quarta-feira, outubro 29, 2008

Risco e desempenho

"A actual crise financeira veio pôr em causa as convicções mais enraizadas. Quem ontem defendia a redução do papel do Estado e a supressão dos impostos, apressa-se agora a exigir o acréscimo da regulação e a intervenção directa na economia. A "mão invisível" parece ter perdido a sua condição de reguladora harmoniosa da economia, sugerindo a necessidade de intervenção da "mão pesada" do Estado.

Durante décadas assistimos à liberalização progressiva das trocas comerciais e dos fluxos financeiros entre países, com crescimento generalizado da riqueza. Os portugueses que regressam pela fronteira espanhola já não têm de pagar direitos pelos produtos que tenham adquirido no outro lado da fronteira. Desapareceram as categorias profissionais de contrabandista e, simultaneamente, de guarda-fiscal, mas floresceram as trocas entre os dois países. A Espanha tornou-se o primeiro destino dos produtos portugueses.

Vastas regiões, da Ásia à América Latina, escaparam à pobreza graças à abertura dos mercados e ao acesso a fontes de financiamento. A sua capacidade de criar riqueza transformou países que dependiam das remessas de emigrantes e do investimento originado em países ricos em exportadores líquidos de capital. Os "sovereign funds" da China são hoje fundamentais para a sobrevivência de bancos e o financiamento de deficits de governos de países ricos.

No entanto, o colapso do sistema financeiro originado nos EUA, o efeito de contágio e a ameaça ao crescimento económico fizeram instalar o pânico, com a queda das bolsas e a angústia pela poupança desaparecida. Chegou a temer-se a corrida aos depósitos e a travagem abrupta da concessão de crédito. Pressionados pela opinião pública, os governos assumiram a responsabilidade pela solvabilidade do sistema incluindo a nacionalização efectiva de instituições financeiras insolventes. Agora que a crise parece ter acalmado, é preciso evitar que volte a acontecer.

No entanto, a convicção dominante pode errar no diagnóstico, tanto quanto na proposta de cura. Ao funcionar como segurador de último recurso, o Estado pode estar a branquear os erros que conduziram à actual situação, enquanto o pagador de impostos pode ter de suportar elevadíssimos prejuízos. Por outro lado, se a intervenção se prolongar demasiado, incentiva os mesmos comportamentos no futuro.

A generalização da remuneração dos gestores com base no desempenho agrava a atracção pelo risco. Para quê emprestar dinheiro a 5% ao ano, quando há clientes de alto risco que prometem pagar 10%? Se a operação correr bem, a rendibilidade do banco é elevada e o gestor merece os elevados prémios que lhe correspondem. Se correr mal, o banco não vai à falência, porque o Estado intervém. O caso dos bancos, que agora se tornou tão famoso, é apenas um exemplo específico deste problema. Se uma empresa der um prémio ao seu gestor em função dos lucros obtidos no lançamento de um novo produto, este tem um incentivo para escolher o produto com maior risco – pode ganhar muito, mas, se o lançamento for um fiasco, o prejuízo é para a empresa. O problema não está tanto na "ganância", mas na sua impunidade.

Em vez de intervir e regular em excesso, é preciso gerir o sistema de incentivos de forma a evitar a preferência pelo risco elevado. Os gestores e as empresas devem ser avaliados numa perspectiva de longo prazo e assumir as consequências das suas decisões. É por isso que as empresas familiares revelam frequentemente uma prudência que escapa às empresas de capitais dispersos, sobretudo quando estas têm de apresentar contas com maior frequência, em que procuram sempre agradar aos accionistas. A possibilidade de falência das empresas, bancos incluídos, é uma condição necessária à disciplina dos seus decisores
."

José Paulo Esperança

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