesar de tudo, os mais afortunados entre a população prisional de Cuba, proporcionalmente uma das maiores do mundo. Não se trata de invejar a rotina dos trezentos "taliban" vestidos de laranja. Mas, sem mencionar as condições miseráveis dos 100 mil ou 200 mil presos indígenas e "comuns", era razoável alargar a consternação aos trezentos sujeitos encarcerados pelo crime de não idolatrarem Fidel.
Trezentos, agora. Durante décadas, o regime cubano raptou, espancou e/ou matou dezenas de milhares de pessoas sem que a sensibilidade ocidental produzisse um centésimo do barulho suscitado por Guantánamo. Muitos dos que se comovem com terroristas não se afligem demasiado com os azares de quem rejeita o socialismo. No fundo, acham que tamanha blasfémia merece uns anos de detenção, uns meses na "solitária", a ocasional tortura, o ocasional fuzilamento. Mais uma vez, não vou discordar.
Recordo apenas que devia haver um limite para o sofrimento. E que esse limite foi definitivamente ultrapassado quando, nas últimas semanas, Fidel (ou a respectiva múmia) enviou um bando de músicos em digressão por dez penitenciárias do país, repletas de presos políticos e de vítimas directas ou indirectas da Revolução. O bando de músicos é liderado por Sílvio Rodriguez, velho funcionário da ditadura, divulgador do sucesso "Comandante Che Guevara" e autor daquela cantilena que começa assim: "Vivo en um país libre". E que acaba assado: "Que me perdonen por este dia los muertos de mi felicidad".
Os mortos, valha-lhes isso, não têm de aturar o sr. Rodriguez. Já os cubanos que vegetam nas cadeias eram capazes de lhe fazer duas ou três coisas divertidas. Infelizmente, não o apanham sem protecção militar: apanham com a sua sanfona de três acordes, um exercício cínico e cruel até para os padrões locais. E apanham com a indiferença da famosa "comunidade internacional", cujo repertório se limita a Guantánamo. Terrível que seja, Guantánamo não tem sanfonas, talvez por respeito aos "taliban" que, enquanto mandaram no Afeganistão, proibiram a música de todo. No mínimo, conviria pressionar Cuba a imitá-los."
Alberto Gonçalves
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