sexta-feira, maio 23, 2008

Os combustíveis e os coelhos da cartola

"O Governo decidiu congelar o aumento dos passes sociais até ao final do ano e vai aumentar os abonos de família em 25 por cento. No mesmo dia, o Governo fechou acordo com dois sindicatos da Função Pública sobre protecção social dos trabalhadores. É a resposta à crise, uma semana depois da revisão em baixa do PIB... e a um ano das eleições.

Estas são algumas das medidas, anunciadas por José Sócrates, no debate quinzenal no Parlamento, para combater os efeitos sociais da crise económica. O debate parlamentar foi, esta quarta-feira, dominado pela situação da economia e o governo não perdeu a oportunidade para marcar a agenda e criar notícia, num cenário aparentemente desfavorável do ponto de vista político.

É socialmente justo dar benefícios aos mais afectados pelo abrandamento da economia, pelo aumento brutal dos combustíveis e das taxas de juro, através da manutenção das tarifas dos transportes públicos e, por outro lado, através da melhoria do abono de família. É uma medida consensual e acertada de José Sócrates; não é demagógica, embora tenha em conta o calendário eleitoral que se avizinha, como é óbvio. Pouco tempo depois do fim do debate na Assembleia, as Finanças fecharam acordo com a FESAP e o STE quanto à protecção social dos funcionários públicos.

No entanto, nem tudo são rosas... No Parlamento, a oposição questionou o governo sobre a possibilidade de se aliviar a carga dos impostos sobre o preço final dos combustíveis e creio que aí a opinião pública dificilmente entenderá a argumentação do governo. A questão não está em saber quem decidiu há 5 anos a liberalização dos preços (governo PSD-PP), depois de 3 anos de congelamento dos preços nos tempos do engenheiro Guterres, governo a que José Sócrates pertencia, quando o barril de petróleo andava na casa dos 20 a 30 dólares. O problema está em saber que espaço de manobra terá o Estado para ajudar a economia real (empresa e famílias) a curto prazo, num cenário de permanente subida do preço do petróleo e com o cenário dos 150 dólares até ao final do ano, que terá repercussões muito graves na economia portuguesa. Uma coisa é o folclore da picardia político-partidária no parlamento entre Sócrates e Portas ou outro opositor; outra é a realidade sentida pelos consumidores, numa altura em que a Galp vai aumentar de novo o preço do gasóleo e da gasolina, de forma quase inacreditável, sem que o Estado (que ainda tem acções e lugar de chairman na Galp) nada faça para impedir aumentos muito acentuados do preço final do gasóleo e gasolina.

Bem pode o governo afastar responsabilidades, como acusa a oposição, mandando a Autoridade da Concorrência investigar se as petrolíferas se reúnem (à noite, à luz de um candeeiro a petróleo, em total clandestinidade?) para fixarem os preços, quais gangsters na Chicago dos anos 20 e 30 do século passado... mas a opinião pública quer medidas concretas para travar a Galp, Repsol e BP, porque o cenário cada vez menos virtual é o de um país que, depois de anos de sonolência e alheamento cívico, poderá voltar de novo aos protestos nas ruas.

Para um governo socialista, é certamente estimulante a discussão sobre a descida do ISP, na medida em que, na prática, temos assistido a um aumento indirecto dos impostos por via do ISP + IVA, uma vez que estes impostos incidem sobre o preço do petróleo e a receita fiscal acaba por aumentar à medida que o preço do petróleo. Claro que ninguém no governo Sócrates ficará satisfeito com os efeitos do petróleo para a economia real, mas é sempre curioso ouvir o primeiro-ministro do PS defender o argumento liberal de "deixem o mercado funcionar" e não intervir por via fiscal, ou seja, do Orçamento, alegando que quem não tem carro não deve ser penalizado pela intervenção do Estado. Teoricamente está certo, mas a que governo pertencia José Sócrates quando Guterres interveio no preço? O que pensará Guterres sobre esta evolução do pensamento do PS?

Este debate sobre os combustíveis acontece uma semana depois da revisão em baixa do PIB português para 1,5%, este ano. Mas esta quarta-feira há outra notícia igualmente importante que merece reflexão urgente: a economia espanhola praticamente estagnou no primeiro trimestre do ano, ao crescer apenas 0,3 por cento entre Janeiro e Março. No trimestre anterior tinha crescido 0,8 por cento. Há 13 anos que Espanha não registava um ritmo de crescimento tão lento. Em termos anuais, o crescimento caiu oito décimas, para os 2,7 por cento, com os sectores da construção e dos serviços a perderem 170 mil postos de trabalho. Vale a pena lembrar que Espanha é o principal parceiro comercial de Portugal e investidor estrangeiro e que trabalham em Espanha mais de 100 mil portugueses.

Com Espanha em forte abrandamento e com os combustíveis caros a causar grave mossa na carteira dos portugueses, a economia arrisca-se este ano a crescer menos do que 1,5 por cento como prevê agora o governo, naturalmente com efeitos sobre a taxa de desemprego
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Luís Ferreira Lopes

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