Convergência com a Europa?
"A Comissão Europeia apresentou previsões nada primaveris. O ouro negro, em valores recorde, está a abanar o crescimento na Europa. Em Portugal, a inflação deverá disparar este ano e a economia crescer bem abaixo do que prevê o Governo.
São previsões, é certo, mas Bruxelas não costuma falhar tanto quanto o FMI... como o actual governo gosta de frisar. Para Portugal, o cenário seria pior se o FMI acertasse num PIB de apenas 1,3%, mas a Comissão Europeia também não é propriamente optimista: o crescimento deverá ser de 1,7% este ano, menos duas décimas do que o PIB registado em 2007 e menos meio por cento do que prevê o Governo.
Tendo em conta o que se passa lá fora e olhando para os alertas do governador Vítor Constâncio, não é nenhuma surpresa um crescimento desta ordem. Curiosamente, o primeiro-ministro mostrou-se satisfeito, afirmando que este número até revela "convergência com a Europa".
Ora, julgo que não há qualquer motivo para satisfação: convergência é ultrapassar sustentadamente o crescimento europeu e não bater palmas quando os outros crescem menos, logo aproximam-se dos nossos números. Não foi um momento feliz de José Sócrates... mas é verdade que os números poderiam ser piores.
Mais grave é a previsão para o próximo ano: o PIB deverá crescer apenas 1,6%, sobretudo graças ao abrandamento das exportações para os nossos principais parceiros europeus.
O cenário para a inflação também não é de Primavera: 2,8%, ou seja, mais 4 décimas do que no ano passado, devido aos aumentos dos preços da energia, o que na prática se traduz numa perda real do poder de compra da maioria dos portugueses, se tivermos em conta os aumentos de 2,1% fixados para a função pública e que servem de referência para o sector privado. Em 2009, a inflação já será de 2,3%, prevê Bruxelas.
Portugal sai da lista negra do défice público, que deverá continuar a cair: 2,2% do PIB este ano, menos 4 décimas do que no ano passado, e no próximo ano deverá subir de novo para 2,6% do PIB, em grande parte devido à perda de receita causada pela descida do IVA, mas José Sócrates já garantiu que o défice continuará a baixar. Pouco nos serve de consolo, mas França está à beira dos 3% de défice e arrisca levar um puxão de orelhas do comissário Almunía.
Inflação dispara - juros sobem?
Durante os últimos 12 meses, a Comissão já reviu em baixa as previsões de crescimento económico para a zona euro por quatro vezes. Agora baixa uma décima para 1,7%, mas a pior notícia está na previsão para a inflação: 3,2%, muito acima do tecto imposto pelas regras do euro - que é de 2%.
Isto significa que centenas de milhões de europeus vão ficar com a vida mais complicada este ano porque, além do rombo na carteira quando vão ao supermercado ou à estação de serviço, os juros podem voltar a subir dos actuais 4%, o que se traduz em mais encargos para pagar o empréstimo da casa ou do carro ao banco.
Se J.C. Trichet subir a principal taxa de juro e, nos próximos dias, a Reserva Federal dos EUA baixar dos actuais 2,25% para os 2% (para estancar a sangria do outro lado do Atlântico), a diferença de remuneração entre os dois lados do oceano será ainda maior e isso terá, seguramente, efeitos nos mercados e na economia real. Vamos a alguns exemplos:
o euro sobe face ao dólar, porque os investidores preferem aplicar o dinheiro onde o juro for mais atractivo;
com a moeda única mais forte, as exportações da zona euro ficam mais caras;
as economias do euro, designadamente a portuguesa, perdem competitividade;
o crescimento económico pode desacelerar ainda mais devido ao euro forte;
as empresas vendem menos, logo aumenta a probabilidade de mais despedimentos;
os aumentos dos salários ficam congelados e mal chegam para pagar os juros mais altos.
Enfim, a vida ficará mais complicada. Mas também quem acredita que a vida é fácil? Num momento em que os EUA enfrentam o cenário de recessão e têm um crescimento quase nulo no primeiro trimestre deste ano, creio que se Portugal crescer acima de 1,5% este ano já será uma boa notícia. E eu costumo ser optimista..."
