Porque te callás Garzon? Pinochet era mais fácil quando foi descartável pelos patrões que callas?
Angola é nossa!
António Barreto Retrato da semana - 20080413
"Holocausto em Angola" não é um livro de história.
António Barreto Retrato da semana - 20080413
"Holocausto em Angola" não é um livro de história.
É um testemunho.
O seu autor viu tudo, soube de tudo.
Só hoje me chegou às mãos um livro editado em 2007, Holocausto em Angola, da autoria de Américo Cardoso Botelho (Edições Vega).
O subtítulo diz: "Memórias de entre o cárcere e o cemitério". O livro é surpreendente. Chocante. Para mim, foi. E creio que o será para toda a gente, mesmo os que "já sabiam".
Só o não será para os que sempre souberam tudo.
O autor foi funcionário da Diamang, tendo chegado a Angola a 9 de Novembro de 1975, dois dias antes da proclamação da independência pelo MPLA.
Passou três anos na cadeia, entre 1977 e 1980.
Nunca foi julgado ou condenado.
Aproveitou o papel dos maços de tabaco para tomar notas e escrever as memórias, que agora edita.
Não é um livro de história, nem de análise política.
É um testemunho.
Ele viu tudo, soube de tudo.
O que ali se lê é repugnante.
Os assassínios, as prisões e a tortura que se praticaram até à independência, com a conivência, a cumplicidade, a ajuda e o incitamento das autoridades portuguesas. E os massacres, as torturas, as exacções e os assassinatos que se cometeram após a independência e que antecederam a guerra civil que viria a durar mais de vinte anos, fazendo centenas de milhares de mortos.
O livro, de extensas 600 páginas, não pode ser resumido.
Mas sobre ele algo se pode dizer.
O horror em Angola começou ainda durante a presença portuguesa.
Em 1975, meses antes da independência, já se faziam "julgamentos populares", perante a passividade das autoridades.
Num caso relatado pelo autor, eram milhares os espectadores reunidos num estádio de futebol. Sete pessoas foram acusadas de crimes e traições, sumariamente julgadas, condenadas e executadas a tiro diante de toda a gente.
As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores.
A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade.
O livro revela os actos do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho, o modo como serviu o MPLA, tudo fez para derrotar os outros movimentos e se aliou explicitamente ao PCP, à União Soviética e a Cuba.
Terá sido mesmo um dos autores dos planos de intervenção, em Angola, de dezenas de milhares de militares cubanos e de quantidades imensas de armamento soviético.
O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República.
Diz ele: "Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano.
Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador?
Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola.
Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos.
Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir.
A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar.
Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela".
Estes gestos das autoridades portuguesas deixaram semente.
Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Valles), alguns portugueses encontravam-se ameaçados.
Um deles era Manuel Ennes Ferreira, economista e professor.
Tendo-lhe sido assegurada, pelas autoridades portuguesas, a protecção de que tanto necessitava, dirigiu-se à Embaixada de Portugal em Luanda.
Aqui, foi informado de que o vice-cônsul tinha acabado de falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Estaria assim garantido um contacto com o Presidente da República.
Tudo parecia em ordem.
Pouco depois, foi conduzido de carro à Presidência da República, de onde transitou directamente para a cadeia, na qual foi interrogado e torturado vezes sem fim.
Américo Botelho conheceu-o na prisão e viu o estado em que se encontrava cada vez que era interrogado.
Muitos dos responsáveis pelos interrogatórios, pela tortura e pelos massacres angolanos foram, por sua vez, torturados e assassinados.
Muitos outros estão hoje vivos e ocupam cargos importantes.
Os seus nomes aparecem frequentemente citados, tanto lá como cá.
Eles são políticos democráticos aceites pela comunidade internacional. Gestores de grandes empresas com investimentos crescentes em Portugal.
Escritores e intelectuais que se passeiam no Chiado e recebem prémios de consagração pelos seus contributos para a cultura lusófona.
Este livro é, em certo sentido, desmoralizador.
Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome.
Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso.
Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam.
A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato.
Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa.
Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial.
Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam.
Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade.
Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros.
Angola é nossa!
E nós? Somos de quem?
Sociólogo
7 Comments:
Por vezes, esquecemo-nos por um momento dos problemas europeus e norte-americanos, do Médio Oriente, do crescimento económico da Ásia e das estratégias de expansão das novas grandes potências, e revisitamos África. Isto não significa que África seja uma espécie de continente esquecido, como alguns dizem. Ocupa mesmo um lugar central na política externa de muitos países europeus e da própria União Europeia. Além disso, as crises e os problemas de segurança, por exemplo no Sudão, na Somália, no Congo, e a fuga de emigrantes para países europeus não permitem que se ignore África. No entanto, para a maioria dos europeus, há outras questões prioritárias. A lembrança de África vem a propósito da conferência que a FLAD e o IPRI organizam esta semana sobre questões africanas (é verdade que há sempre algum interesse pessoal a determinar as nossas atenções, mas as coisas são mesmo assim). Em particular, há um tema crucial: a reconstrução dos Estados africanos.
Para se entender devidamente o problema, convém recuar um pouco no tempo. Quando no final do século XIX, as potências europeias terminaram a partilha dos territórios africanos entre elas, conseguiram amalgamar cerca de dez mil comunidades políticas africanas em quarenta colónias europeias. Em larga medida, as partilhas foram feitas sem qualquer conhecimento da realidade africana. Como contou, mais tarde, o antigo primeiro-ministro britânico, Lord Salisbury, demos e trocamos montanhas, rios e lagos sem saber exactamente onde é que ficavam. Salisbury não referiu, obviamente, um ponto fundamental: nesses territórios viviam pessoas. A construção de novas entidades políticas seria o grande desafio no início da colonização europeia em África. Contudo, para a enorme tarefa a que se propunha, a colonização durou pouco tempo. A evolução de forças e de ideias na política mundial determinou a descolonização africana a partir da década de 1950. É óbvio que em termos institucionais, políticos, económicos e sociais, nenhuma das colónias africanas estava preparada para se tornar em Estado independente. Como afirmou um dirigente do partido trabalhista britânico, Herbert Morrison, quando se começou a discutir a descolonização, dar a independência às colónias africanas é o mesmo que dar uma conta bancária e uma pistola a uma criança.
Como em política não basta ter razão, é necessário ter razão no tempo histórico certo, abriram-se contas bancárias e deram-se e venderam-se pistolas.
Assistiu-se, de qualquer modo, ao paradoxo da descolonização. Com a independência política das antigas colónias africanas, assistiu-se ao triunfo final do projecto colonizador europeu: a importação do Estado soberano europeu pelas comunidades políticas africanas. As montanhas, os rios, os lagos e os povos, trocados e divididos pelos europeus ficaram para sempre trocados e divididos. No essencial, as desgraças africanas desde então até hoje são resultado directo ou indirecto da exportação do Estado soberano pelos europeus. Como sobreviver num mundo de Estados soberanos? Eis, o grande desafio dos governos africanos. No plano internos, as estratégias de sobrevivência foram quase sempre violentas, senão mesmo brutais. A construção de cerca de quatro dezenas de poderes políticos nacionais numa região com dez mil comunidades políticas não é uma tarefa fácil, nem pacífica.
No entanto, até ao fim da Guerra Fria, o contexto internacional facilitou as estratégias de sobrevivência. O regime internacional que permitiu a consolidação do Estado africano apoiava-se em quatro pilares: o reconhecimento internacional dos governos africanos, o apoio das antigas potências coloniais à construção de Estados, a competição estratégica entre as duas superpotências e os mecanismos de ajuda económica. A conjugação destes factores foi determinante para fortalecer os poderes centrais e enfraquecer os rivais internos. Basicamente, o mundo escolheu os jovens que puderam ter contas bancárias e pistolas. Os excluídos, perderam.
