Benfica e Eriksson

"Sven-Goran Eriksson está disposto a treinar o Benfica, se o Benfica não se apurar para a Champions?

1. Eriksson é um treinador de renome internacional. Foi uma lufada de ar fresco no futebol português quando chegou, pela primeira vez, ao Benfica. Era jovem, tinha o sangue na guelra e trazia da Escandinávia uma formação e uma educação nos antípodas da anarquia instalada no futebol português no começo dos anos oitenta. Causou impacto porque trouxe a lógica do contraste.

2. A segunda passagem já foi um pouco mais atribulada, mas, apesar de tudo, o sueco deixou em Portugal a imagem de um ‘senhor do futebol’. Simpático, afável para com a Imprensa, um verdadeiro ‘gentleman’ para os agentes da bola, habituados a um certo ‘estilo carrascão’.

3. Quando Eriksson rumou a Itália, o futebol transalpino estava pujante. O dinheiro jorrava. Na Sampdoria e na Lazio, o treinador escandinavo lidou com uma situação conjuntural muito positiva. O futebol italiano tinha – na sua Série A – a aura de ‘melhor campeonato europeu’. Todos os treinadores e jogadores queriam ir para Itália, antes de pensarem rumar a Inglaterra ou Espanha.

4. Muita coisa mudou, entretanto. Eriksson rumou a Inglaterra, não teve êxito na Selecção inglesa que, para se ver livre do sueco, teve de pagar de indemnização qualquer coisa como 8 milhões de euros. Pelo meio, foi apanhado por um furacão de escândalos bem conhecidos e propalados. Agora, não quer sair do Manchester City sem trazer com ele cerca de 4 milhões de indemnização. Sem nunca perder a postura.

5. Quer dizer: Eriksson construiu o seu nome no futebol, mas, hoje, já pensa mais em dinheiro do que propriamente em futebol.

6. O novo ‘casamento’ com o Benfica até pode consumar-se e dar certo, mas esta abordagem, da maneira como foi feita, envolve grandes riscos.

7. A edição do ‘Guardian’ de ontem publicava uma matéria segundo a qual Eriksson estava a ver como paravam as modas no Chelsea antes de tomar a decisão de rumar a Portugal.

8. Há informações que colocam Frank Rijkaard em Londres (sem que isso corresponda ao abandono de Avram Grant da ‘estrutura do Chelsea’), mas é óbvio que Eriksson só virá para o Benfica se não tiver outro projecto que lhe dê mais dinheiro. E ainda há o ‘pormaior’ da indemnização. Tendo contrato com o City, o sueco está à espera de ser despedido. Porque, se não o for, ou abdica de uma verba muito razoável (e não estou a ver que o faça) ou tem alguém que o compense pela indemnização que deixaria de receber. Não me parece, por isso, que o Benfica possa ir muito mais longe relativamente à proposta que lhe fez.

9. O contrato alegadamente oferecido de três anos é uma faca de dois gumes. Por um lado, o Benfica necessita de tempo para estabilizar uma estrutura. Por outro lado, se eventualmente se confirmar um Eriksson ‘de passeio’ e as coisas não correrem bem, os responsáveis encarnados ficarão sempre com a batata quente na mão.

10. Uma coisa é certa: Eriksson – apesar do seu prestígio – já não é mais um reformista, passou o tempo em que a sua motivação era o treino e o jogo.

11. Não é fácil, de facto, encontrar um treinador para o Benfica. E Eriksson diz muita coisa a muita gente, inclusive a quem trabalhou sob o seu comando. Há muita gente na Luz porventura a precisar de Eriksson – homem de excelente trato, incapaz de estabelecer rupturas – para manter o seu ‘estatutozinho’ no futebol dos encarnados.

12. Outra coisa, não menos importante, é a estrutura a criar em redor do ‘treinador do Benfica’. A ver vamos se o clube da Luz não vai continuar a viver sob a lógica do culto de personalidade. A imagem de Eriksson (se der certo...) e, também, a imagem de Rui Costa. O importante é o trabalho. É saber quanto dinheiro o Benfica dispõe para reformular um plantel outra vez mal construído.

13. Outra coisa, não menos confusa: Eriksson está disposto a treinar o Benfica, se o Benfica não se apurar para a Champions?

14. Se a resposta for afirmativa, talvez aí tenhamos um sinal da ambição que Eriksson transporta neste momento.

15. Ridículo e absurdo são as chantagens que continuam a ser feitas quando os jornalistas se limitam a fazer o seu trabalho. Filipe Vieira e Rui Costa, desta vez, não avisaram os jornalistas amigos e de conveniência (aqueles que os adulam e publicam o que querem) do seu raide a Manchester. Não era aconselhável. Ficaram muito chateados de terem sido apanhados. E quem fez as figuras tristes de andar a esconder-se atrás das colunas não foram os jornalistas. É muito lamentável e um sinal muito negativo do que para aí pode vir (em matéria de relações com a Imprensa) a percepção de que Rui Costa, nesta matéria, não aprendeu nada com a sua estada em Itália. Lá, uma coisa dessas não lhe seria permitida. Mas, aqui, onde as relações são promíscuas e certa comunicação social fica com medo de perder notícias, as coisas são diferentes. Lamentavelmente diferentes.

Nota – À hora do fecho desta edição ainda não eram conhecidas as decisões ‘históricas’ da CD da Liga, pelo que me abstenho, para já, de produzir comentários mais detalhados, a não ser aqueles que, genericamente, faço, à parte, no ‘Destaque da Semana’."

Rui Santos