sexta-feira, maio 02, 2008

A alimentação e os biocombustíveis

"Existem ainda, no entanto, factores mais estruturais por detrás das distorções na produção agrícola mundial, e do aumento do preço dos alimentos.” Escrevi nesta coluna há exactamente um ano, no dia 20 de Abril de 2007, sobre a importância potencial dos biocombustíveis para o desenvolvimento da agricultura, em especial nas regiões mais pobres do mundo, mas também sobre os efeitos eventuais que o aumento da procura de cereais, matéria-prima dos biocombustíveis, poderia ter sobre o preço dos alimentos. É altura, passado um ano, de voltar ao tema e tentar contribuir para rebater um mito, entretanto criado na opinião pública, de que os biocombustíveis são os grandes responsáveis pelo aumento do preço dos alimentos, bem como do aumento da fome no mundo.

Lula da Silva afirmou na semana passada: “Não me digam que o alimento está caro por causa do biodiesel. O alimento está caro nesse momento porque o mundo não estava preparado para ver milhões de chineses comerem, milhões de indianos comerem.” Com efeito, o grande crescimento económico desses e doutros países asiáticos tem promovido uma urbanização acelerada dessas zonas do globo, um crescimento enorme de uma classe média com novos hábitos de consumo, e a entrada no mercado alimentar de centenas de milhões de novos consumidores. Para além desta pressão sobre a procura, secas e outros problemas climáticos afectaram a agricultura na Austrália, nos Estados Unidos e na Europa, limitando o crescimento da oferta nos últimos dois anos. Entretanto o aumento do preço do petróleo teve consequências nos custos de produção agrícola, contribuindo também para o aumento do preço dos alimentos; não esquecendo a apetência que tem despertado o sector das commodities agrícolas aos especuladores financeiros numa altura de grande pressão descendente das cotações dos mercados accionistas, sobrevalorizando também os preços dos produtos alimentares.

Existem ainda, no entanto, factores mais estruturais por detrás das distorções na produção agrícola mundial, e do aumento do preço dos alimentos. As actuais formas de proteccionismo e de políticas de atribuição de subsídios dos Estados Unidos e União Europeia aos seus agricultores poderão estar a contribuir nos últimos anos para impedir os países mais pobres, da África subsahariana, América do Sul, e Ásia de desenvolver o seu enorme potencial agrícola, obrigando-os mesmo, nalguns casos, a comer da mão do primeiro mundo através de doações e programas de ajuda alimentar.

Assim, sendo verdade que o crescimento dos biocombustíveis também contribui para o aumento da procura de cereais, o seu impacto nos preços é insignificante relativamente aos factores de pressão anteriores. Têm, no entanto, sido o bode expiatório do aumento do preço dos alimentos, porventura aproveitado em parte pelo lobby dos grupos petrolíferos.

Os biocombustíveis começam a constituir, sim, uma grande oportunidade para livrar os países mais pobres, nomeadamente da África subsahariana, da pobreza e da fome, através do desenvolvimento já notório da produção agrícola dessas regiões, reaproveitando terras entretanto abandonadas, promovendo os investimentos agro-industriais e o emprego. A Europa que tão bem seguiu o exemplo do Brasil na promoção dos biocombustíveis, poderia agora aproveitar o actual nível elevado de preços dos produtos agrícolas para promover uma reflexão profunda sobre uma reforma da sua Política Agrícola no sentido de a tornar mais Comum aos interesses e necessidades de todos, em particular das regiões do mundo mais carenciadas, ao mesmo tempo salvaguardando questões de segurança alimentar em geral, e a valorização e protecção da qualidade e genuinidade dos seus produtos específicos
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Manuel Lancastre

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Liberalização comercial é a solução para escassez de comida
Subsídios agrícolas desincentivam os países em desenvolvimento a investir na agricultura. Com os preços artificialmente baixos, não conseguem competir.

Subsidiar a produção agrícola de modo a que os países sejam auto-suficientes na produção de alimentos ou liberalizar totalmente as trocas comerciais dos produtos agrícolas. Esta é a questão de fundo que se coloca quando o mundo está a viver um momento de escassez de alimentos.

