quarta-feira, junho 04, 2008

Novos mecanismos para o euro

"Sucessivos presidentes franceses tentaram dar à zona euro uma capa de ‘gouvernance économique’... mas falharam.

Aconteceu a Mitterrand nas vésperas do Tratado de Maastricht sobre a UE. Aconteceu a Jacques Chirac alguns anos depois e agora está a acontecer a Nicolas Sarkozy. Sucessivos presidentes franceses tentaram dar à zona euro uma capa de ‘gouvernance économique’, para além do actual enquadramento institucional. Mas falharam.

Sarkozy projectava organizar uma cimeira política com os líderes da zona euro, durante a presidência francesa, que começa no mês que vem. Mas isso está agora fora da agenda. A força irresistível de Sarkozy deparou-se com o objecto imóvel que é Angela Merkel, a chancelerina alemã.

O beneficiário deste impasse é a Comissão Europeia, que na semana passada produziu um documento equilibrado sobre o futuro da zona euro (http:ec.europa.eu/ economy _finance). É minha expectativa que esse relatório defina o enquadramento deste debate, para os próximos anos. A Comissão está a propor uma mudança real, embora não exactamente a que Sarkozy tinha em mente. O relatório apresenta um grande número de propostas, duas das quais parecem da maior importância. A primeira é a coordenação das reformas estruturais entre os membros da zona euro. Tem um ar muito técnico, mas o seu significado político e económico não devem ser subestimados. Se aceite, permitiria que os ministros das Finanças dos actuais 15 países da zona euro desempenhassem um papel político muito mais activo. Produziria uma nova camada de políticas entre os níveis nacionais e os da UE. Em minha opinião, esta camada vai tornar-se cada vez mais importante com o tempo. O programa microeconómico da UE, a Estratégia de Lisboa, tem sido demasiado difuso e só parcialmente bem sucedido, enquanto que muitos programas nacionais — como na Alemanha da grande coligação — têm sido falhos de orientação estratégica.

A coordenação de políticas é também importante de uma perspectiva económica, já que reconhece a importância dos desperdícios. Um exemplo disso é o debate sobre a persistência da inflação, a tendência para persistirem os aumentos de inflação. Uma das razões é o facto de as empresas de vários países mudarem os seus preços com pouca frequência. Mas a inflação que isto gera não é só um problema nacional: afecta a totalidade da zona euro — embora não a própria UE. Os aspectos regulatórios deste problema são, portanto, um tema legítimo para debater na zona euro.

A segunda proposta importante é que a zona euro tenha um único representante em organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional. A argumentação a favor de uma representação única é avassaladora. O euro já se posicionou como a segunda divisa mais importante do Mundo em termos de reservas de divisas estrangeiras, como divisa de indexação, como divisa de facturação global e como divisa de instrumentos financeiros. Há boas hipóteses de o euro vir a desempenhar um papel mais importante no mundo.

Mas a zona euro, manifestamente, não está ainda preparada para um papel a nível mundial. No ano passado, a primeira visita conjunta dos três mais importantes responsáveis pela política da zona euro à República Popular China foi louvada como o princípio de uma abordagem mais voltada para o exterior. Mas também é sintomático ter levado nove anos para que tal acontecesse. Por isso, não há que embandeirar em arco.

O documento-padrão contém muitos mais pormenores, mas estes dois assuntos parecem-me ser os mais importantes porque introduzem uma camada mínima e muito necessária de coordenação das políticas económicas e reconhecem o papel mundial do euro. E, contudo, não constituem um programa suficiente, qualquer que seja a bitola. Por exemplo, a zona euro ainda não está equipada com meios para lidar com grandes choques de assimetria, como a actual crise financeira, para além dos estabilizadores automáticos da política fiscal nacional.

Uma ideia que acho interessante é basear o seguro contra desemprego de curto prazo ao nível da zona euro. Seria complicado, mas poderia constituir um instrumento estabilizador de grande utilidade. Outra mudança importante e que deveria ter sido concretizada há muito seria dar ao Banco Central Europeu um papel formal de supervisão.

Assim, isto não é a totalidade da governança económica. Mas é mais do que um mero começo útil e liberta-nos de uma inútil guerra de trincheiras ideológica franco-alemã
"

Wolfgang Münchau

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