O resultado foi, um pouco por toda a África, a construção do Estado monopólio e violento. O fim da Guerra Fria e o abandono estratégico de África demonstrou, porém, a profunda ilusão de tudo isto. O Estado monopólio afinal não era mais do que um quase-Estado e depressa se tornou num Estado frágil ou falhado. A década de 1990 assistiu à multiplicação dos colapsos dos Estados africanos. Apesar de todas as ajudas e apoios externos, os Estados africanos nunca deixaram de ser fracos e os seus governos raramente adquiriram legitimidade política interna. Convém perceber também, principalmente na Europa, que o colapso dos Estados africanos significa também o falhanço do paradigma de apoio internacional à construção de Estados. Por isso, todos hoje levantam a questão: o que fazer em relação a África? Mas ainda ninguém descobriu uma resposta politicamente eficaz. É esta a tragédia de África.
1. Há algum tempo, uma conceituada revista notava que no ano 1960 a população asiática a viver abaixo da linha de pobreza – em condições sub-humanas–, representava 65% da mesma. E que no ano 2000, ela se tinha reduzido para 17%. Esta redução, já de si notável, deu-se simultâneamente com o enorme aumento da população nesse continente.
Não tiveram a mesma sorte de boa governação os países pobres de outros Continentes como o Africano e o Sul-Americano. As dificuldades em criar e aderir a normas de boa convivência na diversidade tribal ou racial, bem como a falta de qualidade humana das suas elites –para escaparem à tentação da corrupção- levaram a situações de confrontos violentos, ao desenraizamento e deslocação de massas em busca de segurança, com o cortejo de fomes, doenças e desamparo.
Em contrapartida, os governos asiáticos foram prudentes e souberam ver as carências do povo. Além do ambiente de convivência pacífica, deram atenção aos aspectos de subsistência, à alfabetização e à saúde. Daí que os outros indicadores de desenvolvimento tenham melhorado, com relevância para a redução da taxa de mortalidade infantil, o aumento da esperança de vida e a redução da iliteracia.
2. Apesar do enorme progresso, constatar que na Ásia ainda há 17% de pobres (eles representam 75% dos pobres do mundo) com uma vida sub-humana, não deixa de ser chocante. Mais de 600 milhões!
3. Dizia Annita Roddick, criadora da Body Shop, que a melhor forma de ajuda era o comércio com o 3º Mundo. Pena é que esta opinião, apesar de partilhada em teoria por muitos responsáveis políticos é, na prática, abafada por interesses oportunistas. Um exemplo: a UE com o seu PAC (Programa Agrícola Comum), proporciona subsídios à produção (a ajuda do PAC não é para agricultores pobres; 70% dela é concedida a 25% das maiores explorações da UE). Com isso consegue que os seus agricultores, mesmo ineficientes, produzam o máximo possível, originando sobreproduções que aparecem depois nos mercados internacionais a preços distorcidos (longe dos reais, por subsidiados) indo, assim, afundar as economias pobres baseadas na agricultura. Há pouco tempo a Tanzania deixou que 40 milhões de litros de leite se perdessem enquanto os supermercados da capital, Dar-el-Salam, importavam e vendiam leite holandes a preços incrivelmante baixos por disfrutarem de ignominiosas subvenções na origem” .4. É benéfico, para todos, que o comércio entre países cresça. Por isso, a OMC – Organização Mundial do Comércio tenta criar um conjunto de regras para instaurar uma disciplina e justiça possível, no sentido de impulsionar o comércio internacional.
Mas há sempre interesses egoístas, mópes, que dificultam ver o bem-estar da colectividade mais ampla. Há poucos semanas a OMC declarou ilegais os subsídios de 3.000 milhões de dólares que o Governo dos EUA dá aos seus 25.000 cultivadores de algodão. Estes desgraçam milhões de pequenos produtores de algodão dos países pobres da América do Sul, da África, da Ásia. O Brazil denunciou, em Setembro de 2002, este facto à OMC, demonstrando que na ausência do subísidio os EUA produziriam menos 29%, exportariam menos 41% e os preços nos mercados mundiais aumentariam 12,6% .
