sexta-feira, agosto 22, 2008

Leituras com destino

"A Francisco Louçã daria com certeza jeito ler “A Morte de Theo Van Gogh e os Limites da Tolerância”, de Ian Buruma.

Quando compramos um livro para oferecer a alguém pensamos bem no perfil dessa pessoa. Não se compra o mesmo livro para oferecer à mãe, à mulher, a um filho ou a um amigo. O mesmo livro não convém de igual modo a toda a gente. Por isso é igualmente importante que as recomendações de leitura tenham em conta os destinatários.

Mas os livros também dependem das ocasiões. Como agora se aproxima a ‘rentrée’ política, é tempo de deixar de lado os policiais ou os romances e passar aos ensaios. Vão nesse sentido as minhas sugestões de leitura, destinadas aos nossos dirigentes políticos.

Assim, a Paulo Portas recomendaria “O Regresso da América: Que Futuro Depois do Império?”, de Viriato Soromenho Marques. Trata-se de um livro que reflecte sobre a América pós-Bush e o seu posicionamento no mundo. A obra revela, com toda a profundidade, o que há de mais essencial na cultura política americana: o pluralismo e o federalismo. Trata-se de um livro que poderá ajudar Paulo Portas a esquecer o seu amigo Donald Rumsfeld e a ideia, bastante peregrina, de que ele representaria o melhor da América.

Do outro lado da barricada política, a Francisco Louçã daria com certeza jeito ler “A Morte de Theo Van Gogh e os Limites da Tolerância”, de Ian Buruma. Para quem cede com tanta facilidade ao discurso do multiculturalismo como festa das culturas, como arco-íris no qual todos nos iremos dar bem e sorrir, a leitura do relato de Buruma sobre a situação que levou ao assassinato de Theo Van Gogh será certamente um convite a pensar a questão mais seriamente. A Holanda foi o primeiro país europeu a introduzir políticas multiculturalistas e, agora, está a voltar atrás. Por isso convém-nos aprender com os erros deles, para não os repetir.

Ao novo ‘compagnon de route’ de Louçã, Manuel Alegre, recomenda-se “O Poder e os Idealistas”, de Paul Berman. Trata-se de um livro que relata o percurso político da geração de 68 na Europa (Alemanha, França) e o modo como ela se foi re-posicionando politicamente. Desta forma, Manuel Alegre pode reflectir sobre a importância do idealismo em política, mas também sobre a necessidade de mudar à medida que o mundo muda.

José Sócrates pode ler com proveito pelo menos os dois primeiros capítulos de “Direita e Esquerda? Divisões Ideológicas no Século XXI”, coordenado por João Carlos Espada e outros. Como Sócrates tem sido confrontado com a dúvida ontológica sobre se é ou não de esquerda, o primeiro capítulo, da autoria de Seymour Martin Lipset, ajuda a assentar ideias. O segundo capítulo, de Raymond Plant, explica quais são as ideias da Terceira Via britânica, que alguns vêem reflectidas na actual governação.

Por fim, reservo a recomendação mais clássica para Manuela Ferreira Leite. Como ela não parece ter as leituras políticas muito adiantadas, deve concentrar-se no essencial. Não convém dar a sobremesa a quem ainda não provou a sopa. Ora, nenhuma leitura existe no mundo mais essencial para um político do que “O Príncipe”, de Maquiavel. Acontece que acaba de sair uma nova e excelente tradução em português, da responsabilidade de Diogo Pires Aurélio. Neste famoso livrinho, Ferreira Leite poderá finalmente encontrar uma orientação para os problemas que a atormentam.

Por exemplo, como ela acha que, enquanto política, deve dizer sempre a verdade e recusar “fazer teatro”, poderá ler com proveito o capítulo XVIII, onde Maquiavel escreve: “Quão louvável seja num príncipe o manter a palavra dada e viver com integridade e não com astúcia, qualquer um o entende. No entanto, vê-se pela experiência do nosso tempo terem feito grandes coisas aqueles príncipes que tiveram em pouca conta a palavra dada e que souberam, com astúcia, dar a volta aos cérebros dos homens; e no fim superaram aqueles que se fundaram na sinceridade.”

Infelizmente, não temos aqui espaço para dizer mais e também não queremos maçar Manuela Ferreira Leite com outras citações de um livro velho. Não vá ela pensar que a política existe mesmo – com as suas leis próprias, tão constantes como a lei da queda dos graves – e distrair-se da leitura, sem dúvida muito mais elucidativa, dos estudos de custo-benefício para o TGV.
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João Cardoso Rosas

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