domingo, outubro 05, 2008

Praemonitus praemunitus tempus fugit

Algumas notas e apontamentos

“O colapso dos mercados globais seria um acontecimento traumático de consequências inimagináveis. Contudo, é um cenário mais fácil de imaginar do que a continuação da situação vigente”
George Soros 1995

As origens da catástrofe assentam no objectivo utópico do liberalismo económico de criar um sistema de mercado auto-regulado.
Karl Polanyi

Um mercado único global será provavelmente a forma final do projecto iluminista de criação de uma civilização universal.
Não se trata da única variante desse projecto que foi tentada num século carregado de falsas utopias.
A antiga União Soviética corporizava uma utopia iluminista rival, a de uma civilização na qual os mercados eram substituídos pelo planeamento central.
Os custos humanos dessa utopia foram incalculáveis. Perderam-se milhões de vidas através do terror totalitário, bem como da corrupção sem limites e da degradação ambiental apocalíptica. O projecto soviético cobrou um preço incomensurável em sofrimento humano – contudo falhou a sua promessa de modernização da Rússia.
Na altura da extinção da era soviética, a Rússia estava, em alguns aspectos, mais. longe da modernidade do que no final do tempo dos czares.
A utopia do mercado livre global não envolveu tantos custos humanos como o comunismo. Contudo, ao longo do tempo poderá vir a infligir um sofrimento semelhante.
Já transformou mais de 100 milhões de camponeses chineses em trabalhadores migrantes (dados de 1998), provocou a exclusão social de dezenas de milhões de pessoas nas sociedades avançadas, lançou partes do mundo pós-comunista numa quase anarquia, deixando-as à mercê do crime organizado, e continuou a devastar o meio ambiente.

Estas utopias têm em comum o fundamental e não as diferenças.

Acaso ou estratégia programada há muito?

“A estrada para o mercado livre foi aberta e mantida desimpedida por um enorme aumento de intervencionismo contínuo, organizado centralmente e controlado”
Karl Polanyi
1944

“Na manhã de 20de Dezembro de 1994 abortou uma das mais ambiciosas experiências mundiais de mercado livre. Apenas três semanas depois de ter tomado posse, o presidente mexicano Ernesto Zedillo anunciou a desvalorização da moeda nacional. Os investidores americanos que tinham colocado as suas poupanças em fundos geridos por firmas como a Fidelity, a Scudder, a Goldman Sachs e a Solomon Brothers perderam mais de 30 mil milhões de USD. No mercado mexicano de acções houve uma quebra estimada de 70 milhões de USD na capitalização das empresas mexicanas. Até ao final de 1995 o número de desempregados no México passou de 250 mil para um milhão. O capital abandonou opaís, o custo dos empréstimos disparou muito para além da taxa de inflação que transpôs os 50%, como consequência deram-se insolvência de bancos e negócios junto com a falência a pairar sobre alguns governos estaduais.”
Roderic Ai Camp . 1995 Politics in Mexico

A seguir, os EUA na altura com Clinton na presidência fizeram um super plano de empréstimos com garantias e com apoio é claro do FMI.
Seguiram-se períodos de grande turbulência política e social que não vale a pena chamar ao texto.
No caso, o que me interessa fazer ressaltar é que:
Os políticos americanos, mais uma vez não entenderam a opacidade da cultura política que imaginaram ir transformar.
Não entenderam que “ o cerne do México é índio. É não europeu”.
Mais uma vez o Consenso de Washington não funcionou.
Os gestores de fundos que investiram no México antes da desvalorização compreenderam que aos seus grandes lucros estavam associados a enormes riscos ( um resultado da debandada foi a transferência do custo desse risco para a economia mexicana).
Há gente que ainda não percebeu o que exemplos como estes se assemelham á crise de hoje.
Outros pensam que o facto de chamar de socialista ou social democrata a este ou a outro, esquerda ou direita, não tem nada a ver com o plano arquitectado há muito e que quando se trata de poder este está controlado pelos que sempre o controlaram há séculos.
Nesta época referida, os exemplos da Nova Zelândia, México e Grã Bretanha (tatcherismo e depois a nova direita), as semelhanças e métodos foram os mesmos.
O free market funcionou como uma prensa que destruiu as classes médias.
Enriqueceu uma pequena minoria e aumentou a dimensão das classes marginais excluídas. Utilizou os poderes do estado sem escrúpulos, mas corrompeu e, em alguma medida destruiu instituições do estado.
A Grã Bretanha tornou-se mais competitiva, mas sempre em perda e com custos sociais elevadíssimos. A Nova Zelândia recuperou, mas com graves custos na coesão social, cerca de dois milhões de marginalizados. O México em custos sociais tornou-se uma sociedade com os escandalosamente ricos e a restante sociedade a viver miseravelmente.

De propósito não referi Portugal, porque estão à vista os resultados das políticas do centrão, agora com um partido socialista a destruir o que o outro parceiro não teve tempo para fazer, a vaporização do estado e a entrega deste a privados e a políticos, que têm empresas de outsourcing em todas as áreas.
Depois das privatizações escandalosas, a escandalosa promiscuidade entre o estado e os políticos que o tomaram de assalto e o poder económico, sem regras, sem justiça e sem polícia, sempre em nome do povo.
Infelizmente, sem excepções, no governo e nas oposições, todas, por mais retórica que tenham.
Algumas citações foram retiradas do excelente livro de John Gray “False Dawn”
Amanhã vai ser um dia a que se irão seguir outros, se o mundo não parar, mas nos dias que se vão seguir o mundo irá verificar que a crise será infinitamente superior ás pequenas crises provocadas pelos que querem moldar as nações á sua medida e à sua vontade, como se existisse um determinismo escrito como numa cabala ou no livro dos livros.

Divulgue o seu blog!