Foi a primeira vez que a OMC teve uma palavra condenatória a tais subsídios. Ficara determinado que os EUA não poderiam superar o nível de subsídios de 1992, mas o Presidente Bush achou por bem tomar uma posição de ruptura, contra o que fora acordado. Vale alguma coisa a condenação da OMC? Talvez não passe de uma consolação moral para o Brasil, e para o mundo pobre, à espera de que ela abra a porta, algum dia, a um pouco mais de justiça!
5. Diga-se que, no seu conjunto, os países ricos, representados na OCDE, apoiaram em 2001 os seus agricultores com USD 311.000 milhões, em boa parte subsidiando a sua produção, o que teve um efeito directo sobre os camponeses dos países pobres, levando-os ao empobrecimento e miséria. E, depois, aqueles países estenderam uma generosa ajuda ao 3º Mundo de USD 50.000 milhões.
Mas os Governos dos países ricos, não vêem a dimensão destas injustiças? A Europa, dita de raízes cristãs, e os EUA, quase árbitros do mundo, não se dão conta desta conduta imoral? Provavelmente, sim. O pior é que, quando as eleições apertam, os políticos perdem toda a compostura. Qualquer reclamação, mesmo de um abastado Bové, a exigir mais subsídios, canta mais alto! A cedência a tal reclamação afinal só se repercute sobre terceiros, pobres, do 3º Mundo, que não têm voz para gritar, e cujo rosto de sofrimento está longe e não incomoda!
6. Juntamente com a reacção da OMC à queixa do Brasil, estão a surgir outras tentativas esperançosas que há que aplaudir! O Comissário Pascal Lamy, da UE, propôs um plano de eliminação das subvenções à exportação (2.800 milhões de € em 2003) e negociar a redução de subsídios à produção (38.100 milhões de € anuais), preservando algumas areas sensíveis (açucar, produtos lácteos e carne). Os EUA tiveram também uma reacção positiva a esta proposta, anunciando que poderia avançar com um plano equivalente sobre subsídios. Até aqui são apenas sinais, mas muito optimistas, face ao que poderá acontecer num futuro próximo.
O chamado grupo dos 20 de países em desenvolvimento , capitaneado pela Índia e pelo Brasil, deseja que tal redução seja acompanhada de uma diminuição das taxas alfandegárias sobre produtos agrícolas (que no Japão pode atingir 1.000% sobre o arroz!) e não aceita execpções às áreas sensíveis. Note-se que a UE é o segundo maior exportador de açucar, graças aos subsídios aos produtores de beterraba (1.300 milhões de € declarados e mais 833 milhões não declarados). Sem tais subsídios, a UE teria de comer todo o seu açucar produzido ao triplo do preço do mercado internacional, sendo o custo cinco vezes superior ao dos países mais eficientes.
Depois da sequência de acontecimentos a que muitos habitantes dos países do 3º mundo foram submetidos ao longo de séculos – a colonização, a escravatura em muitos casos, as devastadoras descolonizações – já era tempo de os pobres e deserdados merecerem um pouco mais de respeito e serem tratados com um mínimo de justiça e humanidade.
Há trinta anos os aeroportos e portos da então chamada metrópole estavam pejados de pessoas, malas e contentores de madeira feitos à pressa, enquanto nas longínquas Áfricas portuguesas se ouvia por todo lado um martelar constante.
Chegavam diariamente, primeiro poucos, depois num ritmo cada vez maior e aos milhares. Eram portugueses que saíam dos verdadeiros países que tinham construído, especialmente nos últimos 15 anos.
Vivia-se o princípio do fim de um império já fora do tempo, mas onde para brancos e pretos tinha havido muito espaço territorial, mas sobretudo para o sonho e a utopia, à medida de cada um.
Eram filhos, pais e avós que iam chegando aos magotes deixando para trás, na maioria dos casos, bem-estar e até riqueza em muitos casos.
Vieram primeiro os que, desde logo, pressentiram o que aí vinha e não tiveram ilusões quanto à inevitabilidade da guerra civil. Mais tarde, depois de resistirem meses e alguns até anos, juntaram-se os que foram perdendo a ilusão de que na África de língua portuguesa havia espaço para a multirraciali-dade em larga escala.