Há anos que a Organização Mundial de Comércio (OMC) tenta negociar a liberalização das trocas comerciais, incluindo produtos agrícolas, mas esbarra com a Política Agrícola Comum europeia (PAC) e as opções dos EUA. Cerca de 40% do orçamento comunitário vai para subsídios agrícolas, mas Bruxelas garante que esta não é a razão para a alta dos preços dos alimentos. “Não há ligação entre os subsídios, o aumento, os alimentos ou a falta destes nos países em desenvolvimento”, garantiu ontem Michael Mann, porta-voz da comissária europeia para a Agricultura, Mariann Fischer Boel.

Os especialistas em comércio internacional contactos pelo Diário Económico têm opinião diferente. “A PAC protege os mercados e os subsídios à exportação desincentivam os agricultores locais noutros países. Isso tem consequências sobre os preços”, sublinha Alfredo Valladão. Mas o titular da cátedra Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris lembra que há muitos outros factores que estão na origem da actual crise alimentar, nomeadamente “os chineses e os indianos, que pela primeira vez estão a comer”.

“O que agora estamos a testemunhar no mundo é consequência de um excesso de liberalismo comercial”, defendeu há dois dias Michale Barnier. O ex-ministro francês dos Negócios Estrangeiros defende que a África e América Latina deveriam adoptar versões próprias da PAC, “já que não se pode deixar a alimentação à mercê do mercado”.

A ideia é liminarmente rejeitada por Sallie James, que ironiza lembrando que o Zimbabué e a Coreia do Norte são “bons exemplos” de países que tentaram a auto-suficiência alimentar. A especialista da Cato Institute defende que a resposta para o problema está na liberalização comercial, porque “países como as Filipinas nunca serão auto-suficientes na produção de arroz, por exemplo” e “quanto mais fornecedores um país tiver, melhor”. “Será possível ver algumas coisa acontecer a este nível na OMC”, admite Sallie James, mas reconhece que “o ‘timing’ político é mau devido às eleições nos EUA.

Alfredo Valladão corrobora. “Promover a liberalização do comércio agrícola ajudaria a promover a produção mais barata”, mas “são necessárias outras medidas” já que há outras razões para o aumento dos preços, como a especulação, o petróleo e outros, “A questão dos biocombustíveis é uma gota de água”, frisa. E conclui: “Quanto mais proteccionistas os países forem mais os preços vão aumentar”.

sexta-feira, maio 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Ora até que enfim alguém que percebe profundamente do assunto a por o dedo na ferida. E uma gota de água é visto à lupa. Já desde o fracasso de Doha que várias organizações alertam para este estado de coisas, mas parece que o mundo só acorda com grandes crises, e quando acorda é para insistir na asneira. Não viesse um francês defender a PAC que tanto dinheiro dá a França. Se isso causa fome e rebeliões no mundo o que importa desde que se ataque o Liberalismo e se defenda a PAC. Eis um assassino extremamente eficaz. Parabéns

sexta-feira, maio 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Não é a PAC que garante que a Europa é autosuficiente em alimentos? Se a Europa deixar de ser autosuficiente, no meio de uma crise destas em que os produtores dizem que proíbem as exportações, o que fazemos na Europa? Morremos à fome ou enviamos um exército buscar alimentos? É que uma colheita agrícola leva um ou mais anos a produzir quando os preços sobem e as pessoas não estão habituadas a passar um ano inteiro sem comer à espera que o mercado dê os seus frutos.

sexta-feira, maio 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

A liberalização, num país como portugal agravaria substancialmente o défice de produção. Um país deve ter um stock estratégico de produção nacional, pois ninguém sabe qual é o futuro da evolução política, e podemos um dia ainda vir a ser confrontados como estamos agora com a eventalidade de não termos que comer. Mais campos de golf???? Pouca poesia e mais real politik.

sexta-feira, maio 02, 2008  
Anonymous Anónimo said...

A politica manda deixar de produzir tudo, comprar no estrangeiro de tudo,fechar fabricas construir centros comercias, e terrenos ferteis para se constriur hoteis de 6 estrelas e campos de golfe Esta é a politca dos ultimos anos, conheço alguem no alentejo que recebe 5 mil contos para deixar a herdade sem cultivar. viva a porcaria da europa

sexta-feira, maio 02, 2008  

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