sexta-feira, outubro 31, 2008

A crise dos milionários?

"Os mesmos especialistas que revelam alguma ignorância no diagnóstico da crise, revelam também um enorme atrevimento pessimista nas previsões.

Seja nos jornais portugueses, seja nos estrangeiros, seja nas televisões portuguesas, ou nas lá de fora, não há quem não pronuncie, com toda a convicção do mundo, que vem aí uma grande recessão económica mundial. Analistas ou comentadores, políticos ou empresários, todos eles afirmam, sem um pingo de dúvida, que o planeta vai viver meses e anos terríveis, e que o desemprego e ausência de crescimento serão o futuro próximo da nossa aldeia global. No entanto, e curiosamente sem verem nisso nenhuma contradição, a maior parte das mesmas pessoas confessa não saber bem, nem sequer perceber bem, o que se passou e porque aconteceu esta actual mega-crise financeira. Ou seja, as mesmas pessoas e os mesmos especialistas que revelam alguma ignorância na análise e no diagnóstico, revelam ao mesmo tempo um enorme atrevimento pessimista nas previsões. É assim como se um médico, ao observar-nos pálidos e a tremer, nos dissesse que não fazia a mínima ideia do que nos estava a acontecer, mas tinha a certeza absoluta que iríamos sofrer muito nos próximos tempos! Curioso, não é? Eu acho que sim, e se calhar porque sou do contra, tenho algumas dúvidas de que venha aí o dilúvio, e que a tragédia global vá ser assim tão grave.

Nos últimos vinte anos, o mundo financeiro mundial desenvolveu-se de uma forma altamente acelerada. Bancos, comerciais ou de investimentos, hedge funds, fundos de fundos e mil e uma outras instituições, fizeram crescer brutalmente o valor dos activos financeiros mundiais. As bolsas atingiram valores nunca antes atingidos e, por todo o mundo, os activos financeiros subiram, levando atrás de si os valores de muitos mercados imobiliários. No entanto, esse dinheiro, que criava mais dinheiro e que criava ainda mais dinheiro – a “superbolha”, como lhe chama George Soros – não era dinheiro das pessoas normais, das classes médias ocidentais, mas sim das próprias instituições financeiras e das grandes fortunas mundiais. É claro que isso gerou um enorme desvio de riqueza, e por isso se diz que aumentou o fosso entre ricos e pobres, seja na América, seja nos outros países ocidentais. Os “novos ricos” vieram da alta finança, e eram os que tinham enriquecido com esses investimentos. Porém, não eram assim tantos como isso. O crescimento colossal dessa economia financeira beneficiou relativamente pouca gente, não mais de 10 por cento da população americana, e ainda menos da europeia. Houve novos milionários, mas essa riqueza foi mais institucional que pessoal. É claro que, com as taxas de juro baixas, toda a gente beneficiava, mas nem toda a gente enriquecia. As classes médias ocidentais não se tornaram grandes investidoras nas bolsas, em especial na Europa.

Ora, quando tudo começa a correr mal, a riqueza que é destruída é essencialmente a riqueza das grandes instituições, dos bancos, dos fundos, e a riqueza dos grandes, pequenos e médios milionários. As principais vítimas do esvaziamento das bolhas financeiras são essas, e não as classes médias. Para um milionário, perder 20 dos seus 40 milhões, pode ser um problema, mas ele não vai propriamente viver na penúria, nem debaixo da ponte. Portanto, e se os governos garantirem que o sistema bancário continua a funcionar, as maiores perdas financeiras não atingem as classes médias nem em grande parte as empresas não financeiras. Perdem muito os “novos ricos”, os milionários, e as instituições financeiras, mas não a maioria das populações. Haverá certamente uma contracção “recessiva”, devido às más expectativas e ao pessimismo generalizado que vai pelo mundo, mas pode não vir a passar-se a tal mega-recessão de que toda a gente fala, e que todos dizem vir aí.

A riqueza que o mundo financeiro gerou durante vinte anos foi essencialmente virtual e foi certamente parar a bolsos de uma minoria. É possível que, com algum bom senso e habilidade geral, as perdas sejam suportadas também por essa mesma minoria
."

Domingos Amaral

Divulgue o seu blog!