Já cá, eram em regra olhados de soslaio e por vezes claramente hostilizados. Apesar disso, uniram-se, apoiaram-se mutuamente e nalguns casos com a ajuda de uns poucos familiares residentes e o mínimo apoio do Estado (que muitos recusaram por entenderem indigno) lançaram-se para novas vidas.
Originários da metrópole ou já lá nascidos, traziam feridas profundas que não tiveram tempo de sarar, porque a subsistência não permitia “luxos” de choques pós-traumáticos. Quase todos atiraram-se a um quotidiano árduo com sacrifício. Em pouco tempo instalaram-se, dinamizaram o tecido económico, sobretudo no interior de um país atrasado e já então desertificado. Criaram filhos, estudaram, trabalharam e mostraram aos sorumbáticos continentais uma nova forma de ver a vida. Portugueses que eram e são, souberam, no meio da desordem e do caos da “metrópole”, trilhar os caminhos que levaram em regra a uma plena e bem sucedida integração. Muito do que somos hoje como país a eles se deve, porque estavam em muitos casos mais decididos do que quaisquer outros a enfrentar a adversidade, mas também mais preparados para a mudança e o progresso. É certo que o próprio Estado criou mecanismos de absorção ao nível central, o que amortizou certos impactos negativos, mas deve reconhecer-se que era o mínimo que lhes devia.
Hoje pontificam em todas as áreas. Nas grandes empresas, na medicina, nas engenharias, na comunicação social, no ensino, no Estado, no comércio e na indústria, na advocacia, nas magistraturas e até na política, onde, ao contrário das ideias feitas, cobriam afinal todos os quadrantes. É de resto assinalável, nesse campo político, verificar a forma como conseguiram resistir a qualquer tentativa de instrumentalização política colectiva.
Em poucos anos conseguiu-se uma total integração, que na prática se concluiu em finais da década de 80. Foi um feito que parecia impossível. Uma assimilação e integração plena de milhares e milhares de pessoas. É algo de que Portugal pode e deve orgulhar-se. Outros países, como a França, nunca conseguiram resolver problemas semelhantes mas incomparavelmente mais pequenos.
Com eles, retornados, Portugal ganhou. Cresceu. Mais dinâmico. Mais empreendedor. Mas também mais descontraído. Mais colorido e mais saboroso. Foram e são verdadeiramente um Valor Acrescentado.
É, aliás, curioso notar que a própria palavra retornado desapareceu do léxico, perdendo-se a carga pesada quando não pejorativa que a envolvia.
É também interessante verificar que são precisamente muitos dos que viveram nas colónias e que delas acabaram por ser escorraçados que muitas vezes demonstram maior tolerância para com os problemas daqueles países. Por isso mesmo, não funcionam sistematicamente comparando o que era e a realidade actual. E não procedem assim para absolver as cleptocracias agora instaladas, mas antes porque nutrem realmente sentimentos de afecto para com aqueles povos
Curiosamente, todo este fenómeno é um tema pouco abordado, na imprensa, na literatura, nas universidades e na sociologia.
Passados 30 anos, nada assinala esse retorno, talvez porque cada um teve a sua motivação, ou, mais certamente, porque cada um tem o assunto fechado numa gaveta interior que não quer abrir, porque ao fazê-lo evocará sofrimento e reabrirá as tais feridas mal saradas.
Há fenómenos colectivos que nós, portugueses, não conseguimos exorcizar. É assim com a descolonização, como também o é, embora já menos timidamente, com a guerra colonial e com a própria colonização.
Comportam-se nos dias de hoje como os europeus nos tempos da colonização de territórios distantes dispondo das mais avançadas tecnologias.
