sábado, outubro 25, 2008

A fatalidade dos ciclos políticos

"Manuela Ferreira Leite encara a prova de uma entrevista sentada entre um copo de veneno e a sombra de um revólver.

Na última entrevista televisiva, Manuela Ferreira Leite surge mais solta, confiante e afirmativa. Tal não pode ser considerado uma surpresa, tanto mais que o tema em questão incidia sobre os segredos da Economia e do Orçamento. Percebe-se facilmente que Ferreira Leite vibra com as discussões económicas, sobretudo quando o exercício lhe confere o estatuto ímpar de juiz absoluto de um primeiro-ministro ausente.

No entanto, e em matéria política, Ferreira Leite repetiu uma flagrante incomodidade. Mais do que incomodidade, a líder do PSD aparenta uma peculiar fragilidade no mundo fluido da discussão política. Na questão das Autárquicas, Ferreira Leite evitou a frontalidade das ideias e refugiou-se em argumentos de autoridade que jamais serão definitivos. Neste particular, a entrevista serviu para ganhar tempo, serviu sobretudo para adiar uma discussão que existe hoje a céu aberto.

Mas no estilo, a entrevista deixa no observador uma estranha sensação. Manuela Ferreira Leite encara a prova de uma entrevista sentada entre um copo de veneno e a sombra de um revólver. O esforço perturba a narrativa e a disponibilidade política desaparece num ápice face à iminência de uma permanente ameaça.

Ainda a propósito da entrevista, existe uma reflexão mais profunda sobre a política nacional. A grande regra da vida portuguesa continua a ser a ausência de uma discussão séria entre visões políticas alternativas e em competição. A política reduz-se a um duelo pelo acesso ao Governo e ao natural domínio do Estado. Conquistado o poder, o esforço político do Governo centra-se na gestão da pobreza e nunca na promoção da riqueza. Sobem os impostos hoje ou baixam os impostos amanhã? Como se vai garantir já a justiça social? Mais investimento nas obras públicas agora ou mais recursos para a nova quimera tecnológica vocacionada para a modernidade e o desenvolvimento? O imediato e o curto prazo dominam a troca de impressões e sugestões que em Portugal se designa por reflexão política. Aliás, é na gestão da pobreza e no domínio da retórica política que o Governo prolonga e aprofunda o seu poder sobre o país. E deste modo original se vai perpetuando o atraso.

Em Portugal, na oposição todos os líderes são maus. Mas no Governo, para pior já basta assim. Para a resolução do paradoxo da imobilidade, o país inventou a teoria dos ciclos políticos. É tudo uma questão de tempo. E saber esperar ainda é a grande virtude de um político em Portugal
."

Carlos Marques de Almeida

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