Prioridades trocadas
"A primeira prioridade da educação é a criação de um ambiente escolar disciplinado. Sobre este tema, o silêncio do ministério é ensurdecedor.
O Ministério da Educação e os representantes dos professores parecem considerar que há um tema prioritário na educação em Portugal: o da avaliação docente. Embora o interesse político do ministério e o interesse corporativo dos professores estejam em choque, ambos concordam quanto à prioridade do tema da avaliação. Mas essa é a prioridade deles, não a prioridade da sociedade portuguesa, ou até de outros responsáveis políticos em Portugal.
Se atendermos a tudo o que foi dito e comentado em torno do “caso do telemóvel” numa escola do Porto, parece que a sociedade portuguesa, o Procurador-Geral da República, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou até o próprio Presidente da República têm uma prioridade diferente. Esses responsáveis e os portugueses em geral parecem estar mais interessados em discutir o tema da indisciplina nas escolas. Mas, sobre este tema, o silêncio do ministério é ensurdecedor e o das organizações representativas dos professores não o é menos.
Na ordem de prioridades da educação em Portugal a avaliação dos professores tem certamente um lugar, mas está longe de ser o primeiro, ou mesmo de constar entre os primeiros. Entre as primeiras prioridades estão o fim da gestão democrática das escolas, a existência de directores de escola com poderes efectivos, a redução do número de alunos por turma, etc. Mas a primeira prioridade é, como escrevi aqui muitas vezes e desde há muito tempo, a da criação de um ambiente escolar disciplinado.
A indisciplina está por detrás de muitos outros problemas da escola. Em primeiro lugar, a violência contra professores, funcionários e outros alunos é uma consequência de um clima generalizado de indisciplina. Em segundo lugar, a falta de sucesso nas aprendizagens advém, em parte, da indisciplina. Num clima de confusão, ninguém aprende, nem mesmo aqueles alunos que querem muito aprender. Em terceiro lugar, é também a indisciplina a principal causadora do ‘stress’ docente e das muitas baixas médicas que ele produz. A profissão docente tornou-se numa das mais desgastantes e potenciadoras de problemas psíquicos precisamente porque os professores se sentem impotentes para controlar as turmas e sabem que, nas circunstâncias em que trabalham, o seu esforço para ensinar vale de muito pouco.
As razões para a inversão das prioridades da educação por parte do ministério e dos representantes dos professores são diversas. O ministério não consegue ultrapassar o bloqueio ideológico gerado pelas “ciências” da educação, avessas a tomar este problema a sério. Além disso, receia a possibilidade de novos conflitos. Os professores, por sua vez, têm vergonha de reconhecer que não conseguem controlar os seus alunos. Essa vergonha existe mesmo - ou talvez principalmente - em relação aos colegas de escola. Assim, do ponto de vista do ministério, a indisciplina é invisível. Do ponto de vista dos professores, ela é inconfessável.
Nas soluções apontadas por comentadores e especialistas, o problema tem sido remetido para o tema geral da reorganização do sistema e autonomia das escolas. Mas a questão é tão premente que necessita de uma abordagem mais imediata, baseada num senso comum esclarecido. Ou seja: os processos disciplinares têm de ser simples e céleres; é necessário que os alunos indisciplinados sejam punidos com trabalho comunitário; alguns deles devem ser encaminhados para acompanhamento psicológico (este tem um papel disciplinador); nos casos extremos, os alunos devem ser expulsos da escola e mesmo do ensino público - se é isso que os mais indisciplinados procuram, tanto pior para eles.
No entanto, é também necessário que as escolas previnam a indisciplina, em vez de simplesmente a punirem. Para isso é necessário que o ministério dê instruções claras no sentido de fazer da indução da disciplina uma prática constante, desde o primeiro ano de escolaridade. Os alunos têm de aprender a fazer fila para entrar na sala de aula, a esperar a sua vez, a estar calados e quietos quando o professor fala - e a serem penalizados se o não fizerem. Parece excessivo? Mas é o que acontece nos países onde a escola constitui um factor de sucesso para a sociedade e de promoção social para os indivíduos."
