sexta-feira, março 21, 2008

Que justiça?

"Há a justiça dos inocentes e dos culpados. E há a Justiça dos que não vemos e que deveria ajudar a garantir a segurança dos cidadãos.

Sócrates descobriu a fórmula mágica. Tarde e a más horas, mas ainda a tempo.

Falamos do tempo eleitoral, evidentemente. Na apresentação do novo mapa judiciário num acesso de humildade (?) política que nele é uma verdadeira novidade fez saber aos presentes, e a todos nós, que o novo esquema proposto pelo Governo não é definitivo. É assim, mais ou menos para ver o que dá. Parece milagre ou uma grande vitória política da democracia, mas não é uma coisa nem outra. É apenas uma nova estratégia de marketing. É verdade que Sócrates já algumas vezes emendou a mão. Mas só o fez em estado de necessidade. E como todos os períodos pré-eleitorais são, por definição, de estado de necessidade permanente, aí o temos.

Mas quando se fala em Justiça temos de ser muito prudentes e saber do que falamos.

Falar de Justiça como entidade quase etérea de que esperamos a recomposição dos muitos agravos que nos são feitos pode ser fonte de grandes frustrações e gerar graves equívocos. A justiça dos homens não é precursora nem feita à semelhança da Justiça Divina em que muitos acreditam. A justiça com que somos presenteados é corriqueira, falível, contraditória, remendona, decepcionante e complicada nas suas estruturas e processos. Menos por culpa de juízes e magistrados do que do legislador que os manieta com as suas bizarras leis.

A Justiça não é um todo homogéneo (nem de interesses nem de objectivos) reformável de uma só penada. É um puzzle imperfeito onde muitas peças não encaixam. Porque há a Justiça dos agentes que lhe dão corpo e dela vivem (juízes, advogados e funcionários judiciais), a Justiça daqueles que com o seu dinheiro tudo fazem para dela tirar partido e a desfigurar, a (longínqua) Justiça dos que estão impossibilitados de a ela recorrer por não terem meios para suportar os seus custos e neste país o acesso ao direito e aos tribunais não passar de uma fantasia de mau gosto. Há a justiça dos inocentes e dos culpados. E há, ainda, a Justiça que não vemos e que deveria, tal como as polícias, ajudar a garantir a segurança dos cidadãos. E, de todo, o não faz.

Há a Justiça que permite que criminosos perigosos se passeiem pelas ruas, ou passem rapidamente pelas prisões, mantendo aterrorizadas as populações. Há ainda a Justiça das decisões que merecem pública e unânime censura e que só alguns iluminados manipuladores da lei, como verdadeiros malabaristas do direito, conseguem justificar, preferindo a subordinação a um espartilho formalista de interpretação e aplicação da lei à ideia de que as soluções que saem dos tribunais devem ser as mais equilibradas e as mais conformes ao sentir do leigo com um arreigado sentido do justo e do injusto.

E, por o não serem, estão destinadas a nunca serem objecto de respeito pelo cidadão comum. O Governo presenteia-nos com o que chama experiências-piloto com a atribuição de um número máximo de processos por juiz e gabinetes de apoio técnico qualificado aos magistrados. E quer instituir o prazo máximo de um ano para a resolução de conflitos. Seria o melhor dos mundos se simultaneamente se tivesse lembrado de libertar os juízes e magistrados dos formalismos patetas e de todos os fautores de manobras dilatórias. Para poderem, enfim, fazer justiça.

Que nos importa, pois, o número de tribunais?
"

João Marques dos Santos

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