Luís Ferreira Lopes
São previsões, é certo, mas Bruxelas não costuma falhar tanto quanto o FMI... como o actual governo gosta de frisar. Para Portugal, o cenário seria pior se o FMI acertasse num PIB de apenas 1,3%, mas a Comissão Europeia também não é propriamente optimista: o crescimento deverá ser de 1,7% este ano, menos duas décimas do que o PIB registado em 2007 e menos meio por cento do que prevê o Governo.
Tendo em conta o que se passa lá fora e olhando para os alertas do governador Vítor Constâncio, não é nenhuma surpresa um crescimento desta ordem. Curiosamente, o primeiro-ministro mostrou-se satisfeito, afirmando que este número até revela "convergência com a Europa".
Ora, julgo que não há qualquer motivo para satisfação: convergência é ultrapassar sustentadamente o crescimento europeu e não bater palmas quando os outros crescem menos, logo aproximam-se dos nossos números. Não foi um momento feliz de José Sócrates... mas é verdade que os números poderiam ser piores.
Mais grave é a previsão para o próximo ano: o PIB deverá crescer apenas 1,6%, sobretudo graças ao abrandamento das exportações para os nossos principais parceiros europeus.
O cenário para a inflação também não é de Primavera: 2,8%, ou seja, mais 4 décimas do que no ano passado, devido aos aumentos dos preços da energia, o que na prática se traduz numa perda real do poder de compra da maioria dos portugueses, se tivermos em conta os aumentos de 2,1% fixados para a função pública e que servem de referência para o sector privado. Em 2009, a inflação já será de 2,3%, prevê Bruxelas.
Portugal sai da lista negra do défice público, que deverá continuar a cair: 2,2% do PIB este ano, menos 4 décimas do que no ano passado, e no próximo ano deverá subir de novo para 2,6% do PIB, em grande parte devido à perda de receita causada pela descida do IVA, mas José Sócrates já garantiu que o défice continuará a baixar. Pouco nos serve de consolo, mas França está à beira dos 3% de défice e arrisca levar um puxão de orelhas do comissário Almunía.
Inflação dispara - juros sobem?
Durante os últimos 12 meses, a Comissão já reviu em baixa as previsões de crescimento económico para a zona euro por quatro vezes. Agora baixa uma décima para 1,7%, mas a pior notícia está na previsão para a inflação: 3,2%, muito acima do tecto imposto pelas regras do euro - que é de 2%.
Isto significa que centenas de milhões de europeus vão ficar com a vida mais complicada este ano porque, além do rombo na carteira quando vão ao supermercado ou à estação de serviço, os juros podem voltar a subir dos actuais 4%, o que se traduz em mais encargos para pagar o empréstimo da casa ou do carro ao banco.
Se J.C. Trichet subir a principal taxa de juro e, nos próximos dias, a Reserva Federal dos EUA baixar dos actuais 2,25% para os 2% (para estancar a sangria do outro lado do Atlântico), a diferença de remuneração entre os dois lados do oceano será ainda maior e isso terá, seguramente, efeitos nos mercados e na economia real. Vamos a alguns exemplos:
o euro sobe face ao dólar, porque os investidores preferem aplicar o dinheiro onde o juro for mais atractivo;
com a moeda única mais forte, as exportações da zona euro ficam mais caras;
as economias do euro, designadamente a portuguesa, perdem competitividade;
o crescimento económico pode desacelerar ainda mais devido ao euro forte;
as empresas vendem menos, logo aumenta a probabilidade de mais despedimentos;
os aumentos dos salários ficam congelados e mal chegam para pagar os juros mais altos.
Enfim, a vida ficará mais complicada. Mas também quem acredita que a vida é fácil? Num momento em que os EUA enfrentam o cenário de recessão e têm um crescimento quase nulo no primeiro trimestre deste ano, creio que se Portugal crescer acima de 1,5% este ano já será uma boa notícia. E eu costumo ser optimista..."
Luís Ferreira Lopes
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home