João Cardoso Rosas
O Ministério da Educação e os representantes dos professores parecem considerar que há um tema prioritário na educação em Portugal: o da avaliação docente. Embora o interesse político do ministério e o interesse corporativo dos professores estejam em choque, ambos concordam quanto à prioridade do tema da avaliação. Mas essa é a prioridade deles, não a prioridade da sociedade portuguesa, ou até de outros responsáveis políticos em Portugal.
Se atendermos a tudo o que foi dito e comentado em torno do “caso do telemóvel” numa escola do Porto, parece que a sociedade portuguesa, o Procurador-Geral da República, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou até o próprio Presidente da República têm uma prioridade diferente. Esses responsáveis e os portugueses em geral parecem estar mais interessados em discutir o tema da indisciplina nas escolas. Mas, sobre este tema, o silêncio do ministério é ensurdecedor e o das organizações representativas dos professores não o é menos.
Na ordem de prioridades da educação em Portugal a avaliação dos professores tem certamente um lugar, mas está longe de ser o primeiro, ou mesmo de constar entre os primeiros. Entre as primeiras prioridades estão o fim da gestão democrática das escolas, a existência de directores de escola com poderes efectivos, a redução do número de alunos por turma, etc. Mas a primeira prioridade é, como escrevi aqui muitas vezes e desde há muito tempo, a da criação de um ambiente escolar disciplinado.
A indisciplina está por detrás de muitos outros problemas da escola. Em primeiro lugar, a violência contra professores, funcionários e outros alunos é uma consequência de um clima generalizado de indisciplina. Em segundo lugar, a falta de sucesso nas aprendizagens advém, em parte, da indisciplina. Num clima de confusão, ninguém aprende, nem mesmo aqueles alunos que querem muito aprender. Em terceiro lugar, é também a indisciplina a principal causadora do ‘stress’ docente e das muitas baixas médicas que ele produz. A profissão docente tornou-se numa das mais desgastantes e potenciadoras de problemas psíquicos precisamente porque os professores se sentem impotentes para controlar as turmas e sabem que, nas circunstâncias em que trabalham, o seu esforço para ensinar vale de muito pouco.
As razões para a inversão das prioridades da educação por parte do ministério e dos representantes dos professores são diversas. O ministério não consegue ultrapassar o bloqueio ideológico gerado pelas “ciências” da educação, avessas a tomar este problema a sério. Além disso, receia a possibilidade de novos conflitos. Os professores, por sua vez, têm vergonha de reconhecer que não conseguem controlar os seus alunos. Essa vergonha existe mesmo - ou talvez principalmente - em relação aos colegas de escola. Assim, do ponto de vista do ministério, a indisciplina é invisível. Do ponto de vista dos professores, ela é inconfessável.
Nas soluções apontadas por comentadores e especialistas, o problema tem sido remetido para o tema geral da reorganização do sistema e autonomia das escolas. Mas a questão é tão premente que necessita de uma abordagem mais imediata, baseada num senso comum esclarecido. Ou seja: os processos disciplinares têm de ser simples e céleres; é necessário que os alunos indisciplinados sejam punidos com trabalho comunitário; alguns deles devem ser encaminhados para acompanhamento psicológico (este tem um papel disciplinador); nos casos extremos, os alunos devem ser expulsos da escola e mesmo do ensino público - se é isso que os mais indisciplinados procuram, tanto pior para eles.
No entanto, é também necessário que as escolas previnam a indisciplina, em vez de simplesmente a punirem. Para isso é necessário que o ministério dê instruções claras no sentido de fazer da indução da disciplina uma prática constante, desde o primeiro ano de escolaridade. Os alunos têm de aprender a fazer fila para entrar na sala de aula, a esperar a sua vez, a estar calados e quietos quando o professor fala - e a serem penalizados se o não fizerem. Parece excessivo? Mas é o que acontece nos países onde a escola constitui um factor de sucesso para a sociedade e de promoção social para os indivíduos."
João Cardoso Rosas
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home