segunda-feira, maio 19, 2008

ELOGIO À BANANA

"Por causa do preço do petróleo subiu o dos vegetais e estes tornaram-se vedetas dos noticiários. Nunca se falou tanto do arroz ou do milho. Esta crónica serve para cumprir uma gratidão: apesar da actual notoriedade dos outros, há um alimento agrícola que continua no anonimato. Pior, quando se fala dele ou é com malicioso piscar de olho ou é com desprezo. Falo evidentemente da banana. Da banana que serve de letra para Quim Barreiros ou para classificar repúblicas indignas. E, no entanto, com o arroz, o milho e o trigo, a banana é o quarto espadachim dos alimentos mosqueteiros que matam a fome ao mundo.

Também eu não dava por ela, a banana. Ansiava por Maio ou Setembro, quando os barcos que aportavam em Luanda me traziam cerejas ou uvas (em cestos com a fruta acamada em folhas de videira); ansiava por Dezembro, quando subia à mangueira do quintal para encher os dentes de fios e a boca de prazer. E da banana, quando? Não sei pela mesma razão que não se diz que a época do ar está a chegar. Comi bananas como se respira, sem dar por ela. Cinquentão, estou nas minhas 15 mil bananas.

Quando eu era garoto, havia uma colecção chamada "Ídolos do Desporto". Biografias quase sempre de futebolistas. Não se sei se Koczis ou Czibor ou Puskas, um desses húngaros da equipa mágica de 1954 que desertaram para Espanha, um deles. Na biografia, contava-se que a ele, chegado a Espanha, ofereceram uma banana. Apalpou a casca fina, equiparou-a a maçã ou pêssego e mordeu tudo. Foi aí que me dei conta que a banana era, por ser rara ou mesmo insólita para alguns, alguma coisa mais do que uma presença certa.

Continuei a comê-la como sobremesa, seca e do vale da Catumbela como guloseima, plátano, grande e frita, para acompanhar pratos com azeite de dendém, sem dar por ela. No meu bairro ela era dos raros bens democráticos. Quando eu ia futebolar em campos de brinca-na-areia que viram nascer Jacinto João, José Maria, Dinis, Conceição e eu próprio (sendo que eu próprio, ao contrário dos outros, sou o único que se lembra disso), a banana era o alimento energético trivial. Na minha casa ela entrava em cacho; nas estradas para o mato, eu via gente descalça a comê-la.

Em Portugal desglobalizado, antes e logo a seguir ao 25 de Abril, ela foi fruto de luxo. Mas as coisas recompuseram-se, tornamo-nos um país comum e as bananas democratizaram-se. Hoje, no mercado, está a um euro o quilo, a metade e a um quinto dos morangos e cerejas, frutas da época. A banana não nos preocupa e, por isso, não falamos dela. Já a Bíblia não falou. Preferiu criar a fama de outro fruto, menos universal, fazendo-o proibido. Hoje, para se falar de um atributo masculino bíblico, diz-se "maçã de Adão". É irónico e tudo para esconder a banana
"

Ferreira Fernandes

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