Alimentam-se de negócios que têm tanto de pouco limpos como de superiormente lucrativos, são dirigidos por quadros altamente qualificados e estão presentes em todas as capitais financeiras, políticas e tecnológicas do mundo. E não se pense que todos são islâmicos. Desde os movimentos terroristas africanos às Brigadas Vermelhas, passando pelo Setembro Negro e caminhando para os Hamas deste tempo, como o IRA a ETA e mais meia dúzia de grupelhos fanatizados por barões do tráfego de armas e drogas, os terroristas estão presentes nas sociedades em que vivemos, sustentados pelos nossos impostos, quais cogumelos nesse propício ambiente húmido que é a democracia, regado por meia dúzia de perigosos agitadores, por vezes com “responsabilidades políticas”, como os modernos esquerdistas, estilo Ana Gomes, que não distinguem a diferença entre os efeitos nocivos mas disfarçáveis do auto-consumo excessivo de Haxixe enquanto o cérebro não está definitivamente formado e o das bombas que ceifam vidas humanas inocentes como a da criança de sete meses, vítima número 199 do assassínio em massa ocorrido em Espanha.
Quem julga deve ter o distanciamento histórico para o fazer. Quem julga o colonialismo, nas modernas esquerdas, não tem ou competência ou seriedade e prefere, por exemplo, não reconhecer que trinta ou quarenta anos passados sobre as independências dos países africanos os seus povos vivem em miséria absoluta. Mais, com as suas roupinhas da Gucci, da Versace, os seus sapatinhos Bally, a sua malinha Louis Vuitton e o seu Cartier Tank, as Barbies da esquerda moderna criticam a Igreja Católica por posições menos modernas mas acham civilizacional o tratamento dados às mulheres nos países árabes. E se a génese do terrorismo contemporâneo é a opressão dos séculos passados, então porque não por aí um qualquer movimento lusoterrorista a actuar em Espanha? E outro em França? E, assim como assim, porque não nos vingamos do mapa cor-de-rosa? Porque insistem as Anas Gomes deste mundo em existir politicamente? A culpa, diz a Ana, é do Bush, do Blair, do Asnar e até do Barroso. “Ó’uAna” – isto é a gente a falar – então tu achas que no mundo de hoje há lugar a civilizações que prometem aos seus que quem morrer em nome da causa, a que pomposamente chamam guerra santa, desvirtuando completamente os ensinamentos do Islão, tem direito a setenta virgens no céu? Virgens, Ana, já imaginaste a aldrabice, a exploração da pobreza - material e de espírito - em que é preciso estar para acreditar em semelhante patranha?
E aquelas mulheres bombistas que de quando em vez aparecem? Que lhes prometerão? Setenta homens virgens? Se calhar não há mais mulheres bombistas porque há pouco homens virgens? Ou há discriminação entre homens e mulheres? Diz lá, Ana, o que seria de nódoas negras se instaurassem por cá o apedrejamento em caso de adultério. Ana, conhecendo-te como te conheço, desbragada como és, julgo que deverias encetar uma “cruzada” – não à moda antiga, está bem de ver, – contra esses malandros que tomam as decisões que tomam, descriminando as mulheres, quer por não lhes permitirem ser bombistas ou, mais grave que isso, não lhes assegurarem o acesso a homens virgens. Ou isso não te choca e é, outra vez, civilizacional?
Tinha tanto para te dizer e tenho tão pouco espaço para o fazer. Deixa-me dar-te um conselho. As civilizações podem e devem conviver desde que se respeitem. Quando uma civilização atrasada de séculos, nomeadamente no que aos direitos humanos respeita, como é aquela em que proliferam as Al Quaedas, os Hamas, as OLPs, as Brigadas de Mártires, etc, tem acesso a tecnologias que só civilizações como a ocidental sabem usar ao serviço do progresso, acontece o mesmo que quando se dá um jornal a uma criança de dois anos. Ela não o lê, rasga-o. Não se a pode culpar. Para que percebas melhor, Ana, o culpado não é Aznar, que teve a coragem de desenvolver Espanha como tu nunca saberias desenvolver Portugal e que não se acobardou perante a ameaça do terrorismo mundial. Falhou-lhe a estratégia de comunicação. Se tivesse verdadeiramente mentido como hoje se pretende insinuar, teria mantido firme a informação de que o atentado seria obra da ETA. Portou-se bem. Pena é que os Espanhóis não tenham percebido
Então Toupeira !
