quarta-feira, março 19, 2008

Morte a crédito

"A primeira radiografia que se tirou em Portugal foi no Hospital de Coimbra há mais de 100 anos e não foi a uma pessoa, foi a uma sardinha. Conhecer este facto é ou não importante? A resposta é não, não é importante, embora seja um detalhe curioso.

Nos últimos meses temos andado todos um pouco nisto de separar o trigo do joio. Não por causa do aumento das matérias-primas, mas porque desde Agosto que procuramos uma resposta à pergunta: vai ou não haver recessão? Portugal será ou não afectado?
Para chegar à resposta, economista e analistas têm passado a pente fino todos os indicadores, procurando valorizar os números que contam e os que são fogo de vista. Todos os dias há novidades. Todas as semanas aparecem dados contraditórios. Resumindo, ainda não há fumo branco.

Não há fumo branco, mas o fumo negro está em todo o lado. Ontem a bolsa portuguesa quebrou a barreira negativa dos dez mil pontos, o que já não acontecia desde Setembro de 2006. Os últimos meses foram sempre a descer. E o plano inclinado ainda não ficará por aqui. Não se trata apenas de volatilidade. É mais do que isso. O risco é enorme, dispara em todas as direcções e afecta todas as actividades, todas empresas, todos os negócios. A banca lidera as perdas e provoca a maior desconfiança. É natural, a doença nasceu no sistema financeiro – nas hipotecas de alto risco – e as ondas de choque multiplicam-se, afectando todos os grandes bancos mundiais. O Bear Stearns, que em termos de activos era cinco vezes maior do que o BCP, afocinhou num par de dias e acabou ‘vendido’ por 150 milhões de euros. Para que conste, 150 milhões de euros não é nada. Em termos de capitalização bolsista, estamos a falar do campeonato da Sumolis. Quando um grande banco de investimento americano passa a valer o mesmo que uma empresa de sumos portuguesa então o melhor mesmo é beber para esquecer.

Portugal observa a crise de olhos arregalados. Os bancos nacionais financiam-se em grandes doses lá fora e como lá fora as torneiras já só pingam a custo, a conclusão é evidente: a factura terá consequências. Ou seja, crédito mais caro e de mais difícil acesso. Por enquanto, para as pequenas e médias empresas é ‘business as usual’, mas a tensão está no ar. Para os particulares, acabou-se o ‘spread ‘zero no crédito à habitação e foi-se o financiamento a 95 ou 100%. Os bancos cobrem os riscos, protegem-se, só emprestam cerca de 80% do valor de avaliação das casas. Nem sempre é assim, há excepções, mas a regra é cada vez mais esta. Ninguém quer dar um passo em falso, ninguém quer ficar com uma mão cheia de nada.

A desconfiança em excesso sufoca o mercado, embora também o ajude a curar-se das loucuras dos últimos anos. Cada americano tem em média cinco cartões de crédito. Em Portugal, há um por cada pessoa e meia. Na China, a média é de um para 33 carteiras. Três exemplos, três realidades. Mas é a economia americana, a maior do mundo, que marca o ritmo da orquestra. Na América, chegou-se ao ponto de os créditos à habitação serem vendidos pelos mediadores imobiliários, sem intervenção dos bancos. É como um vendedor de droga também emprestar dinheiro. Claro, o dois em um não resulta. Não é preciso radiografar uma sardinha para saber que ela tem espinhas.
"

André Macedo

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