O problema da PJ
"Partiram os inspectores mais experimentados. Ficam os mais jovens. Seguramente mais voluntaristas [...] De certeza menos experientes
Este fim-de-semana soubemos da diminuição drástica da capacidade operacional da Polícia Judiciária nos primeiros quatro meses do ano. Menos 20% de buscas, a taxa de prisões baixou drasticamente e, pelo andar da carruagem, o pior ainda está para vir.
A justificação oficial é de que muito do movimento de detenções decretadas pelos tribunais passou para a tutela de outras polícias. É verdade, mas apenas meia verdade. A descida brusca da capacidade operacional da PJ está associada a outras causas que dificilmente podem ser repostas nos próximos tempos.
Desde logo pela fuga de quadros. Desde que este Governo entrou em funções passaram à reserva ou à reforma perto de duas centenas e meia de investigadores. Numa instituição que não tem mais de 1600 investigadores criminais dispersos pelo continente e ilhas, esta perda resulta num verdadeiro desastre. Não só por baixar o número absoluto de profissionais mas sobretudo por este êxodo representar a saída dos mais experimentados, daqueles que mais conhecimento possuem da actividade criminal e as memórias de ligação entre o passado e o presente.
Na verdade, a investigação criminal não se aprende nas escolas. Aqui estuda-se modelos teóricos, discute-se criminologia, leis penais e processuais, ensina--se fórmulas, princípios e valores, exercita-se tiro sobre alvos hipotéticos, estuda-se medicina legal sobre dois ou três cadáveres. É sem dúvida um contributo importante, mas, ao contrário do que o imperialismo penalista procura vender ao público, ou seja, ao povo, a investigação criminal não se faz na abstracção das leis. Faz-se com as mãos mergulhadas na vida, no sofrimento, na compreensão dos comportamentos, na atenção aos vestígios, nos raciocínios lógicos ou indutivos com que, a partir da cena do crime, é possível reconstituir o passado, reconstruir factos, pensar o que foi pensado por vítimas e agressores, ligar o desligado, relacionar aquilo que aparentemente parece isolado. É certo que os comportamentos policiais são obrigatoriamente controlados e condicionados pelas normas legais. Ainda bem. Mas é a única diferença entre a liberdade reconstrutora de um historiador e de um detective. E é ofício que leva anos e anos a aprender, porque a vida não se aprende de outro modo que não seja vivendo.
Partiram os inspectores mais experimentados. Ficam os mais jovens. Seguramente mais voluntaristas e generosos. De certeza menos experientes. É um erro histórico que atinge severamente a capacidade operacional da PJ e já se sabe, pela programação dos cursos, que nem em 2011 os saldos fisiológicos agora perdidos voltam a ser recuperados. Num momento em que a violência aumenta. Por outro lado, o atraso com a Lei Orgânica da PJ contribuiu para este descalabro. A quebra das buscas está associada à falta de reacção no combate ao narcotráfico. E assim, paulatinamente, com a indiferença de quem ignora, despreza e se desinteressa da tranquilidade dos cidadãos que jurou governar com lealdade, os bandidos são cada vez mais senhores e a PJ cada vez mais empobrecida e frágil. É o que temos. De certeza não é o que merecemos."
Francisco Moita Flores
Este fim-de-semana soubemos da diminuição drástica da capacidade operacional da Polícia Judiciária nos primeiros quatro meses do ano. Menos 20% de buscas, a taxa de prisões baixou drasticamente e, pelo andar da carruagem, o pior ainda está para vir.
A justificação oficial é de que muito do movimento de detenções decretadas pelos tribunais passou para a tutela de outras polícias. É verdade, mas apenas meia verdade. A descida brusca da capacidade operacional da PJ está associada a outras causas que dificilmente podem ser repostas nos próximos tempos.
Desde logo pela fuga de quadros. Desde que este Governo entrou em funções passaram à reserva ou à reforma perto de duas centenas e meia de investigadores. Numa instituição que não tem mais de 1600 investigadores criminais dispersos pelo continente e ilhas, esta perda resulta num verdadeiro desastre. Não só por baixar o número absoluto de profissionais mas sobretudo por este êxodo representar a saída dos mais experimentados, daqueles que mais conhecimento possuem da actividade criminal e as memórias de ligação entre o passado e o presente.
Na verdade, a investigação criminal não se aprende nas escolas. Aqui estuda-se modelos teóricos, discute-se criminologia, leis penais e processuais, ensina--se fórmulas, princípios e valores, exercita-se tiro sobre alvos hipotéticos, estuda-se medicina legal sobre dois ou três cadáveres. É sem dúvida um contributo importante, mas, ao contrário do que o imperialismo penalista procura vender ao público, ou seja, ao povo, a investigação criminal não se faz na abstracção das leis. Faz-se com as mãos mergulhadas na vida, no sofrimento, na compreensão dos comportamentos, na atenção aos vestígios, nos raciocínios lógicos ou indutivos com que, a partir da cena do crime, é possível reconstituir o passado, reconstruir factos, pensar o que foi pensado por vítimas e agressores, ligar o desligado, relacionar aquilo que aparentemente parece isolado. É certo que os comportamentos policiais são obrigatoriamente controlados e condicionados pelas normas legais. Ainda bem. Mas é a única diferença entre a liberdade reconstrutora de um historiador e de um detective. E é ofício que leva anos e anos a aprender, porque a vida não se aprende de outro modo que não seja vivendo.
Partiram os inspectores mais experimentados. Ficam os mais jovens. Seguramente mais voluntaristas e generosos. De certeza menos experientes. É um erro histórico que atinge severamente a capacidade operacional da PJ e já se sabe, pela programação dos cursos, que nem em 2011 os saldos fisiológicos agora perdidos voltam a ser recuperados. Num momento em que a violência aumenta. Por outro lado, o atraso com a Lei Orgânica da PJ contribuiu para este descalabro. A quebra das buscas está associada à falta de reacção no combate ao narcotráfico. E assim, paulatinamente, com a indiferença de quem ignora, despreza e se desinteressa da tranquilidade dos cidadãos que jurou governar com lealdade, os bandidos são cada vez mais senhores e a PJ cada vez mais empobrecida e frágil. É o que temos. De certeza não é o que merecemos."
Francisco Moita Flores
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