sábado, junho 14, 2008

Exigência

"Estamos perante a inversão dos princípios de um Estado de Direito e um precedente de gravíssima dimensão.

Negociações. Os camionistas param, bloqueiam, intimidam, o Governo negoceia e a GNR observa. Os camionistas cortam abastecimentos aos supermercados, às gasolineiras e a outros sectores determinantes da economia nacional e o Governo negoceia.

Os camionistas recorrem a práticas ilegais para forçar outros camionistas à paralisação, o Governo negoceia e a GNR observa. Pior, os camionistas afirmam suspender a paralisação mediante o resultado da negociação, ao invés de o Governo exigir a suspensão dos bloqueios para possibilitar as conversações.

Estamos perante a inversão dos princípios de um Estado de Direito e um precedente de gravíssima dimensão, sendo que a questão é relevante na perspectiva do interesse dos consumidores, da economia geral do país e relevantíssima no que demonstra de absoluta ausência de sentido de autoridade institucional por parte do Governo. O primeiro-ministro tem um discurso de contra-ciclo com a situação. Parece que Sócrates está programado para funcionar sobre um determinado contexto e que se desfuncionaliza quando o contexto muda.

Ao lado. Enquanto isto, o Presidente da República vem pedir que sejamos exigentes e rigorosos connosco próprios. Vemos um Presidente empenhado em afirmar o “dia da raça”, protagonizando aquelas habituais cerimónias carregadas de bafio, tantas são as vezes que se repetem da mesma maneira, condecorando o senhor Vitor Baía, sem desprimor para a sua excelentíssima carreira, e atirando para cima dos cidadãos a necessidade de exigência e de rigor. Em suma, uma ficção, com a assistência do costume. Cá fora, no país real, as pessoas. As pessoas preocupadas com a possibilidade de falta de alimentos básicos nas prateleiras dos supermercados, as pessoas a verem o que nunca antes pensaram ser possível com os camiões de reabastecimento de alimentos a circular em colunas escoltadas pela GNR, as pessoas a engrossarem as filas para o abastecimento de combustíveis, as pessoas a contarem os tostões para pagar as despesas mensais...

Palavras. No ano passado, o Presidente da República dizia que não se resignava perante a situação do país. Um ano volvido, a resignação vai ao ponto de nada dizer sobre o crescimento das desigualdades sociais, sobre a pobreza emergente, sobre o fraco crescimento económico e sobre a incapacidade demonstrada pelo Governo para intervir sobre todas estas situações.

Ainda poderiamos acalentar encontrar uma reserva de actuação no Presidente da República. Mas a verdade é que enquanto continuar a alimentar a convergência estratégica com o Governo mais vai aprofundando a divergência face à realidade do país
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Rita Marques Guedes

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