domingo, março 30, 2008

E O 'MICHAËLIS' VAI PARA...

"Após uma semana de férias é bom regressar à realidade e constatar a súbita pujança do cinema português. Cento e dois anos de fiascos decorridos sobre o pioneiro Pais dos Reis e os operários da fábrica Confiança, enfim há um filme nacional que toda a gente viu e do qual toda a gente fala. O filme chama-se "Vergonha na Escola Carolina Michaëlis". Ou "Numa Escola Portuguesa - Vergonha". Ou "Professora Brutalizada". Bem, aparentemente o título não é consensual. O resto é.

Se, face ao sucesso da fita, não arriscasse a redundância, gostaria de destacar a brutal simplicidade do enredo: uma citação erudita da claustrofobia de Bergman, com duas mulheres que, huis clos, se debatem por um objecto de prazer. O pormenor de o objecto ser um telemóvel e não um académico nórdico permite saltar de Bergman para as novas correntes audiovisuais. A realização também dá saltos similares, com a câmara (outro telemóvel) em movimentos abruptos que tanto evocam o Cassavetes dos primórdios quanto algumas tendências asiáticas contemporâneas. Uma palavra para o elenco: irrepreensível. Se a interpretação das duas protagonistas (os nomes de ambas permanecem num humilde anonimato) merece elogios sinceros, a consistência dos actores secundários é notável. Gosto especialmente do rapaz que, em off, grita "A velha vai cair!", metáfora que anuncia a nova ordem da cinematografia pátria.

"Vergonha na Escola." tem sido visto, revisto, discutido e analisado à exaustão. Infelizmente, a falta de hábito nestas matérias centrou o debate na temática da obra e não no seu potencial artístico. Em vez de se contemplar a qualidade estética, optou-se por espreitar a ética e ponderar a culpa da aluna, da professora, da escola, dos pais, da sociedade e, o que é arriscado, dos telemóveis.

Pode proibir-se tudo nas escolas, incluindo, como vem sendo norma, os derradeiros vestígios de autoridade e aprendizagem. Os telemóveis é que não. O telemóvel não é somente o móbil e o veículo dos filmes em erupção: é a esperança de uma indústria que nunca existiu. Consta que a actriz principal e o realizador serão transferidos (suponho que para Hollywood). O fundamental é que, atrás deles, venham milhares de vocações semelhantes, prontas a erguer os Nokia e a produzir arte. Uma boa ideia passaria pela organização de um festival alusivo, com prémios (os "Michaëlis", digo eu) que impulsionassem este cinema verité, cru, não subsidiado e altamente recompensador. O "Michaëlis" pelo insulto mais original a um docente. O "Michaëlis" pelo tabefe menos tímido num docente. O "Michaëlis" pela melhor imolação de um docente. Etc.

Os jovens prodígios só precisam de tempo, liberdade e telemóveis. E por acaso já têm
. "

Alberto Gonçalves

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