Agora apagam-se os comentários, educados, devidamente identificados mas incómodos para a algarviada de aldrabices e vigarices intelectuais que escreve ?
Deixei aqui um comentário sobre essa anedota acerca da governação am Angola do Rosa Coutinho e vc, como não gosta de outras opiniões, zás, corta-me a palavra. Sim senhor, grande sociólogo !
Que maravilha de visão da história e que conhecimento dela vc tem: Viu o trabalho do J. Furtado na TV2? Ontem ? Não? É pena, visto que ali fica provado quem é responsável por tudo o que aconteceu em Angola!
Menos fundamentalismo anti-democracia talvez fosse a receita para si !
Toupeira,
Peço desculpas !Mea culpa !
A minha reclamação anterior não tem razão se ser visto que o meu comentário não tinha seguido!
Espero que me desculpe do erro e principalmente da injustiça que cometi.
Caso interesse, o meu contributo vai agora :
Porque estive em Angola nessa época, porque não vi serem atacados os tais brancos, porque, isso sim os pretos se mataram nessa altura aos milhares uns aos outos e, mais tarde, às centenas de milhar, anos a fio, pergunto-me que raio de organização seria essa que queria matar brancos e trucidava pretos ?
Pergunto-me quem é que queria matar brancos quando o MPLA era inicialmente quase, e só, formado por mestiços e com muitos brancos nas suas fileiras ?
O que vi e sei é que Rosa Coutinho sempre se opôs a que grupos de brancos voltassem a fazer chacinas nos musseques de Luanda como em 1961. Isso sei. Foi no seu tempo que foram pela primeira vez presos e condenados uns quantos taxistas que entraram nos bairros negros para matar tudo quanto se movesse!
Contam-se pelos dedos os brancos que foram vítimas de ataques pessoais nessa época. Tudo o que se disser em contrário é uma irresponsável mentira. Caso isso se tivesse dado, teriam sido aos milhares os mortos, tal era a total desorganização da tropa portuguesa em retirada, a violência dos ataques entre o MPLA, a Unita e a FNLA. Lembro que um Batalhão inteiro vindo do Leste chegou a Luanda em cuecas, sem honra nem glória, desarmados e desfardados, mas todos vivos. Se os angolanos quizessem teriam sido todos mortos à pedrada.
Participei em reuniões com Agostinho Neto a pedir abertamente aos brancos de boa vontade que não abandonassem Angola. E a coluna de tanques do exército sul-africano estava a 30 km de Luanda.
Não posso calar, por estas razões, uma revolta muito grande contra estes novos escritores da história.
O MPLA já foi muitas coisas e mais ainda será, mas não é admissível querer usá-lo numa argumentação contra o PCP ou a esquerda portuguesa que por muito que esgraceje não tem os louros nem da descolonização , nem sequer os do golpe do 25 de Abril !
Os portugueses que viviam em Angola na sua maioria seriam pessoas de bem que foram expulsas pelos novos interesses que ali se instalaram. Julgo que é agora fácil ver quem é que lucrou com essa expulsão. Basta ver os programas da 2 do J. Furtado para ver quem é que armou a UPA e a financiou. Ou quem é que invadiu e saqueou Angola ainda antes da independência..."
MFerrer
Meu caro senhor, mesmo que quisesse não poderia, porque não sei apagar os comentários, nem os apagaria decerto, não sou gestor do Blog e apenas, sei postr e mal.
Agradeço no entanto a sua forma cordata.
Sobre Angola desse tempo e das várias purgas tenho muitos testemunhos.
Há um livro, "Purga em Angola" que aà posteriori decerto mostra muita cpoisa basta ler o recente e saber ler a capa do referido atrás.
Sobre o Sr Joaquim Furtado e os seus artigos, direi apenas que não acredito em tudo o que vejo na televisão, mas serão decerto todos criaturas estimáveis.
Está desculpado meu amigo, afinal, o horror, passados tantos anos, leva-nos a pensar o que dizia Simon de Maistre.
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