sexta-feira, maio 30, 2008

Sem princípios.

"Os Estados, tal como as pessoas, para serem respeitados têm de se dar ao respeito e têm, antes de mais, de se respeitar a si mesmos.

Uma das promessas da democracia instaurada depois de Abril de 1974 era a de que Portugal iria, finalmente, ocupar um lugar respeitável no concerto das nações. Primeiro com Salazar e, depois, com Marcelo Caetano, o Estado português tinha passado muitos anos debaixo de uma série de críticas e pressões devido à sua política interna mas, sobretudo, por causa da política ultramarina. Feitas a democratização e a descolonização seria pois de esperar que o país ocupasse a sua posição na cena internacional como defensor da democracia e dos direitos humanos e passasse a concitar o respeito – nos limites da sua dimensão – da Europa e do resto do mundo.

Mas a realidade é bem diferente. Os Estados, tal como as pessoas, para serem respeitados têm de se dar ao respeito e têm, antes de mais, de se respeitar a si mesmos. Ora, uma série de acontecimentos noticiados na imprensa indicam que nada disso tem acontecido entre nós. Pelo contrário, o Estado e a própria opinião pública parecem aceitar que o país se comporte na cena internacional como uma entidade sem quaisquer escrúpulos. São muitas vezes aqueles que acusam as grandes potências, especialmente os Estados Unidos, de puro realismo político e de falta de princípios na cena internacional, que mais facilmente se calam diante da mesma falta de princípios do Estado de que são cidadãos. Vejamos alguns exemplos.

Soube-se esta semana que o Estado português autorizou a permanência e providenciou segurança pessoal – paga com o dinheiro dos contribuintes – a um suspeito de crimes de guerra e contra a humanidade procurado pelo Tribunal Penal Internacional que vivia, até recentemente, na Quinta do Lago. Sobre este caso o Estado português alega que nada sabia e nada viu. Ou melhor, soube e viu o suficiente para compreender que a pessoa em causa tinha muitos inimigos e precisava de protecção especial. Mas não quis saber a razão pela qual esses inimigos existiam.

Para um exemplo ad contrario basta recordar o modo como, ainda recentemente, o Estado português encarou a visita do Dalai Lama. Portugal tratou com sobranceria uma das maiores figuras morais da actualidade, que luta de forma não violenta contra a ocupação ilegítima do Tibete pela China. O Dalai Lama não foi recebido pelo Governo português, nem pelo Presidente da República. A China terá feito a pressão suficiente e as autoridades portuguesas cederam. Mas, desta vez, ainda valeu Jaime Gama que o recebeu na Assembleia da República..

Quando os interesses económicos estão em causa a atitude do Estado português é especialmente cínica. Pense-se no caso da Venezuela. Enquanto os líderes das potências europeias – o Rei de Espanha, a Chanceler da Alemanha – não hesitam em pôr Hugo Chávez na linha, os responsáveis portugueses são postos na linha por ele, engolindo sem uma única crítica toda a sua demagogia anti-democrática. O exemplo de Angola é já antigo, mas conhece de vez em quando novos episódios. Como se viu recentemente a propósito do caso Geldof, cada vez que se fala da falta de democracia naquele país os responsáveis políticos e económicos portugueses são insultados na praça pública pelo Governo de Luanda. E alguns ainda pedem desculpa.

Outro exemplo é o modo como o Estado português tem lidado com os métodos atentatórios dos direitos humanos usados pela actual administração americana no combate ao terrorismo. Portugal alega que não sabe se as dezenas de aviões americanos que fizeram escala no nosso país a caminho do campo de concentração de Guantánamo transportavam prisioneiros à margem da legalidade internacional. Mas então o que iriam lá fazer esses voos? Tratar-se-ia de viagens turísticas?

Não se pense que estou aqui a sugerir que Portugal se transforme de repente num D. Quixote da democracia e dos direitos do homem. Nada disso. Sei bem que uma boa dose de realismo é essencial nestas matérias. Mas a questão que se coloca é a seguinte: não haverá limites ao realismo sem princípios? Há quem pense que os princípios são um luxo dos poderosos. Mas a pequena Dinamarca resistiu sozinha à investida dos Estados islâmicos por causa das caricaturas de Maomé. Ao respeitar-se a si mesma, ganhou o nosso respeito
."

João Cardoso Rosas

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