quinta-feira, setembro 11, 2008

Os media e a insegurança

"A questão da segurança é sensível porque atinge o cidadão na sua esfera mais íntima, condicionando o seu próprio exercício da cidadania.

Se reflectirmos bem no significado do contrato social originário, aquele que dá origem ao Estado moderno e às democracias, veremos que a segurança é, com a liberdade e a igualdade, um dos seus valores matriciais. Com efeito, o Estado surge para preservar a liberdade e a propriedade de cada um, não as deixando à mercê da força privada. A existência de um ‘tertium’ regulador e “supra partes” cria, ao mesmo tempo, condições para que o princípio da igualdade se comece a instalar na sociedade moderna. O Estado surge, pois, para moderar a chamada “liberdade natural” e a lei do mais forte, garantindo segurança à esfera privada. A segurança está, pois, na origem do contrato social, sendo considerada como bem público essencial.

Compreende-se, pois, que a questão da segurança seja tão sensível, uma vez que pode pôr em causa os próprios fundamentos do sistema social. Também se compreende que regularmente esta questão esteja no topo da agenda política e da agenda mediática. Mas esta questão não é só sensível por estar na origem do contrato social. Ela é sensível porque atinge o cidadão na sua esfera mais íntima, condicionando o seu próprio exercício da cidadania. O conceito assume, pois, uma dimensão psico-social que pode afectar, por esta via, todo o sistema. Esta dimensão chama-se “sentimento de insegurança” e tem uma escala muito mais ampla do que a segurança em concreto, aquela que resulta directamente dos ambientes físicos de risco. O “sentimento de insegurança” é difuso, é interior, não tem uma cartografia definida, é multifacetado e pode atingir uma dimensão pública dificilmente controlável. Por isso pode ser facilmente induzido, a partir de situações reais ou mesmo encenadas. Ainda bem recentemente assistimos a uma crise larvar relativa à suposta escassez de um produto alimentar. A “psicologia social” tem muito a dizer sobre este assunto. E, por isso, não é muito difícil de compreender que este “sentimento” possa ser facilmente manipulável para os mais diversos fins, da política à economia.

Mas por isso mesmo não é desejável que a questão da insegurança se transforme em obsessão mediática, provocando um generalizado “sentimento de insegurança” nos cidadãos e uma guerrilha política que só prejudica o trabalho das forças de segurança e do poder judicial e a própria relação do cidadão com a comunidade e com o espaço público. É verdade que, há muito, o “Correio da Manhã” todos os dias conta, em páginas e páginas, os inúmeros casos de polícia que vão acontecendo no quotidiano dos nossos dez milhões e meio de cidadãos. Mas o mesmo não deveria acontecer, por razões óbvias, com as nossas televisões. Lembro-me do caso das eleições presidenciais francesas de 2002 e do aumento exponencial de cobertura mediática da insegurança durante a primeira volta (126%), sem que isso correspondesse aos factos, mas com a consequência de ter contribuído para levar o candidato securitário Le Pen à segunda volta. Mas também me lembro que o posterior receio de uma vitória de Le Pen fez cair a mesma agenda da insegurança em 50% (67% na TV) durante a segunda volta.

Não é bem o nosso caso, até porque, de facto, se verificou, no primeiro semestre de 2008, um ligeiro aumento de 3,35% na criminalidade violenta e grave relativamente à média dos anos 2004-2008 e de 3.98% na criminalidade global relativamente à média dos anos 2003-2008. Mas nem por isso, com estes números, se justifica o alarmismo mediático que se está a verificar. Até porque anos houve em que os índices da criminalidade violenta e grave foram superiores (2004 e 2006, por exemplo) sem que os media tivessem dado tais honras de agenda ao fenómeno.

A verdade é que este agendamento mediático da insegurança é perfeitamente compreensível no quadro das opções editoriais que vêm sendo tomadas pelos media e que sumariamente poderiam ser designadas por “tabloidismo galopante”. É certo que estas opções há muito que estão detectadas e estudadas (até em teses de doutoramento). Mas, na verdade, este bem pode ser considerado um autêntico ‘up-grade’ do género “interesse humano” que vem sendo abundantemente cultivado, uma vez que agora – e à míngua de fogos florestais - se trata de uma questão que atinge o núcleo central do contrato social. Por isso, ela não deveria ser tratada como simples assunto de “interesse humano”. Mas creio que os «Senhores da Opinião» ainda não se deram conta disso.
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João Almeida Santos

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